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Processo n.º 172/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Inconformados com o acórdão proferido na Relação de Guimarães em 14 de outubro de 2010, na ação de expropriação que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Barcelos, e em que é expropriante o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, os expropriados A. e mulher B. recorrem para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
1. O recurso é interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.10.2010, que decidiu a matéria de fundo.
(...)
4. O recurso é interposto ao abrigo da alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 – com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do artigo 75º-A n.º 1 da mesma Lei.
5. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Venerando Tribunal Constitucional aprecie são:
a) uma interpretação do artigo 26º, n.º 3 do Cód. Exp. 99, manifestamente inconstitucional, ao atribuir-se-lhe o equivalente à manutenção da revogada norma do artigo 24º, n.º 5 do Cód. Exp. 91;
b) uma interpretação restritiva do artigo 26º, n.º 12, do Cód. Exp. 99, ao não considerar equivalente, ou equiparado a “zona verde e de lazer” a que provém da sua classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN quando a razão de ser é exatamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação também inconstitucional daquela norma;
c) uma interpretação restritiva do mesmo artigo 26º, n.º 12, do Cód. Exp. 99, ao não admitir que nela se contém a referência a solos (ora expropriados), que, estando incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser retirados, por natureza e para o fim da expropriação, para a construção das instalações do IPCA, assim sendo também feito uma interpretação inconstitucional daquela norma;
d) uma interpretação do artigo 23º, n.º 5 do Cód. Exp. 99, manifestamente inconstitucional, ao não considerar o valor atribuído aos terrenos confinantes do aqui expropriado para o mesmo empreendimento, quer fixado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.11.2007, Proc. 2007/07.1, publicado in www.dgsi.pt/jtrg.nsf., quer adquiridos extrajudicialmente pela Câmara Municipal de Barcelos, com flagrante e arrepiante violação do princípio da igualdade, artigo 13º da CRP;
e) uma interpretação do artigo 31º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Exp. 99, manifestamente inconstitucional, ao não considerar a cessação definitiva da atividade profissional dos expropriados, com a inerente e arrepiante violação do direito ao trabalho para ambos os expropriados;
f) uma interpretação do artigo 31.º Cód. Exp. 99, manifestamente inconstitucional, por violação do nº 2 do artigo 62º da CRP, ao não atribuir qualquer indemnização à aqui recorrente mulher, que toda a vida viveu do trabalho exercido no prédio expropriado;
g) ocorrendo no douto acórdão a violação dos princípios do direito de e à propriedade, ao trabalho, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, em violação dos artigos 13º, 20.º, 58º, 62º, nº 1 e 2 e 266.º, nº 1 e 2 da CR.P.;
h) e a violação dos artigos 23º, 25º, 26º e 31º do Cód. Exp. 99 e ainda, designadamente face a interpretações inconstitucionais dos artigos 23º, n.º 5; 25º, n.º 3; 26º n.º 12; 31.º do mesmo Código, os artigos 13º; 58º; 62º, n.º 1 e 2 e 266º, n.º 1 e 2 do CRP.
6. Os princípios Constitucionais e as normas consideradas violadas foram os princípios constitucionais do direito de e à propriedade, do direito ao trabalho, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade – com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do artigo 75º-A, n.º 2 da Lei n.º 28/82.
7. As peças processuais em que os recorrentes oportunamente suscitaram as ditas questões da inconstitucionalidade foram as das suas alegações de 1.ª instância (nos termos do artigo 64º do Cód. Exp.), das suas alegações de apelação (18.ª conclusão) e contra alegações da sentença da ia instância e da reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Termos em que, admitido o recurso nos termos do artigo 76º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, deverão seguir-se os trâmites subsequentes.
Todavia, pela Decisão Sumária n.º 146/2012, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, pelos seguintes fundamentos:
«[...] 2. O recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões dos tribunais 'que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade'. No acórdão recorrido não foi, contudo, desaplicada qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade; por essa razão, o Tribunal não toma conhecimento do recurso interposto ao abrigo da dita alínea.
3. O recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo', exigindo efetivamente o n.º 2 do artigo 72º da mesma LTC que a parte haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Ora, independentemente de saber se as questões de inconstitucionalidade identificadas no requerimento de interposição do recurso consistem em matéria que o Tribunal pode conhecer, uma vez que não revestem natureza normativa, o certo é que se torna patente que o recurso não pode prosseguir por falta do requisito relativo à referida suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido.
É que, perante a Relação de Guimarães, os recorrentes não suscitaram adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade relacionada com as normas que agora impugnam no requerimento de interposição do recurso, e não deram, consequentemente, cumprimento ao referido requisito.
[...]»
2. Os recorrentes apresentaram reclamação contra esta decisão e sustentam:
«[...]
I
– A decisão sumária proferida decidiu não conhecer do recurso com o fundamento de que os recorrentes não suscitaram previamente qualquer questão de inconstitucionalidade relacionada com as normas que impugnam no requerimento de interposição de recurso, não tendo dado cumprimento ao requisito exigível pela alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC, do que se discorda.
1.- A sentença proferida em 04.05.2005 pelo Tribunal Judicial de Barcelos fixou a indemnização a conceder ao expropriado A. em € 364.224,00;
2.- O acórdão de 08.02.2006 do tribunal da Relação de Guimarães revogou parcialmente a sentença de 04.05.2005.
Neste acórdão ficou decidido que a 1º instância apurasse a matéria para a fixação da indemnização pela cessação da atividade alegada pelos expropriados, na parcela expropriada, através da prova pericial ou testemunhal indicada pelos expropriados nas alegações de recurso de arbitragem, tendo transitado em julgado nesta parte.
3.- Em 10.07.2009 foi proferida nova sentença pelo Tribunal Judicial de Barcelos, que fixou em € 205.451,69 a indemnização a atribuir ao expropriado A. e em € 68.316,76 à expropriada B..
3.1. O valor fixado à expropriada corresponde na totalidade à indemnização pela cessação da atividade agrícola desenvolvida a título profissional na parcela expropriada;
3.2. Enquanto ao expropriado A. o valor de € 128.013,00 corresponde ao valor do seu terreno e a parte restante à cessação da atividade profissional agrícola – artigo 31.º do CE/99.
II
Da sentença de 10.07.2009 foi interposto recurso por expropriante e expropriados.
1.- As alegações de recurso do expropriado A. incidiram sobre o montante indemnizatório atribuído à parcela expropriada.
Nas suas alegações faz constante apelo ao princípio da igualdade de tratamento dos expropriados colocados em situação idêntica, referindo-se por diversas vezes que a sentença recorrida fez interpretação de normas do artigo 23º do CE que viola os princípios da igualdade e da justa indemnização dos artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa.
2.- a)- Efetivamente, a parcela expropriada tem o nº 11 e destina-se à implantação do IPCA, tendo a sentença recorrida fixado o valor do terreno em € 9.11/m2
b)- a parcela nº 16, destinada à implantação do IPCA, foi adquirida extrajudicialmente pelo valor de € 25.05/m2
e)- a parcela nº 18, também destinada à implantação do IPCA, foi fixado o valor pelo acórdão da Relação de Guimarães de 29.11.2007 em € 19.40/m2.
3- As parcelas nºs II. 16 e 18, todas destinadas à implantação do IPCA, estão as três inseridas em RAN.
4.- Nas suas alegações para o Tribunal da Relação de Guimarães, o expropriado apela para que o nº 1 do artigo 23º do Cód. das Expropriações seja interpretado no sentido de que particulares colocados numa situação idêntica não recebam indemnizações quantitativamente diversas, pelo que a justa indemnização a atribuir ao metro quadrado da parcela nº 11 não pode ser inferior ao valor do metro quadrado da parcela nº 16 (ou 18).
5.- Nas conclusões 5.ª, 5ª , 6.ª, 12.ª, 15.ª, 15.1, 15.2, 18.ª, 18.1, 18.2 e 19.ª das alegações de recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, suscitam a questão da interpretação normativa desconforme com os princípios da igualdade e da justa indemnização, plasmados nos artigos 13º e 62º da CRP, respetivamente.
6.- O nº 5 do artigo 23º do CE/99 (vigente à data da DUP), deve ser interpretado no sentido de que o critério da justa indemnização que deve ser apontado é o valor de mercado ou venal, comum ou de compra e venda, tendo em conta todas as características dos bens em causa com influência na respetiva valoração patrimonial, o que se conforma com o princípio da igualdade em relação aos proprietários de prédios expropriados para o mesmo fim.
Dispõe o nº 5 do artigo 23º do CE/99 (vigente à data da DUP), que “...o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.”
A decisão recorrida fez uma interpretação manifestamente inconstitucional desta norma, ao não considerar o valor da compra e venda da parcela nº 16 e o valor fixado judicialmente pelo mesmo tribunal à parcela nº 18.
7. Daqui decorre que a norma inserta no nº 5 do artigo 23º do CE/99 deve ser considerada inconstitucional quando interpretada no sentido de excluir dos critérios de avaliação o preço pago pelas parcelas destinadas ao mesmo fim (implantação do IPCA) com as mesmas características, localização, (inseridas em RAN) por violação do artigo 13º e 62º da CRP.
Como assim já decidiu o acórdão nº 398/2005 do Tribunal Constitucional, publicado no D.R. II Série, nº 212, em 4.11.2005, na senda de outros também recentes, refere que, “… o princípio da igualdade, nesta vertente, não consente que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente que outros....”
8. Quando se fala na violação do princípio da igualdade, os casos concretos apresentados ao cidadão comum terão que o deixar de imediato sensível à perceção da desigualdade perante os casos iguais.
Se nós temos 3 portugueses, proprietárias de 3 terrenos de cultivo, os 3 inseridos na RAN/REN, com idêntica configuração e qualidade, confinantes entre si (parcela 11 e 16) ou distantes 30 metros (parcela 18), no mesmo lugar e freguesia, os 3 distantes 300 metros ou menos (parcela 11) dos edifícios mais altos da cidade sede de concelho (Barcelos), os 3 são expropriados ou adquiridos pela mesma entidade pública, os 3 destinam-se ao mesmo fim (implantação do IPCA), agora dissermos que um recebe € 25,00/m2 e o outro só recebe € 9,00/m2 (e este ultimo valor fixado pelo tribunal), vai ser difícil explicar o porquê.
É difícil de explicar porque o caso choca o cidadão comum.
Se esses três cidadãos vivessem num país onde vigorasse o Principio do Estado de Direito, seria a própria instituição que colocaria os dois em pé de igualdade sem necessidade de qualquer um deles requerer o que quer que fosse, muito menos recorrer aos Tribunais.
Se nós considerarmos que em Portugal vigora o principio do Estado de Direito, a situação terá que ser reposta logo que detetada a injustiça.
9.- O expropriado suscitou esta questão de inconstitucionalidade nas suas alegações de recurso para a Relação de Guimarães e por isso tempestivamente, cumprindo a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82.
10.- Pelo supra exposto o recurso interposto para o Tribunal Constitucional também não pode ser considerado infundado.
III
O expropriado suscitou ainda nas suas alegações a inconstitucionalidade do nº 3 do artigo 25º do CE/99 (vigente à data da DUP), porque interpretado na decisão recorrida no sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados em RAN e REN, quando expropriados para a construção de prédios urbanos, violando o disposto no 62º da Constituição da República Portuguesa.
É vasta a jurisprudência deste Altíssimo Tribunal em matéria de expropriação de terrenos inseridos em RAN. No entanto, em todos os casos já decididos esteve sempre em questão uma das situações previstas nas alíneas do n º2 do artigo 9º da lei da RAN (em vigor à data da DUP dos autos).
Não é do conhecimento do expropriado que alguma vez o Tribunal Constitucional se tenha pronunciado relativamente à expropriação de solos integrados na RAN destinados à construção de prédios urbanos – diga-se construção de vários edifícios, com finalidade diversas, como restaurantes, habitações, salas de estudo, biblioteca, instalações dos órgãos sociais, etc., – mas que não se identificam com a mera construção de uma via de comunicação, uma escola ou um edifício público permitido pela lei da RAN ou da REN.
O expropriado suscitou esta questão de inconstitucionalidade nas suas alegações de recurso para a Relação de Guimarães, e por isso tempestivamente, cumprindo a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82. Também não se podendo dizer que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional é infundado nesta parte.
IV
Os expropriados suscitaram expressamente nas suas contra-alegações a questão de inconstitucionalidade relativamente à indemnização por cessação da atividade profissional dos expropriados, tendo nelas mantido a necessidade de aplicação do artigo 31º do CE, para se cumprir os princípios constitucionais previstos nos artigos 13º e 62.º da CRP, consequentemente, a manutenção da decisão da 1.ª instância.
Entende o expropriado A. e a expropriada B., que têm o direito de interpor recurso para o Tribunal Constitucional nesta matéria, como o fizeram.
Julga-se ainda ser jurisprudência constitucional que, o principio ou regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida – tem de sofrer restrições ou limitações em determinadas situações processuais excecionais ou anómalas.
Designadamente, nos casos em que não é exigível ao interessado que antevisse a possibilidade de aplicação de certa norma ou interpretação normativa à dirimição do caso, de modo a impor-lhe o ónus de suscitar a questão da respetiva inconstitucionalidade antes de conhecido o teor da decisão-supresa que a convoca e aplica.
A sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Barcelos concedeu indemnização pela cessação da atividade a ambos os expropriados, os quais a consideraram que cumpria o princípio da justa indemnização, razão pela qual dela não recorreram.
Nas suas contra-alegações pugnaram pela manutenção da decisão da 1.ª instância quanto à fixação da indemnização pela cessação da atividade profissional nos termos do disposto no artigo 31º do CE/99, pedindo a improcedência das conclusões do recurso da expropriante para se cumprir os princípios constitucionais previstos nos artigos 13º e 62º da CRP.
Acresce,
O acórdão da Relação de Guimarães de 14.10.2010 revogou a sentença da 1.ª instância retirando a ambos os recorrentes/expropriados a totalidade da indemnização por cessação da atividade profissional.
Não foi admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com o fundamento em inadmissibilidade nos termos do artigo 66º nº 5 do CE.
Antes de ser proferido o acórdão da Relação de Guimarães de 14.10.2010, não era exigível aos expropriados suscitar a questão de constitucionalidade, pois o tribunal da relação efetuou uma interpretação do artigo 31º do CE e desaplicação de todo imprevisível.
Efetivamente, a relação de Guimarães deu o dito pelo não dito e isso não é exigível que as pessoas prevejam que aquele que deu (e que é um tribunal) seja aquele que tira.
Como se disse supra, o acórdão da Relação de Guimarães de 08.02.2006 determinou que a cessação da atividade profissional dos expropriados era indemnizável.
Neste sentido a 1.ª instância proferiu nova sentença em 10.07.2009 e fixou a indemnização a esse titulo a conceder ao expropriado A. no montante de € 62.438,69 e à expropriada B. no montante de € 53.316,76.
Chamado novamente a apreciar a questão, a Relação de Guimarães no acórdão de 14.10.2010 revogou a sentença da 1.ª instância nessa parte, considerando que a cessação da atividade profissional de ambos os expropriados não é indemnizável.
Esta decisão da Relação de Guimarães é demais imprevisível para os expropriados, quando nos atendemos ao teor do acórdão anterior (de 08.02.2006) da mesma relação no qual refere:
“.não consta dos laudos periciais que os expropriados exerciam a profissão de agricultores autónomos na parcela expropriada, nem qual o montante que auferiam no exercício dessa atividade, e sendo necessário apurar essa matéria, que foi alegada no recurso dos expropriados, e foi inclusive indicada prova para além da pericial, necessário se torna anular a sentença, com vista ao apuramento desta matéria, que é indispensável para a fixação da justa indemnização.
É que os prejuízos invocados são suscetíveis de indemnização, mesmo que a parcela fosse classificada como solo apto para construção e avaliada segundo os critérios adequados ou mesmo de acordo como os consignados no artigo 26º nº 12 do CE/99. E isto, porque uma coisa é a indemnização pela expropriação da propriedade em si, e outra os prejuízos pela atividade que nela fosse exercida.
O valor da propriedade é calculado de acordo com determinados critérios consignados no CE/99 e o da atividade segundo os critérios gerais do direito, como está expresso no artigo 31º, nº 2 do CE/99.
(...,) Decisão (...)
Julgar parcialmente procedente a apelação dos expropriados (...) e seja apurada matéria para a fixação da indemnização da cessação da atividade alegada pelos expropriados, na parcela expropriada, através da prova pericial ou testemunhal indicada pelos expropriados nas alegações de recurso de arbitragem.”
O acórdão da relação de Guimarães de 09.02.2006 transitou em julgado nesta parte, e assim o entenderam os expropriados.
Proferida nova sentença na 1.ª instância, (10.07.2009) esta acrescentou aos factos provados a matéria de facto dos nºs 16 a 24, que entendeu ser suficientes para a fixação da indemnização pela cessação da atividade profissional dos expropriados, tendo os expropriados ficado conformados com o valor atribuído, não tendo interposto recurso para a relação nesta parte.
Nada, mas nada em nada fazia prever a ambos os expropriados que a relação de Guimarães pelo seu acórdão de 14.10.2010 viesse coartar totalmente o direito a indemnização previsto no artigo 31º do CE/99, interpretando esta norma no sentido de não ser de conceder indemnização por cessação da atividade agrícola ao dono da parcela expropriada (ignorando, inclusive, que a recorrente B. não é dona da parcela).
Por esta razão, os expropriados fizeram um apelo genérico à obediência dos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização e nada mais lhes era exigível, contando ainda que o acórdão proferido pela relação de Guimarães em 08.02.2006 havia transitado em julgado.
Como atrás se disse, os expropriados não puderam recorrer para o STJ, como até não lhes foi admitido o recurso interposto por força do disposto no nº 5 do artigo 66º do CE/99.
Pelo exposto, entendem os expropriados que o acórdão de 14.10.2010, ao decidir que a cessação da atividade profissional como agricultores dos expropriados não é indemnizável como dano patrimonial e não patrimonial, efetuou uma interpretação manifestamente inconstitucional dos nº 1 e 2 do artigo 31º do CE/99, violando o disposto no nº 2 do artigo 62º da CRP.
Neste sentido, há que reconhecer que, nas circunstâncias do processo, não era razoável exigir aos recorrentes o ónus de considerar antecipadamente a interpretação normativa adotada na decisão, atento o seu cariz imprevisível, anómalo ou insólito.
Situação excecional ou anómala, em que os interessados não dispuseram de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão e não era exigível que o fizessem, por o tribunal a quo ter efetuado uma aplicação de todo imprevisível.
Os expropriados estão perante uma decisão de todo imprevisível e por este motivo têm o direito de recorrer para o Tribunal Constitucional, devendo o recurso de constitucionalidade ser admitido também para a apreciação da interpretação manifestamente inconstitucional do artigo 310, n.ºs 1 e 2 do Cód. Exp. 99, ao não considerar indemnizável a cessação definitiva da atividade profissional de ambos os expropriados, manifestamente inconstitucional, por violação do nº 2 do artigo 62º da CRP.
Termos em que, deve a presente reclamação subir à conferência e aí ser julgada provada e procedente, revogando-se a douta decisão sumária e ordenando-se o prosseguimento do processo, com todas as demais consequências legais. [...]»
Não houve resposta, importando decidir sem vistos prévios.
3. Os recorrentes invocaram as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro no seu requerimento de interposição do presente recurso de inconstitucionalidade. Na decisão sumária reclamada foi liminarmente afastado o conhecimento do recurso no âmbito da aludida alínea a) por no acórdão recorrido não ter sido desaplicada qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade; os recorrentes não questionam, na reclamação em análise, a referida decisão sumária nessa parte, razão pela qual, nesse segmento, se deve ter por transitada em julgado.
4. Na alegação que os recorrentes apresentaram perante a Relação de Guimarães no recurso de apelação que veio a ser julgado pelo acórdão ora recorrido, proferido em 14 de outubro de 2010, os recorrentes imputaram a uma única norma – a do artigo 25º do Código das Expropriações – a violação do princípio da justa indemnização, se interpretada «no sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção o solo integrado em RAN e REN quando expropriado para a construção de prédios urbanos».
Proferido o citado aresto, pretenderam os recorrentes impugnar, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a conformidade constitucional das seguintes normas:
a) do artigo 26º, n.º 3 do CE 99, ao atribuir-se-lhe o equivalente à manutenção da revogada norma do artigo 24º, n.º 5 do CE 91;
b) do artigo 26º, n.º 12, do CE 99, ao não considerar equivalente, ou equiparado a “zona verde e de lazer” a que provém da sua classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN quando a razão de ser é exatamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação também inconstitucional daquela norma;
c) do artigo 26º, n.º 12, do CE 99, ao não admitir que nela se contém a referência a solos (ora expropriados), que, estando incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser retirados, por natureza e para o fim da expropriação, para a construção das instalações do IPCA;
d) do artigo 23º, n.º 5 do CE 99, ao não considerar o valor atribuído aos terrenos confinantes do aqui expropriado para o mesmo empreendimento, quer fixado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.11.2007, Proc. 2007/07.1, publicado in www.dgsi.pt/jtrg.nsf., quer adquiridos extrajudicialmente pela Câmara Municipal de Barcelos, com flagrante e arrepiante violação do princípio da igualdade, artigo 13º da CRP;
e) do artigo 31º, n.ºs 1 e 2 do CE 99, ao não considerar a cessação definitiva da atividade profissional dos expropriados, com a inerente e arrepiante violação do direito ao trabalho para ambos os expropriados;
f) do artigo 31.º CE 99, por violação do nº 2 do artigo 62º da CRP, ao não atribuir qualquer indemnização à aqui recorrente mulher, que toda a vida viveu do trabalho exercido no prédio expropriado;
Acontece que o dito recurso tem, como requisito, a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido (n.º 2 do artigo 72º da LTC).
No entanto, não foi invocada no processo qualquer questão relacionada com a inconstitucionalidade destas normas, 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'. Deve, portanto, concluir-se que o Tribunal não pode conhecer do objeto do presente recurso, tal como se decidiu na agora impugnada Decisão Sumária n.º 146/2012.
Além disso, a matéria referente à violação, pelo acórdão recorrido «dos princípios do direito de e à propriedade, ao trabalho, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, em violação dos artigos 13º, 20º, 58º, 62º, nº 1 e 2 e 266º, nº 1 e 2 da CRP; e à violação dos artigos 23º, 25º, 26º e 31º do CE 99 e ainda, designadamente face a interpretações inconstitucionais dos artigos 23º, n.º 5; 25º, n.º 3; 26º n.º 12; 31.º do mesmo Código, os artigos 13º; 58º; 62º, n.º 1 e 2 e 266º, n.º 1 e 2 do CRP, reporta-se claramente à impugnação direta da decisão recorrida, que não cabe no âmbito do recurso disciplinado pela aludida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Com efeito, o recurso tem caráter normativo, não cabendo no seu objeto a sindicância direta da decisão recorrida, mas unicamente a das normas aplicadas naquela decisão. Isto é: uma coisa é a acusação de desconformidade da sentença com princípios ou normas constitucionais, outra, distinta, será a imputação de inconstitucionalidade a uma determinada norma jurídica e só esta última habilita o recorrente a interpor o presente recurso.
5. Os reclamantes sustentam, porém, que arguiram perante a Relação estas questões. Mas tal não é certo; precisamente porque o recurso tem natureza normativa, a suscitação de questões de inconstitucionalidade não se basta com a mera invocação genérica de desconformidade constitucional apontada à decisão recorrida, ou às interpretações que faz de preceitos legais. A suscitação implica a identificação precisa de uma norma jurídica que não poderá ser aplicada na decisão por infringir a Constituição. Aliás, foi o que os recorrentes fizeram em relação à já referida norma do artigo 25º do Código das Expropriações. Todavia, no requerimento de interposição do recurso, que define o seu âmbito, não incluíram no pedido a análise da referida norma, mas de outras, sobre as quais nada tinham invocado quanto à sua eventual desconformidade constitucional.
E também não é possível dizer que a aplicação do artigo 31º n.ºs 1 e 2 do CE 99 foi imprevisível, uma vez que a aplicação do preceito foi questionada no recurso interposto pela entidade expropriante, à qual os recorrentes tiveram a oportunidade de responder em contra alegação, lugar onde era adequado suscitar a inconstitucionalidade da norma, o que não sucedeu.
6. Nestes termos, há que concluir, como fez a decisão sumária reclamada, que o recurso não pode prosseguir por falta do requisito relativo à suscitação das questões de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido.
Em consequência, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a decisão sumária que decidiu não conhecer do objeto do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de maio de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.