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Proc. 453/98
1ª Secção Relatora: Consª. Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. C..., notificado da decisão sumária que negou provimento ao recurso de constitucionalidade por si interposto junto deste Tribunal Constitucional, vem reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Fundamenta esta reclamação na inconstitucionalidade material do nº 1 do artigo
78º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Nas palavras do reclamante, a desconformidade da referida disposição com o texto constitucional reside em que a decisão sumária permite
'[...] a prolação de uma decisão de fundo individual e sumária, quando o certo é que o texto constitucional, maxime o artº 280º, atribui competência para julgamento de tais recursos ao órgão colectivo do Estado «Tribunal Constitucional», o qual é composto por um conjunto de 13 juízes (artº 222º) apenas admitindo a Lei Fundamental (artº 224º, nº 2) o funcionamento por secções e não por Juízes individuais, inconstitucionalidade material esta, por violação dos indicados preceitos dos artºs 280º, 222º e 224º, todos da Constituição da República Portuguesa.'
2. Não tem razão o reclamante. Vejamos por quê. O artigo 280º da Constituição da República Portuguesa é uma norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização concreta, não contendo qualquer regra organizatória interna do Tribunal. Não serve, pois, de suporte à pretensão apresentada na reclamação sub judice. No artigo 222º da Constituição estatui-se sobre a composição do Tribunal Constitucional e sobre o estatuto dos juízes que o compõem, em número de treze. Mas não se indica qualquer regra a que deva obedecer o processo de formação – colegial ou outra – das decisões do Tribunal Constitucional. Afasta-se, por isso, também este fundamento como base de inconstitucionalidade material do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional. Finalmente, o artigo 224º da Constituição, no seu nº 2, dispõe que:
'A lei pode determinar o funcionamento do Tribunal Constitucional por secções, salvo para efeito de fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade.'
Esta norma constitucional não veda ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer um processo de formação das decisões do Tribunal Constitucional, para os tipos de questões previstas no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que assente numa decisão individual. O legislador ordinário goza de liberdade de conformação na definição das regras relativas ao processo de formação das decisões do Tribunal Constitucional.
Perante o cada vez maior número de processos no Tribunal Constitucional, o legislador ordinário, sem descurar a necessidade de assegurar uma tutela plena dos direitos dos recorrentes, criou a figura da decisão sumária, para acelerar o processo decisório de determinadas questões. Pode e deve ser proferida decisão sumária relativamente a questões caracterizadas pela sua simplicidade, nesse grupo se incluindo, 'designadamente', aquelas que já tiverem sido objecto de julgamento anterior pelo Tribunal Constitucional (cfr. artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Prossegue-se, assim, o objectivo da mais célere administração da justiça, em função da menor complexidade do caso, sem esquecer as garantias de defesa das partes. É assegurado o princípio do contraditório, facultando-se ao recorrente a oportunidade de reclamar para a conferência (cfr. nº 3 do referido artigo 78º-A)
– oportunidade que aliás o recorrente utilizou no presente processo. A conferência decide definitivamente as reclamações, desde que haja unanimidade dos juízes intervenientes; não existindo unanimidade, a decisão cabe ao pleno da secção (cfr. nº 4 do mesmo preceito).
3. A Constituição nada determina portanto sobre a organização e o funcionamento das secções do Tribunal Constitucional. Concretamente, não exige a intervenção efectiva de todos os juízes de cada secção em todas as fases do processo. Como ficou dito, segundo o artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o julgamento em secção realiza-se por diversos modos: decisão individual do relator, decisão pela conferência, decisão pelo pleno da secção. Havendo reclamação da decisão individual do relator, basta que um dos juízes que integram a conferência tenha opinião diferente da do relator para que a decisão final seja tomada pelo pleno da secção.
4. Conclui-se que o regime instituído pelo artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional não contém qualquer violação das regras constitucionais sobre competência, organização e funcionamento do Tribunal Constitucional.
5. A figura da decisão sumária prevista no artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional corresponde a uma solução geral do direito processual português. Traduz aliás uma concretização da remissão genérica contida no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos do qual 'à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação'.
Na verdade, segundo o artigo 700º, nº 1, g) do Código de Processo Civil, incumbe ao relator 'julgar sumariamente o objecto do recurso, nos termos previstos no artigo 705º'. Por sua vez, o artigo 705º determina que 'quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia'.
6. Na sua reclamação, não aduziu o reclamante quaisquer argumentos susceptíveis de alterar a decisão sumária proferida nos presentes autos de recurso. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária proferida em 8 de Julho de 1998, que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 9 de Fevereiro de 1999 Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida