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Proc.Nº 333/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - L....,LDA deduziu, em 2 de Dezembro de 1994, pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Almada, impugnação da liquidação do IVA respeitante aos anos de 1989, 1990 e 1991, pedindo a anulação da respectiva liquidação.
Por decisão de 27 de Junho de 1995, o pedido de impugnação foi liminarmente indeferido por se ter considerado que, na data da impugnação, já tinha decorrido há muito tempo o prazo de 90 dias para ser deduzida a impugnação, por se tratar de um prazo de caducidade e de conhecimento oficioso, dado reportar-se a direitos indisponíveis quanto à Fazenda Pública.
Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (adiante, STA), entendendo a recorrente que a norma do artigo 7º do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, 'dado que prevê dois tipos de prazos para o mesmo acto, colocando os contribuintes que se encontrem em igual situação jurídica perante duas realidades normativas distintas'.
O STA, por decisão de 7 de Maio de 1997, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Foi o seguinte o encadeamento argumentativo desta decisão:
..'O D.L. 154/91 é o diploma que aprova e põe em vigor o Código de Processo Tributário, contendo algumas normas transitórias relativas à aplicabilidade do referido código. Uma dessas normas é o questionado artº 7º que passamos a transcrever:
'Enquanto os respectivos códigos ou leis tributárias não forem adaptados às disposições de cobrança do novo Código, os impostos de cobrança virtual continuarão a ser cobrados pelo actual regime, o qual também se aplicará à contagem dos respectivos prazos de reclamação ou impugnação judicial.'. No que concerne ao IVA tal adaptação apenas teve lugar com a publicação do D.L.
100/95 de 19 de Maio, pelo que até então se continuava a aplicar o regime antes vigente para a cobrança e contagem de prazos, isto é, o Código de Processo das Contribuições e Impostos. Desta sequência normativa não resulta, contrariamente ao que a recorrente refere, qualquer dualidade de prazos para o mesmo acto. Há apenas um prazo aplicável a cada caso. Se a impugnação é anterior à vigência do D.L.100/95 aplica-se a todos os casos o C.P.C.I., se é posterior aplica-se o C.P.T. igualmente a todos os casos. Há prazos iguais em situações iguais e prazos diferentes em situações diferentes. Tal norma não ofende, consequentemente o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e que acima se explanou com transcrição de excertos das anotações à Constituição. Não sendo a norma do artº 7º do D.L. 154/91 inconstitucional por não ser violadora do princípio da igualdade e não sendo suscitadas no recurso quaisquer outras questões, terá de concluir-se que o recurso não pode ter êxito por não violador dos invocados arts. 123º do C.P.T. e 13º nº 1 da C.R.P.'
Não se conformando com o assim decidido, a firma L...,LDA interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº1 da artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 7º do Decreto-Lei nº 154/91, de
23 de Abril (embora isso não conste do seu requerimento, o certo é que foi a
única questão tratada na decisão recorrida).
2. - Nas alegações apresentadas neste Tribunal, a recorrente concluiu-as assim:
'1. A petição inicial de impugnação, nos presentes autos, foi liminarmente indeferida por ter sido entendido que à data da entrada da mesma em Juízo já havia caducado o prazo para o efeito.
2. Tal prazo seria o consagrado no artigo 89º, al. a), do C.P.C.I. atenta a norma do artigo 7º, do D.L. 154/91, de 23.4., e não o consagrado no artigo 123º, nº1, al. a), do C.P.T..
3. Contudo a norma do artigo 7º, do referido D.L. 154/91, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade estatuído no artigo 13º da C.R.P., dado que prevê dois tipos de prazos para o mesmo acto, colocando perante duas realidades normativas distintas os contribuintes que se mostram em igual situação jurídica, ou seja que pretendam impugnar a liquidação do imposto.
4. Deve, consequentemente, declarar-se a invocada inconstitucionalidade do artº
7º do D.L. 154/91, de 23.4, com as legais consequências.
5. Foi violado o artigo 13º , nº1, da Constituição da República'.
Pelo seu lado, a entidade recorrida entende que a distinção consagrada ('Leis ou Códigos não adaptados ao novo Código de Processo' e 'Leis ou Códigos já adaptados às disposições de cobrança do novo CPT') resulta da permanência de impostos de cobrança virtual, sistema que só terminou com o Decreto-Lei nº275-A/93, de 9 de Agosto, ressalvando o artigo 40º os conhecimentos e guias relativamente ás quais, na data da entrada em vigor daquele diploma, se encontrava ainda a correr o prazo de pagamento voluntário; por outro lado, os prazos de reclamação ou impugnação são iguais quanto à duração: apenas o momento do início da respectiva contagem é diferente - data do débito ao tesoureiro e data do último dia do pagamento voluntário. Assim, justificada a razão da distinção e sendo o prazo igual, o princípio da igualdade não é violado.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3. - O artigo 7º do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril estabelece, sob a epígrafe 'Impostos de cobrança virtual' que 'Enquanto os respectivos códigos ou leis tributárias não forem adaptadas às disposições de cobrança do novo Código, os impostos de cobrança virtual continuarão a ser cobrados pelo actual regime, o qual também de aplicará à contagem dos respectivos prazos de reclamação ou impugnação judicial'.
Assim, a norma determina a vigência, até à adaptação das leis tributárias às novas disposições de cobrança, do anterior sistema de cobrança para os impostos de cobrança virtual e, complementarmente, a manutenção dos prazos de contagem de reclamação ou impugnação judicial. Trata-se, portanto, de uma disposição de natureza transitória que permite a adaptação às novas formas de cobrança fiscal das leis que regulavam formas de cobrança anteriores e, especialmente, as respeitantes a impostos de cobrança virtual.
É inegável que da conjugação da norma do artigo 7º com as normas que fixam os prazos de reclamação e/ou impugnação judicial resultam dois prazos diferentes resultantes de serem diferentes os momentos a tomar em consideração para o início da contagem. Com efeito, idêntico prazo de 90 dias conta-se 'a partir do dia imediato ao da abertura do cofre para a cobrança das contribuições e impostos' - de acordo com o artigo 89º, alínea a), do Código de Processo das Contribuições e Impostos - e do 'termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos e das receitas parafiscais', nos termos do artigo 123º, nº1, alínea a) do Código de Processo Tributário.
Violará a norma do artigo 7º, ao manter, para os impostos de cobrança virtual, o sistema de cobrança vigente antes de entrar em vigor o novo Código de Processo Tributário o princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição?
Vejamos.
4. - O princípio da igualdade, que tem assento constitucional no artigo 13º, consiste em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferentemente o que for essencialmente diferente.
Porém, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas, isto é, sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional.
Ora, é manifesto que qualquer das dimensões em que se pode desdobrar o princípio acolhido no artigo 13º da Constituição, e que aqui podem interessar, não é atingida pela normação em causa: de facto, quer a proibição do arbítrio, que torna inadmissível não só a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta segundo critérios objectivos de relevo constitucional, como também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais, quer a proibição de discriminação, que impede quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos, baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias não são afectadas dada a razão essencial da norma - não aplicar retroactivamente ou retrospectivamente as normas de um novo sistema de cobrança a pagamentos de impostos a efectuar segundo o anterior sistema.
Na verdade, para que se possa falar de violação do princípio da igualdade, torna-se necessário verificar a existência de uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação.
Ora, no caso em apreço, não se verifica qualquer situação de diferenciação ou de discriminação injustificada. Com efeito, a norma questionada limita-se a manter em vigor para os impostos de cobrança virtual o sistema de cobrança vigente no momento da entrada em vigor do Código de Processo Tributário, vigorando também, enquanto não houver adaptação das respectivas leis tributárias ou códigos, as disposições de cobrança do novo Código, bem como a forma de contagem dos prazos de impugnação ou reclamação, assim evitando desfasamentos normativos. A existência de dois modos diferentes de contar os prazos de impugnação não pode, por isso, ser considerado como um tratamento desigual ou discriminatório dos contribuintes, uma vez que a distinção consagrada no artigo 7º assenta na especificidade da cobrança que está em causa e tem uma razão objectiva perfeitamente razoável: trata-se de evitar situações de conflitos inúteis, decorrentes do facto de o novo Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, entrar em vigor no dia 1 de Julho de 1991 e se aplicar de imediato aos processos pendentes (nº1 do artigo 2º), 'em tudo quanto não for contrariado pelo presente decreto-lei.'
Não existe, assim, qualquer violação do princípio da igualdade, pelo que o presente recurso tem de improceder. III - DECISÃO:
Em face de tudo quanto fica exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando-se, na parte impugnada a decisão recorrida. Lisboa, 18 de Novembro de 1998 Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Artur Maurício Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa