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Processo n.º 453/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório:
1. O Juiz de Direito C. F. requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a suspensão de eficácia da deliberação do CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, tomada na sua sessão plenária do dia 18 de Junho de 1996, que determinou que, daí em diante, passavam a ser consideradas como não justificadas as faltas dadas pelo requerente com fundamento no estatuto de trabalhador-estudante.
Por sentença de 5 de Dezembro de 1996, o Juiz, invocando o artigo 168º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio), declarou o tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer do mencionado pedido de suspensão.
Dessa sentença recorreu ele para o Supremo Tribunal Administrativo, sustentando, entre o mais, que o mencionado artigo 168º, nºs 1 e 2, era inconstitucional.
O Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Administrativo - 2.ª Subsecção), depois de concluir que os nºs 1 e 2 do referido artigo 168º não padeciam do vício de inconstitucionalidade, negou provimento ao recurso, pelo acórdão de 1 de Abril de 1997.
2. É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de Abril de 1997, que vem o presente recurso, interposto por aquele requerente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do mencionado artigo 168º, nºs 1 e 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Neste Tribunal, o recorrente concluiu assim as alegações que apresentou:
1º. O Conselho Superior da Magistratura é, claramente, um órgão de natureza e vocação administrativas, praticando, enquanto órgão com atribuições de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais, verdadeiros e próprios actos administrativos.
2º. Os tribunais administrativos e fiscais são órgãos de soberania e a sua competência é a que for definida pela Constituição ou pela lei, desde que a Constituição o autorize.
3º. O artigo 214º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa não admite quaisquer excepções, designadamente no sentido de permitir que algumas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a quaisquer outros tribunais.
4º. Face, pelo menos à Revisão Constitucional de 1989, o artigo 168º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 21/85 - ao pretender atribuir competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça - é supervenientemente inconstitucional, por violação dos artigos 213º, n.º 1, 214º, n.º 3, e 113º, n.º 2.
5º. Além de que, sendo a secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça composta, além do próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (que é, também, Presidente do Conselho Superior da Magistratura), por quatro juízes designados pelo mesmíssimo Presidente, teríamos o Presidente do órgão a quo a designar os juízes que constituem o órgão ad quem, com manifesta violação do princípio da divisão de poderes (artigo 207º da Constituição da República Portuguesa).
6º. E se se pretendesse interpretar o artigo 4º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei
129/84, como significando uma excepção à normal competência dos tribunais administrativos, então a mesma disposição seria claramente inconstitucional por violação dos já citados artigos 213º, n.º 1, 214º, n.º 3, e 113º, nºs 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
7º. E, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 51º, n.º 1, alíneas j) e l), e 52º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a competência para conhecer da suspensão de eficácia (bem como do respectivo recurso de fundo) de decisão em matéria disciplinar proferida contra um juiz pelo Conselho Superior da Magistratura é, claramente, do Tribunal Administrativo de Círculo. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a inconstitucionalidade material dos nºs 1 e 2 do artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho), bem como a competência do Tribunal Administrativo de Círculo para conhecer do recurso intentado (...).
O Conselho Superior da Magistratura concluiu como segue as suas contra-alegações:
1. O fundamento da autonomização da jurisdição administrativa é de natureza técnica.
2. Não está proibida constitucionalmente a atribuição pelo legislador ordinário a tribunais diversos do julgamento de questões substancialmente administrativas.
3. A especificidade da função da magistratura judicial justifica a atribuição de competência a uma secção contenciosa do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar jurisdicionalmente as deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura.
4. Pelo que o artigo 168º da Lei n.º 21/85 (Estatuto dos Magistrados Judiciais), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 10/94, de 5 de Maio, não enferma de inconstitucionalidade.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Observação introdutória:
O recorrente pede, como se viu, que se declare 'a inconstitucionalidade material dos nºs 1 e 2 do artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais' e, bem assim, 'a competência do Tribunal Administrativo de Círculo para conhecer do recurso intentado'.
Os recursos para este Tribunal - por força do que dispõem os artigos
280º, n.º 1, da Constituição da República, e 71º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro - são restritos à questão da inconstitucionalidade ou, sendo caso disso, da ilegalidade.
Por isso, não se proferirá aqui pronúncia sobre qual o tribunal competente para o julgamento do caso de que emergiu o recurso. O Tribunal pronunciar-se-á, tão-só, sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo
168º, nºs 1 e 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais: se concluir que este normativo é inconstitucional, assim o julgará, mandando - como dispõe o artigo
80º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional - reformar a decisão recorrida em conformidade.
A decisão que este Tribunal proferir só faz caso julgado no processo, como resulta do que preceitua o n.º 1 do mesmo artigo 80º.
5. A norma objecto do recurso:
O Conselho Superior da Magistratura é 'o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial' (cf. artigo 136º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio).
Este Conselho é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigos 218º, n.º 1, da Constituição e 137º, n.º 1, do Estatuto). Funciona em plenário - ou seja, com todos os seus dezassete membros (o presidente e dezasseis vogais, dos quais dois são designados pelo Presidente da República, sete eleitos pela Assembleia da República, e os outros sete, obrigatoriamente juízes, eleitos pelos seus pares, de harmonia com o princípio da representação proporcional: cf. artigos 218º, n.º 1, da Constituição, e 137º, n.º 1, e 150º, n.º 2, do Estatuto) - e em conselho permanente (ou seja, com oito dos seus membros, a saber: o presidente; o vice-presidente, que é o juiz do Supremo Tribunal de Justiça que tiver sido eleito pelos juízes; um dos juízes da Relação e dois dos juízes de Direito, que foram eleitos pelos juízes; um dos vogais designados pelo Presidente da República; e dois dos vogais eleitos pela Assembleia da República: cf. artigo 150º, nºs 1 e 3, 138º, n.º 1, e 141º, n.º 2, do Estatuto, lidos conjugadamente).
Das deliberações do conselho permanente reclama-se para o plenário do Conselho (cf. artigo 165º do Estatuto). E outro tanto acontece com as decisões do presidente ou do vice-presidente do mesmo Conselho (cf. artigo 166º do Estatuto).
Das deliberações do plenário do Conselho recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigo 168º, n.º 1, do Estatuto) - recte, para uma secção deste Supremo Tribunal, constituída nos termos do n.º 2 do mesmo artigo
168º.
O Conselho Superior da Magistratura, quando adopta deliberações, exerce actividade administrativa: competindo-lhe a gestão e a disciplina da magistratura judicial, ele prossegue um interesse público, pois, em último termo, o que visa é a realização do interesse colectivo da boa administração da justiça. E realiza o interesse público que a lei lhe assinala, exercendo poderes de autoridade, munido de um poder de imperium.
Os nºs 1 e 2 deste artigo 168.º do Estatuto - únicos que aqui sub iudicio - preceituam, com efeito:
1. Das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Para efeitos de apreciação do recurso referido no número anterior, o Supremo Tribunal de Justiça funciona através de uma secção constituída pelo seu vice-presidente e por quatro juízes, um de cada uma das secções, anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade, cabendo ao vice-presidente voto de qualidade (redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio).
A secção do contencioso administrativo é, por conseguinte, presidida pelo vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que é um juiz deste Supremo Tribunal, eleito pelos juízes que o compõem (cf. artigo 34º, n.º 2, conjugado com o artigo 30º, n.º 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro). E integra, além dele, mais quatro juízes do mesmo Supremo Tribunal, sendo dois das secções cíveis (um de cada uma dessas secções), um da secção criminal e um da secção social (cf. o artigo 168º, antes transcrito, conjugado com os artigos 21º, n.º 1, da citada Lei Orgânica, 2º do Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, e mapa IV anexo a este decreto-lei, na redacção do Decreto-Lei n.º 222/94, de 24 de Agosto).
Enquanto a distribuição dos juízes pelas diferentes secções (cíveis, criminal e social) do Supremo Tribunal de Justiça é feita pelo respectivo Presidente, que, para o efeito, tomará 'em conta as conveniências do serviço, o grau de especialização de cada um e a preferência que manifestar' (cf. artigo
22º da Lei Orgânica), a entrada de cada juiz a fazer parte da secção do contencioso administrativo depende da antiguidade de cada um na secção de que faz parte.
De facto, a secção do contencioso administrativo (composta, como se viu, por juízes provenientes de todas as secções) é - como decorre do n.º 2 do artigo 168º - renovada, 'anual e sucessivamente', 'tendo em conta a (...) antiguidade' dos juízes.
Vista a norma sub iudicio no seu exacto sentido e alcance, há, agora, que apreciá-la à luz da Constituição.
6. A questão de constitucionalidade:
6.1. Sustenta o recorrente que 'o artigo 168º, nºs 1 e 2, da Lei n.º
21/85 - ao pretender atribuir competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça - é supervenientemente inconstitucional, por violação dos artigos 213º, n.º 1, 214º, n.º 3, e 113º, n.º 2'.
O artigo 213º, n.º 1 [actual artigo 211º, n.º 1] dispunha que 'os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem funções em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciárias'.
O artigo 214º, n.º 3 [actual artigo 212º, n.º 3] preceituava que
'compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais'.
O artigo 113º, n.º 2 [actual artigo 110º, n.º 2] dispunha que 'a formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição'.
Para o recorrente, pois, no artigo 212º, n.º 3, da Constituição
[anterior artigo 214º, n.º 3], consagra-se, atribuindo-a aos tribunais administrativos, uma reserva material absoluta de jurisdição, de tal modo que esses tribunais só podem julgar questões de direito administrativo
(controvérsias nascidas de relações jurídico-administrativas), e só eles também as podem julgar. A menos, claro é, que seja a própria Constituição a atribuir a outros tribunais a competência para esse julgamento.
6.2. Esta é, de resto, a leitura que do citado preceito constitucional fazem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 1993, página 814).
Estes autores afirmam, de facto, que 'a letra do preceito constitucional parece não deixar margem para excepções, no sentido de consentir que estes tribunais possam julgar outras questões ou que certas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a outros tribunais'. E caracterizam os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais), nos seguintes termos: '(1). As acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da Administração); (2). As relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza 'privada' ou 'jurídico-civil'. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo ou fiscal' (ob. cit., página 815).
Diferente é o entendimento de VIEIRA DE ANDRADE (Direito Administrativo e Fiscal, lições ao 3º ano do curso de Direito da Faculdade de Direito de Coimbra de 1993-1994, páginas 10 e 11), que adverte para o facto de que, se a revisão constitucional tivesse querido 'a inconstitucionalização de leis importantes e de práticas de longa tradição, designadamente em matéria de polícia judiciária, contra-ordenações e expropriações por utilidade pública' - e isso era o que sucederia, se o mencionado preceito constitucional fosse lido em termos de consagrar uma reserva absoluta de jurisdição -, tê-lo-ia dito claramente. Diz ele que o preceito apenas visa 'consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa' ou, dizendo de outro modo, que, nele, se contém 'uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações ou de desvios em casos especiais, desde que sem prejuízo do núcleo essencial caracterizador do modelo'.
6.3. Este Tribunal já por diversas vezes teve que apreciar preceitos de direito ordinário à luz do anterior artigo 214º, n.º 3, da Constituição.
Assim, por exemplo, decidiu que o artigo 61º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48 953, de 5 de Abril de 1969 (redacção do Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro) - que atribuía aos tribunais tributários competência para cobrar dívidas de que fosse credora a Caixa Geral de Depósitos - não violava o mencionado preceito constitucional [cf. os acórdãos nºs 371/94, 372/94, 508/94
(publicados no Diário da República, II série, de 3 de Setembro de 1994, 7 de Setembro de 1994 e 13 de Dezembro de 1994, respectivamente) e 574/94, 610/94 e
629/94 (por publicar)]. Decidiu, igualmente, que essa norma da lei fundamental não é afrontada pelo artigo 36º, n.º 1, da Portaria n.º 640/76, de 26 de Outubro, que prevê recurso contencioso para os tribunais administrativos dos actos de registo de imprensa [cf. acórdão n.º 607/95 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Março de 1996)]. E decidiu ainda que os preceitos do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro) - que atribuem aos tribunais judiciais a competência para julgar a questão da indemnização por expropriação por utilidade pública (recte, os artigos 37º, 50º, 51º, nº 1, 52º, n.º 2, e 53º, n.º 2) - são compatíveis com aquele normativo constitucional: desde logo, porque 'existe toda uma tradição jurídica' no sentido de cometer aos tribunais judiciais a competência para decidir tal matéria; e, depois, porque, aí, 'concorrem razões que têm a ver com uma mais fácil defesa dos direitos' [cf. o acórdão n.º 746/96 (publicado no Diário da República, II série, de 4 de Setembro de 1996)].
Pois bem: como este Tribunal teve ocasião de sublinhar no citado acórdão n.º 607/95 e de repetir no também citado acórdão n.º 746/96, a administração da justiça administrativa compete aos tribunais administrativos, cuja existência, a partir da revisão constitucional de 1989, passou a ser constitucionalmente obrigatória (antes, ela era facultativa: 'podem existir tribunais administrativos'- dispunha o n.º 2 do artigo 212º, na versão de 1982). A esses tribunais cabe o julgamento das acções e dos recursos destinados a dirimir os conflitos emergentes de relações jurídico-administrativas. Ou seja: a Constituição comete-lhes a resolução das controvérsias nascidas de relações jurídicas administrativas, dos litígios emergentes de relações jurídicas que sejam de direito administrativo (relações jurídicas administrativas públicas ou em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido).
Tal, porém, não obsta a que, havendo razões que o justifiquem (vide os exemplos citados do mencionado acórdão n.º 607/95 e o caso a que se reporta o acórdão n.º 746/96), o legislador atribua aos tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões de direito administrativo. Os tribunais administrativos continuarão, apesar disso, a ser os tribunais comuns em matérias administrativas.
Como se escreveu no acórdão n.º 347/97 (publicado no Diário da República, II série, de 25 de Julho de 1997) - que, incidindo sobre o artigo
168º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aqui sub iudicio, concluiu pela sua legitimidade constitucional - 'o artigo 214º, n.º 3 [hoje, artigo 212º, n.º 3] da Constituição consagra a criação de uma jurisdição administrativa ordinária, ou seja, dá forma a uma jurisdição administrativa autónoma. Porém, isso não significa necessariamente que todos os litígios emergentes de qualquer relação jurídica administrativa devam ser dirimidos pelos tribunais administrativos. Com efeito, o que se pretendeu foi o estabelecimento de uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios jurídico-administrativos, não uma reserva absoluta de competência'.
6.4. Conclui-se, assim, que a atribuição ao Supremo Tribunal de Justiça da competência para julgar os recursos interpostos das deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura, feita pelo n.º 1 do mencionado artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não viola o referido artigo
212º, n.º 3, da Constituição.
Existem, na verdade, razões que justificam a solução legislativa adoptada.
Existe, desde logo, uma razão de tradição jurídica. De facto, quando a lei, pela primeira vez, atribuiu essa competência ao Supremo Tribunal de Justiça - o que aconteceu no Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 85/77, de 13 de Dezembro (cf. artigo 175º, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 348/80, de 3 de Setembro), daí passando para o actual Estatuto
-, a existência dos tribunais administrativos era, como se viu atrás, meramente facultativa. Ora, como também já se anotou, nada aponta para que, com a consagração constitucional da obrigatoriedade da existência de tribunais administrativos para a administração da justiça administrativa, se tenham pretendido inconstitucionalizar aquela e muitas outras soluções legislativas, em que se comete aos tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões jurídico-administrativas. Como se sublinhou no acórdão n.º 371/94
(atrás citado), 'o acolhimento pelo legislador constitucional de conceitos pré-constitucionais não revela intenção de romper com o status quo ante'.
Acresce que, no recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça, as garantias dos recorrentes são idênticas às do recurso contencioso que corre perante o Supremo Tribunal Administrativo: os fundamentos são os dos recursos a interpor dos actos do Governo (cf. artigo 168º, nº 3); o recurso tem, em regra, efeito meramente devolutivo (cf. artigo 170º, n.º 1, do Estatuto, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio); e o formalismo é idêntico ao do recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, sendo, de resto, aplicáveis subsidiariamente 'as normas que regem os trâmites processuais' (cf. artigos 171º a 178º do Estatuto).
6.5. O artigo 212º, n.º 3, da Constituição, que não é violado pelo n.º 1 do mencionado artigo 168º do Estatuto, também o não é pelo seu n.º 2, que, como se viu atrás, define a composição da secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal de Justiça.
De facto - para além de que a composição dessa secção não é a indicada pelo recorrente [ele refere que 'a secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça [é] composta, além do próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
(que é, também, Presidente do Conselho Superior da Magistratura), por quatro juízes designados pelo mesmíssimo Presidente', quando o certo é que, como se viu, tal secção, integra, além do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que preside, quatro juízes do mesmo Tribunal - dois das secções cíveis, um da secção criminal e um da secção social -, sendo renovada, 'anual e sucessivamente', 'tendo em conta a antiguidade' de cada juiz na secção de que faz parte] -, não se vê que o modo de entrar a fazer parte da secção de contencioso administrativo seja susceptível de pôr em causa a independência e a imparcialidade dos juízes que a compõem.
6.6. O mencionado artigo 168º, nºs 1 e 2, do Estatuto, não violando o artigo 212º, n.º 3, da Constituição, também não viola o artigo 211º, n.º 1
[anterior artigo 213º, n.º 1], nem o artigo 110º, n.º 2 [anterior artigo 113º, n.º 2], pois que a violação destes normativos constitucionais apenas decorreria da existência de incompatibilidade com a norma da lei fundamental primeiramente indicada.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 15 de Dezembro 1998 Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza Luis Nunes de Almeida