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Proc. nº. 484/94
1ª Secção Rel.: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Os presentes autos subiram ao Tribunal Constitucional pela admissão do recurso interposto por M. do despacho proferido em 3.10.94 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 282 vº a 283 vº, que indeferiu a pretensão da recorrente de ser notificada da junção aos autos das alegações apresentadas pelo (então) recorrente M.M..
Este último recorrera para o STJ do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 29.03.93 que, considerando não se ter provado a existência de simulação quanto à doação constante da escritura de fls. 11 dos autos, revogou a sentença recorrida, absolvendo os Réus do pedido.
Das respectivas alegações de recurso, pretendia a ora recorrente ser notificada, por entender que só a notificação das alegações do recorrente assegura o efectivo direito de defesa enquanto recorrida, permitindo-lhe apresentar tempestivamente as suas contra-alegações.
A ora recorrente, inconformada com o supra mencionado despacho do Conselheiro Relator do STJ que indeferiu a pretendida notificação, interpôs recurso para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº.
28/82, de 15.11.
Concluiu, da seguinte forma, as suas alegações:
As contra-alegações de recurso são actos necessariamente dependentes das alegações e estando fixado no art. 152 nº.2 CPC que estas devem ser acompanhadas de tantas cópias quantas as partes interessadas a que se dirigem, deve a estas ser remetida cópia pela secretaria do tribunal, com indicação do prazo para contra alegarem?.
Termina, pedindo:
(...) deve ser declarada a inconstitucionalidade material do art. 705 nº. 2 do CPC, na medida em que viola o fundamento do respeito e garantia de efectivação do direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos ? art. 20 nº 1 CRP em conjugação com os arts. 2, 16 nº 2,
17, 18, 20 e 207, normas constitucionais de aplicação imediata;
(...), anulado o douto despacho que indeferiu o requerimento de fls. 277, anulado todo o processado posterior e enviada à recorrente cópia das alegações com prazo para contra-alegar?.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - A admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo dos artigos 280º, nºs. 1 e 4 da Constituição e 70º, nº. 1, alínea b) e nº. 2 da LTC - a espécie e a via utilizada pela recorrente - está dependente dos seguintes pressupostos processuais:
- suscitação da questão de inconstitucionalidade ?durante o processo?;
- aplicação efectiva da norma impugnada pela decisão recorrida;
- esgotamento dos recursos ordinários que no caso coubessem.
A competência para apreciar a admissão do recurso é do tribunal que proferiu a decisão em crise (artigo 76º, nº. 1 da LTC), mas tal decisão de admissão do recurso não é vinculativa para o Tribunal Constitucional (nº. 3 do mesmo preceito legal).
Importa, assim, antes de avançar com a apreciação da questão de constitucionalidade que vem suscitada, determinar se estão preenchidos todos os supra mencionados pressupostos de admissibilidade do presente recurso.
Quanto ao pressuposto processual relativo à questão de constitucionalidade ter sido suscitada durante o processo, pode afirmar-se que, in casu, tal pressuposto se encontra preenchido, porquanto a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade do citado artigo 705º, nº. 2 do Código de Processo Civil no requerimento de fls. 277 em que requereu a notificação das alegações produzidas pelo então recorrente M.M. no recurso de revista que corria termos no STJ, ou seja, a suscitação da inconstitucionalidade de tal dispositivo legal ocorreu durante o processo.
A norma, arguida de inconstitucional, foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida, posto que tal norma constituiu fundamento ou razão de decidir, sendo a essa luz que se encontra fundamentada a decisão em crise.
Há que averiguar se se verifica o derradeiro pressuposto processual: exaustão dos recursos ordinários (cfr. artigo 70º, nº. 2 da Lei nº. 28/82).
Como referido no Acórdão deste Tribunal nº. 210/97, inédito, ?(...), acha-se estabelecido por uma jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal, que o conceito de recurso ordinário, para os efeitos previstos no nº. 2 do artigo 70º da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, é um conceito de ampla significação, abrangendo as próprias reclamações para o presidente do tribunal ad quem dos despachos de não recebimento dos recursos interpostos no tribunal a quo (cfr. por todos, os acórdãos nºs. 65/85 e 97/85, Diário da República, II Série, respectivamente, de 31 de maio e 25 de Julho de 1985).
Com efeito, a ratio legis daquele preceito, e da exigência do pressuposto processual que nele se contém, é a de a jurisdição constitucional só ser chamada a reapreciar, por essa via, as decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido pregressamente levantada, quando tais decisões constituam a última palavra dentro da ordem judiciária em que se integram os tribunais que a proferiram?.
Só podem ser objecto de reapreciação constitucional as decisões que sejam já insusceptíveis de reapreciação na ordem jurisdicional de que provêm.
O despacho de que se recorreu para este Tribunal não dispunha do carácter de ?definitividade?, por ser ainda passível de reclamação para a conferência (da secção competente do STJ), não se tendo verificado por isso, quanto a ele, a exaustão dos meios ordinários de recurso exigida, como pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, no artigo 70º, nº. 2 da LTC
(anterior redacção).
Dispõe o nº. 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil (aprovado pelo Decreto-Lei nº. 44 129, de 28.12.1961, com as alterações resultantes da chamada
?reforma intercalar? aprovada pelo Decreto-lei nº. 242/85, de 9.07), aplicável ao caso por força das disposições aplicáveis em sede de aplicação da lei no tempo, que ?(...) quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. O relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária, e mandará o processo a vistos por cinco dias, quando o julgue necessário?.
In casu, o artigo 700º, nº. 3 do CPC é aplicável ao recurso de revista a que respeitam os autos ex vi do artigo 726º do mesmo diploma.
Ou seja, do despacho recorrido, a recorrente, por se considerar por ele prejudicada, devia ter do mesmo reclamado para a conferência, ou ter deixado esgotar-se o prazo para tal reclamação, só lhe sendo admissível o recurso para este Tribunal, depois de exauridos todos os recursos ordinários, o que não aconteceu no presente caso.
Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1992, pág. 332, ao abordar o requisito da exaustão dos recursos ordinários enquanto pressuposto processual do recurso de constitucionalidade do artigo 70º, nº. 1 alínea b) da LTC afirma:
?Por último, tem de verificar-se o esgotamento ou exaustão dos recursos ordinários, isto é, o recurso só cabe ?de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que ao caso cabiam?. Para este efeito, a reclamação para o presidente do tribunal superior dos arts. 688º - 689º, C.P.C. (ou reclamações análogas que aparecem em outras leis processuais) ou a reclamação do art. 700º, nº. 3, C.P.C. são consideradas como recursos ordinários ou, pelo menos, são equiparadas a tais recursos? (sublinhado nosso).
Como já acima se referiu ? e apesar de algumas oscilações e diferentes entendimentos entre a 1ª e a 2 secções deste Tribunal ? a jurisprudência do Tribunal Constitucional é hoje pacífica no sentido da não admissibilidade do recurso antes de esgotados todos os recursos ordinários que ao caso cabiam (cfr. ac. nº. 181/93, in DR, II Série, 21.07.93; ac. nº. 282/95, in DR, II Série,
24.05.96; ac. nº. 1231/96, de 5 de Dezembro de 1996 - inédito; ac. nº. 210/97, de 11 de Março de 1997 - inédito).
O facto de o recurso ter sido admitido e de a questão da falta de os seus pressupostos de admissibilidade não ter sido suscitada previamente, não implica a sua respectiva sanação, o que constitui, de resto, jurisprudência uniforme deste Tribunal (cfr., por todos, os acórdãos nº. 503/96, in DR, II Série, de
4.07.96 e nº. 364/96, in DR, II Série, 9.05.96, nº.604/96 e nº. 700/96, nº.
1231/96 ainda inéditos), não podendo, portanto, conhecer-se do recurso.
3 - Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.
Lisboa, 2 de Julho de 1998 Artur Mauricio Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Maria Helena Brito Luis Nunes de Almeida