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Proc. nº 816/01 Proc. nº 835/01 Proc. nº 833/01 Plenário Relator : Sousa e Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional :
I
P..., candidato à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal do município de Guimarães apresentou protesto escrito à Assembleia de Apuramento Geral do município de Vizela, que dele tomou conhecimento através do respectivo presidente, em que concluiu do seguinte modo:
“ 1 - A Lei nº 63/98 de 1 de Setembro, que criou o Município de Vizela, violou o disposto no artº 249º, no nº 1 do artº 291º e no nº 2 do artº 174º todos da Constituição, na alínea d) do artº 3º da Lei nº 11/82 de 2 de Junho, nos nºs 1, 2 e 3º do artº 5, na alínea b) do nº 3 e na alínea b) no nº 4 do artº
4º todos da Lei nº 142/85 de 18 de Novembro, está ferida de inconstitucionalidade e não tem validade, nem eficácia jurídica, conforme prescreve o nº 3 do artº 3º da Constituição. Pelo que :
2 - O Município de Vizela, criado por aquela Lei nº 63/98 de 1 de Setembro, é juridicamente inexistente como autarquia local (nº 2 do artº 235º, nº 1 do artº 236º e nº 3 do artº 3º, todos da Constituição);
3 - Não tem esse Município de Vizela órgãos representativos : Assembleia Municipal e Câmara Municipal (artº 250º da Constituição);
4 - Para órgãos inexistentes de autarquia local inexistente não pode haver eleições, nem ser contados votos, para determinar eleitos para órgãos inexistentes. Pelo que :
5 - O processo eleitoral e votação, que decorreu para a Assembleia Municipal e para a Câmara Municipal do inexistente Município de Vizela estão feridos de inexistência jurídica insuprível;
6 – E por terem decorrido o respectivo processo eleitoral e votação, englobando as freguesias de São João das Caldas de Vizela, São Miguel das Caldas de Vizela, Santa Maria de Infias, São Salvador de Tagilde e São Paio de Vizela, destacadas por aquela Lei nº 63/98 de 1 de Setembro do Município de Guimarães, prejudicaram a votação para a Câmara Municipal e Assembleia Municipal do Município de Guimarães, a que o protestante é candidato. Para tanto, face ao que precede, na procedência deste protesto, requer que seja proferida decisão, que declare nulo o processo eleitoral e nulas todas as votações caídas na área do inexistente Município de Vizela para os seus inexistentes órgãos da Assembleia Municipal e Câmara Municipal.”
O Presidente da Assembleia de Apuramento Geral proferiu sobre o protesto a seguinte decisão: “a Assembleia de Apuramento Geral não se pronunciará sobre a reclamação apresentada, porquanto a mesma ultrapassa a competência definida por lei para esta Assembleia, à qual cabe tomar posição sobre os protestos na medida em que os mesmos recaíam sobre boletins de voto, o que não é o caso”.
Desta decisão recorreu o apresentante, ao abrigo dos artigos 156º ss. da LEOAL (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pelo nº 1 do artigo 1º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto), para o Tribunal Constitucional, em que resumiu os fundamentos da sua alegação de inconstitucionalidade da Lei nº 63/98 de 1 de Setembro, dizendo ser a mesma inconstitucional por :
“a) Não ter sido precedida das consultas aos órgãos das autarquias abrangidas; b) Ter reduzido a área territorial do Distrito do Porto e acrescentado aquela
área de redução á área do Distrito de Braga; c) ter sido votada e aprovada em dia (18 de Junho de 1998), em que a Assembleia da República, válida e eficazmente, não podia deliberar; d) Ter criado o Município de Vizela com área inferior à prevista, como requerido na Lei Quadro de Criação de Municípios; e e) Estar assinada por quem, nem sequer, presidiu ao Plenário da Assembleia da República no dito dia 18 de Junho de 1998.”
Relativamente à decisão recorrida defendeu :
- que o direito ao protesto individual tem consagração constitucional (nº 1 do artigo 52º da Constituição);
- na LEOAL o direito ao protesto não tem limitação material quanto ao seu objecto;
- a inconstitucionalidade daquela Lei nº 63/98, de 1 de Setembro, enquanto não estiver, como não está, decidida podia e pode ser suscitada em qualquer altura e perante qualquer entidade (nº 1 do artigo 52º da Constituição);
- a Assembleia de Apuramento Geral tinha competência para apreciar e decidir o protesto do recorrente.
Em conclusão, o recorrente pede ao Tribunal que :
“ a) Julgue inconstitucional a Lei nº 63/98 de 1 de Setembro, que criou o Município de Vizela. b) Declare nulas todas as votações apuradas e publicadas pela respectiva Assembleia Geral de Apuramento para a Câmara Municipal e Assembleia Municipal do Município de Vizela; e c) Consequentemente , revogue a decisão recorrida.”
O recorrente juntou 4 documentos e solicitou ao Tribunal que requisitasse vários elementos de prova.
O edital a que se refere o artigo 150º da LEOAL foi afixado no dia
19 de Dezembro, conforme informação oficial solicitada pelo Tribunal, e a petição de recurso foi expedida por correio sob registo em 20 de Dezembro de
2001. A petição deu entrada na secretaria do Tribunal em 21 de Dezembro
(processo nº 816/01).
II
O mesmo P..., agora na qualidade de representante das candidaturas do Partido Popular CDS-PP à Assembleia Municipal e Câmara Municipal do município de Guimarães, apresentou à Assembleia de Apuramento Geral do município de Guimarães, um protesto com fundamentos idênticos ao apresentado à Assembleia de Apuramento Geral de Vizela, e com o seguinte aditamento e conclusão :
“E o mesmo sucede [i. e., o processo eleitoral está ferido de inexistência jurídica insuprível] no que concerne ao da Assembleia Municipal e Câmara Municipal do Município de Guimarães por ter decorrido, desintegrado por aquela lei nº 63/98, das cinco identificadas freguesias de São João das Caldas de Vizela, São Miguel das Caldas de Vizela, Santa Maria de Infias, São Salvador de Tagilde e São Paio de Vizela para os inexistentes órgãos da Assembleia Municipal e Câmara Municipal do inexistente município de Vizela.”
A Assembleia de Apuramento Geral deliberou não conhecer do protesto apresentado pelos fundamentos seguintes:
“Não compete à Assembleia de Apuramento Geral decidir se a criação do município de Vizela observou ou não os requisitos que a Lei Constitucional estabelece. As funções desta Assembleia estão previstas no artº da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, e relacionam-se apenas com as operações conexas com o apuramento dos votos. Aliás, se assim não se entendesse, teríamos que seriam quatro presidentes de assembleias de voto, dois juristas, dois docentes do 1º ciclo, quem teria, em
última instância, de decidir tão fundamental questão, sendo certo que seis daqueles membros apenas acidentalmente teriam formação jurídica. Não é certamente este tipo de protesto e/ou reclamação que o legislador estabeleceu que deve ser decidido pela Assembleia de Apuramento Geral.”
Desta deliberação recorreu o apresentante, invocando também a qualidade de representante de partido político, com fundamentos idênticos ao do recurso anterior e pedindo a final que o Tribunal :
“a) Revogue a decisão recorrida proferida pela Assembleia de Apuramento Geral do Município de Guimarães; b) Julgue inconstitucional a Lei nº 63/98 de 1 de Setembro, que criou o Município de Vizela; c) Declare juridicamente inexistente o Município de Vizela; d) Julgue ferida de nulidade insuprível a votação ocorrida em toda a área do Município de Guimarães para a respectiva Assembleia Municipal e Câmara Municipal; e) Declare nulas as votações apuradas pela Assembleia de Apuramento Geral do Município de Guimarães em todas as assembleias de voto para a Assembleia Municipal e Câmara Municipal do Município de Guimarães.”
O edital a que se refere o artigo 150º da LEOAL foi afixado a 20 de Dezembro, conforme informação oficial solicitada pelo Tribunal, e a petição com os elementos de prova anexos foi expedida por correio sob registo de 20 de Dezembro e deu entrada na secretaria do Tribunal em 26 de Dezembro (processo nº
835/01).
III
A ..., cidadão eleitor da Assembleia de Voto da freguesia de Lordelo, do município de Guimarães, apresentou à respectiva mesa protesto escrito de conteúdo idêntico ao que viria a ser apresentado na Assembleia de Apuramento Geral de Guimarães por P... e que atrás se resumiu.
Não tendo o protesto sido recebido pelo presidente da mesa, o apresentante recorreu graciosamente perante a Assembleia de Apuramento Geral ao abrigo do nº 2 do artigo 156º da LEOAL, a qual decidiu pela improcedência do recurso, com os fundamentos seguintes:
“ Recorre o eleitor em causa para esta Assembleia Geral de Apuramento pelo facto de, segundo alega, não ter sido recebido o seu protesto apresentado perante a Assembleia de Voto da Freguesia de Lordelo. Da acta remetida por aquela Assembleia de Voto nada consta sobre tal protesto pelo que a mesma, a ter sido apresentada, não foi de facto recebida. Contudo, estando o referido protesto relacionado com a questão da inconstitucionalidade da criação do município de Vizela, entendemos que, salvo melhor opinião, não poderia tal Assembleia de Voto deliberar sobre o protesto apresentado. Efectivamente, à Assembleia de Voto compete exclusivamente apreciar as questões relacionadas com a votação e o apuramento local, não sendo a esta que compete aferir da constitucionalidade do próprio processo eleitoral. Se assim não se entendesse, colocar-se-ia na disponibilidade de quem não tem necessariamente formação jurídica (o que poderá tê-la acidentalmente) questão de tão delicada decisão, o que certamente não estava na intenção do legislador quando estabeleceu que qualquer eleitor poderia apresentar perante a Assembleia de Voto reclamações e/ou protestos. Num caso e noutro, estes terão sempre de se relacionar com questões da própria votação e/ou apuramento. Pelo exposto, entende esta Assembleia Geral que a Assembleia Local de Voto agiu de acordo com a lei ao recusar o recebimento do protesto apresentado pelo cidadão eleitor nº 1536.”
Inconformado com esta decisão dela recorreu o eleitor para o Tribunal Constitucional com fundamentos substancialmente idênticos – e, na maior parte, literalmente idênticos – aos dos recursos anteriores e pedindo que o Tribunal:
“Revogue a decisão recorrida proferida pela Assembleia de Apuramento Geral do Município de Guimarães; b) Julgue inconstitucional a Lei nº 63/98 de 1 de Setembro, que criou o Município de Vizela; c) Julgue feridos de nulidade insuprível o processo eleitoral e votação, que decorreu na freguesia de Lordelo para a Assembleia Municipal e Câmara Municipal do Município de Guimarães, desintegrado das ditas freguesias de São Miguel das Caldas de Vizela, São João das Caldas de Vizela, Infias, Tagilde e São Paio de Vizela; e d) Declare nulas as votações apuradas na assembleia de voto daquela freguesia de Lordelo para a Assembleia Municipal e Câmara Municipal do Município de Guimarães.
O edital a que se refere o artigo 150º foi afixado a 20 de Dezembro, a petição com os elementos de prova anexo foi expedida pelo correio sob registo em 21 de Dezembro de 2001 e deu entrada na secretaria do Tribunal a 26 de Dezembro (processo nº 833/01).
Visto que a identidade de fundamento implicava eventualmente a invalidação dos resultados eleitorais quanto aos mesmos órgãos autárquicos, foi decidida neste Tribunal a apensação dos três processos.
IV
Os recursos apresentados são desde logo intempestivos.
Com efeito, os três recursos foram expedidos pelo correio no dia seguinte ao da afixação do edital com os resultados do apuramento geral mas só deram entrada na secretaria do Tribunal depois desse dia. Os recorrentes terão considerado aplicável, por força do artigo 231º da LEOAL, o nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil, segundo o qual vale como data de acto processual a da efectivação do respectivo registo postal. O Tribunal Constitucional tem, contudo, repetidamente afirmado, que os actos de interposição de recurso eleitoral são “actos urgentes cuja decisão não admite quaisquer delongas”
(Acórdão nº 585/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14, 549, 551), que a data do acto processual é a da sua entrada na secretaria do Tribunal Constitucional e que o prazo é contínuo e improrrogável. As disposições em contrário do Código de Processo Civil não são por isso compatíveis com a especificidade do processo eleitoral. Esta jurisprudência funda-se na necessidade de evitar a perturbação do processamento dos actos eleitorais e o protelamento do apuramento dos resultados da eleição e da instalação dos órgãos eleitos. Já no domínio da LEOAL, o Tribunal reafirmou esta jurisprudência no Acórdão nº 510/2001 (Diário da República, II série, 19 de Dezembro de 2001,
21056, 21058), quanto ao contencioso de apresentação de candidaturas, e igualmente, pela razão por último aduzida, para o contencioso de votação e apuramento, no Acórdão nº 597/01 (inédito). O argumento lógico é aqui reforçado pelo elemento histórico. Não é de admitir que o legislador tenha querido reduzir o prazo deste tipo de recurso na legislação eleitoral anterior, que era de quarenta e oito horas (nº 1 do artigo 104º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, nos termos da rectificação publicada no Diário da República, I série, nº 7, de 10 de Janeiro de 1977), para o actual prazo de um dia do nº 1 do artigo
158º da LEOAL, mantendo o prazo de dois dias para a decisão do Tribunal (artigo
159º, nº 4 da LEOAL) e, por outro lado, alargar por um número indeterminado de dias esta decisão em função do tempo do correio.
Dito isto, nada mais é preciso acrescentar. Sempre se dirá, contudo, que ainda que tivessem sido tempestivos, na presente situação não mereceriam provimento os recursos. Os recorrentes vieram questionar o apuramento como consequência da pretendida invalidade da constituição dos círculos eleitorais do município de Vizela e do município de Guimarães – e o mesmo haveria que dizer dos círculos eleitorais dos municípios de Felgueiras e Lousada, de que também foram destacadas freguesias para constituírem a área do novo município de Vizela. Ora no processo eleitoral das autarquias locais de 2001 deve entender-se que os círculos eleitorais se consideram definitivamente constituídos para o efeito da determinação do número de mandatos a eleger em cada órgão autárquico com a publicação, pelo Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral
(STAPE) do Mapa nº 36-A/2001 de 3 de Setembro (Diário da República, II série, suplemento ao nº 204). Trata-se de um acto da administração eleitoral praticado pelo STAPE e não pela Comissão Nacional de Eleições, pelo que haverá que aplicar com as necessárias adaptações o disposto no artigo 102-B da Lei do Tribunal Constitucional, conforme determina o nº 7 do mesmo artigo. Não tendo sido interposto recurso de tal acto para o Tribunal Constitucional, consolidaram-se os círculos eleitorais em conformidade com o referido mapa no processo eleitoral em curso, nomeadamente para o efeito da determinação dos mandatos a eleger em cada órgão autárquico, dos próprios órgãos autárquicos a eleger e dos cadernos de recenseamento a considerar em cada eleição. Aplica-se aqui de pleno o princípio da aquisição progressiva dos actos do processo eleitoral “por forma a que os diversos estádios, depois de consumados e não contestados no tempo útil para tal concedido, não possam ulteriormente, quando já se percorre uma etapa diversa do item eleitoral, vir a ser impugnados” (Acórdão nº 322/85, Acórdãos,
6, 1113, 1119). A constituição dos círculos eleitorais de Vizela e de Guimarães, com as freguesias que os integram, é, pois, acto adquirido deste processo eleitoral, pelo que não pode ser impugnada no contencioso do apuramento. O que significa que também está precludida a possibilidade de conhecimento do fundamento (inconstitucionalidade) com que se pretende impugnar essa constituição.
V
Pelas razões expostas, não se toma conhecimento dos recursos.
Lisboa,3 de Janeiro de 2002- José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa