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Processo nº 678/96 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (de 21 de Novembro de 1995), que anulou o seu despacho (de 1 de Março de 1995), que tinha indeferido o pedido de aposentação apresentado por A., ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro.
Nas alegações que então apresentou, a Caixa suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que a sentença dela havia feito.
O Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Administrativo), por acórdão de 11 de Julho de 1996, depois de concluir que aquele artigo 1º não é inconstitucional, negou provimento ao recurso.
2. É deste acórdão que vem o presente recurso, interposto pela CAIXA ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma do mencionado artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro.
Neste Tribunal, a CAIXA apresentou alegações, que concluiu do modo seguinte: Por todo o exposto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que dela fez o STA
[...], por violação dos princípios e normas constitucionais que são os seguintes: a). o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa; b). a excepção ao princípio da equiparação dos estrangeiros e apátridas aos cidadãos portugueses, consagrada no nº 2 do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa; c). o princípio constitucional segundo o qual o direito internacional convencional regularmente aprovado ou ratificado vigora na ordem interna enquanto vincular o Estado Português, consagrado na parte final do nº 2 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.
O recorrido concluiu as alegações que apresentou, dizendo que 'deve ser negado provimento ao presente recurso, não se declarando a inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido [...]'.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se a norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, tal como a interpretou o acórdão recorrido, é inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. Nota introdutória:
4.1. Preliminarmente, sempre se dirá, embora isto seja evidente, que, se, acaso, este Tribunal vier a concluir pela inconstitucionalidade da norma aqui sub iudicio, julgá-la-á inconstitucional, mas com efeitos restritos a este processo; a sua decisão só nele faz caso julgado (cf. artigo 80º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Nos recursos de constitucionalidade, com efeito, nunca se profere uma declaração de inconstitucionalidade. A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, só pode fazer-se nos processos de fiscalização abstracta sucessiva, como bem resulta do que prescrevem o artigo 281º da Constituição e o artigo 66º da Lei do Tribunal Constitucional.
4.2. Acrescenta-se que este Tribunal só julgará inconstitucional a norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro (na interpretação que dela fez o aresto sub iudicio), se a mesma for incompatível com alguma norma ou princípio da Lei Fundamental (ou seja, se se apresentar como não direito, ratione constitutionis), e não também se for mau direito ou se aquela interpretação não for a melhor.
O que o Tribunal vai fazer é, pois, confrontar a interpretação adoptada pela decisão recorrida com a Constituição, para decidir se sim ou não é conforme com ela.
Só se concluísse pela inconstitucionalidade da interpretação feita pelo acórdão recorrido e verificasse que a norma sub iudicio comportava um outro sentido compatível com os ditames constitucionais, era lícito ao Tribunal fixar este último sentido à norma, e mandá-la aplicar no processo com tal interpretação (cf. artigo 80º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
Isto dito, é óbvio que, embora a recorrente pugne por uma diferente interpretação do mencionado artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78 - uma interpretação que exija a nacionalidade portuguesa aos ex-funcionários e agentes da Administração Pública das ex-colónias que requeiram a aposentação ao abrigo deste preceito -, insistindo na irrazoabilidade da que foi adoptada pelo acórdão recorrido, o Tribunal não se pronunciará sobre se a interpretação feita no caso é ou não a mais razoável.
A irrazoabilidade de uma solução legislativa só pode assumir relevo constitucional, quando a decisão do legislador for puramente arbitrária (isto é, carecida de fundamento material ou racional) e introduzir um tratamento injustificadamente diferenciado de realidades essencialmente iguais - tratamento que, então, será discriminatório.
5. A competência do Tribunal: uma precisão:
Embora, nos termos do Acordo celebrado com Portugal
(aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76, de 5 de Julho), a República de Cabo Verde tenha assumido a responsabilidade de pagar as pensões de aposentação aos funcionários da antiga Administração Pública portuguesa nessa ex-colónia que sejam seus cidadãos [cf. artigo 1º, alínea b) do Acordo] e o requerente da aposentação seja cabo-verdiano, o Tribunal também não irá decidir se ao caso dos autos se aplica o mencionado Decreto-Lei nº 362/78 ou, antes, este Decreto-Lei nº 524-M/76.
Esta questão - recte, a questão de saber se o Acordo aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76 está em vigor (como pretende a recorrente) ou se o mesmo foi revogado pelo mencionado Decreto-Lei nº 362/78, 'por incompatibilidade' com ele, ou, pelo menos, se, com a publicação deste último diploma legal, aquele cessou a 'sua vigência, por desvinculação externa da República de Cabo Verde, ao assumir o Estado Português todas as obrigações'
(como se decidiu no acórdão recorrido) - não pode este Tribunal decidi-la, uma vez que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (alterada pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, e pelas Leis Orgânicas nºs 85/89, de 7 de Setembro, e 88/95, de 1 de Setembro).
Na verdade, na tese da recorrente, 'o artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, viola o disposto no artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, por se considerar [no acórdão recorrido, obviamente] que tal norma revogou tacitamente o Decreto-Lei nº
524-M/76, diploma que transpôs para a ordem interna o Acordo celebrado entre Portugal e a República de Cabo Verde'.
Significa isto que a recorrente entende que o direito internacional convencional regularmente ratificado ou aprovado - para além de vigorar na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português - tem primazia sobre o direito ordinário interno. Significa ainda que, para ela, o Acordo celebrado entre Portugal e a República de Cabo Verde, aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76, é direito internacional convencional vinculante na ordem jurídica interna portuguesa. E significa, finalmente, que, do seu ponto de vista, a violação de um acordo celebrado entre Portugal e um outro estado por um diploma legislativo (no caso, a violação do Acordo aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76, celebrado com a República de Cabo Verde, pelo Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro), é uma questão de constitucionalidade (violação do princípio consagrado na parte final do nº 2 do artigo 8º da Constituição) que cumpre a este Tribunal decidir, neste recurso.
Ora, como se decidiu no acórdão nº 405/93 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Janeiro de 1994) - seguindo, de resto, na esteira da jurisprudência anterior desta Secção -, as questões de constitucionalidade que ao Tribunal 'cumpre conhecer ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, são apenas aquelas em que a norma arguida de inconstitucional viola, directa ou imediatamente, uma norma ou princípio constitucional, e não também os casos de inconstitucionalidade indirecta (ou seja, aqueles casos em que a violação da Lei Fundamental ocorre porque, em primeira linha, existe uma violação de um preceito de lei infraconstitucional)'.
Esta última será a situação dos autos - suposto, obviamente, que o direito internacional convencional tem primazia sobre o direito interno; que o referido acordo é direito internacional convencional, vinculante na ordem jurídica interna; e que ele é violado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78.
O Tribunal não precisa, no entanto, de decidir as questões por último enunciadas, porque - citando mais uma vez o acórdão nº
405/93 - 'os casos de contrariedade de norma constante de acto legislativo com uma convenção internacional só podem ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional - recurso que é 'restrito às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida' (cf. nº 2 do artigo 71º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) - na hipótese prevista na alínea i) do artigo 70º da mesma lei. Ou seja, só pode recorrer-se para este Tribunal das decisões 'que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional'.
Por conseguinte, para o Tribunal se poder pronunciar sobre a matéria envolvida nas questões que se enunciaram, tinha que verificar-se um primeiro pressuposto, a saber: ter sido o recurso interposto ao abrigo da mencionada alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Tal não aconteceu, porém.
Assim, havendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º - e não ao da sua alínea i) - e não colocando o artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, quando em confronto com o Decreto-Lei nº
524-M/76 e com o artigo 8º, nº 2, da Constituição, uma questão de constitucionalidade da competência deste Tribunal, não pode conhecer-se deste fundamento de 'inconstitucionalidade' invocado pela recorrente (cf., neste sentido, entre outros e para além do acórdão nº 405/93, os acórdãos nºs 277/92,
351/92, 603/92 e 162/93, o primeiro, publicado no Diário da República, II série, de 23 de Novembro de 1992, e os últimos, por publicar).
6. O direito à pensão de reforma em discussão nos autos:
6.1. No preâmbulo do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, o legislador lembrou 'a impossibilidade de ingresso no quadro geral de adidos, por não reunirem para tal as condições legalmente exigidas, de agentes da antiga administração ultramarina, que, no entanto, reúnem as condições de facto para a aposentação'. E recordou, bem assim, que 'igualmente, os agentes assalariados ou em regime similar, com mais de 70 anos, regressados dos antigos territórios ultramarinos, não podem ingressar no quadro geral de adidos'.
O artigo 1º desse diploma legal dispõe o seguinte: Artigo 1º.
1. Os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem quinze anos de serviço e hajam efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados.
2. É extensivo aos funcionários e agentes referidos no número anterior o disposto nos artigos 32º, 37º, nºs 1, 2, alíneas b) e c), 3 e 4, e 38º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro.
O artigo 2º estabelece que os descontos a título de compensação para aposentação, efectuados nos termos do artigo 437º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino (aprovado pelo Decreto nº 46 982, de 27 de Abril de
1966) se consideram como tendo constituído contribuição para a Caixa Geral de Aposentações, nos termos do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 498/72, 9 de Dezembro, independentemente do destino actual daqueles descontos.
No artigo 3º, comete-se à Caixa Geral de Aposentações a fixação e o pagamento das pensões devidas nos termos do presente diploma.
O artigo 4º , nº 1, estatui que os agentes das ex-províncias ultramarinas que tenham continuado a prestar serviço para além do limite de idade, com carácter de assalariamento eventual ou em regime similar, a tempo completo, e aos quais não tenha sido atribuída pensão de aposentação provisória ou definitiva, mantêm o direito de requerer aposentação, desde que tenham satisfeito ou venham a satisfazer os descontos para esse efeito. No nº 2 do mesmo artigo, prescreve-se que, para efeitos do nº 1, se considera como acto determinante da aposentação o primeiro dia em que o interessado deixou de receber salários ou outras remunerações, incluindo-se na respectiva contagem todo o tempo de serviço prestado até ao último dia em que auferiu remunerações, nos termos do regime geral estabelecido. No nº 3, acrescenta-se que as pensões a que têm direito os agentes referidos nos números antecedentes começam a vencer-se na data da entrada em vigor do presente diploma.
No artigo 5º, determina-se que o disposto no artigo 4º não é aplicável aos agentes que tenham sido desligados ou aposentados com a atribuição da respectiva pensão, quer pelas ex-províncias ultramarinas, quer pelos serviços competentes, não podendo de modo algum a pensão ser acumulável com qualquer outra que se revista da mesma natureza.
O artigo 6º diz que as pensões de aposentação a que se refere o respectivo diploma devem ser requeridas dentro dos cento e vinte dias seguintes à sua entrada em vigor.
De harmonia com o que reza o artigo 7º, as dúvidas suscitadas pela interpretação do disposto neste diploma serão resolvidas por despacho do Ministro das Finanças e do Plano e do Secretário de Estado da Administração Pública.
6.2. Posteriormente, foi publicado o Decreto-Lei nº
23/80, de 29 de Fevereiro, que deu nova redacção ao nº 1 do artigo 1º do mencionado Decreto-Lei nº 362/78, o qual passou a dispor como segue: Artigo 1º.
1. Os funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem cinco anos de serviço e hajam efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados.
A alteração do tempo de serviço necessário para requerer a pensão de aposentação, de quinze para cinco anos, como decorre do que consta do preâmbulo deste diploma legal, ficou a dever-se ao facto de ter sido, entretanto, publicado o Decreto-Lei nº 191-A/79, de 25 de Junho, que tinha introduzido idêntica modificação no nº 2 do artigo 37º do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro).
No artigo 2º deste mesmo Decreto-Lei nº 23/80, consignou-se que as pensões de aposentação a que se refere o citado Decreto-Lei nº 362/78 podem ser requeridas dentro dos cento e oitenta dias seguintes à entrada em vigor deste diploma legal.
O legislador fixou este novo prazo para requerer as pensões de aposentação, segundo esclareceu no preâmbulo, porque, 'não obstante a divulgação dada ao Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, verifica(va)-se que muitos funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas interessados em requerer a atribuição de pensão de aposentação ao abrigo daquele diploma legal deixaram passar o prazo estipulado no seu artigo 6º para o efeito'.
No artigo 3º determinou-se que, quando requeridas ao abrigo deste decreto-lei, as pensões vencem-se a partir do dia 1 do mês seguinte ao da recepção do requerimento no serviço competente (nº 1); tratando-se, porém, de requerimentos que tenham dado entrada nesse serviço até ao dia 1 do mês seguinte ao da publicação deste diploma (ou seja, até ao dia 1 de Março de
1980), tais pensões vencem-se a partir desta data (nº 2).
6.3. Mais tarde, foi publicado o Decreto-Lei nº 118/81, de 18 de Maio, que - para além de dispor, no artigo 2º, que as pensões requeridas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 362/78 passavam a poder ser requeridas até 30 de Setembro de 1981 - mandou aplicar aos funcionários e agentes referidos no nº 1 do artigo 1º deste último diploma legal vários artigos dos já citados Decretos-Lei nºs 498/72 e 191-A/79, e bem assim o preceituado nalguns artigos do Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho (cf. artigos 1º, nº
2, 4º, nº1, 5º e 6º).
6. 4. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 363/86, de 30 de Outubro, veio preceituar que a pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei nº
362/78, de 28 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Lei nºs 23/80 e 118/81, respectivamente, de 29 de Fevereiro e de 18 de Maio, pode ser requerida a todo o tempo.
7. O objecto do recurso:
A norma que constitui objecto do recurso (ou seja, aquela que o acórdão recorrido aplicou e cuja constitucionalidade a recorrente questiona) é, pois, a do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro
(alterado pelo Decreto-Lei nº 23/80, de 29 de Fevereiro), quando interpretada no sentido de que nela se não exige que os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas possuam a nacionalidade portuguesa para lhes poder ser atribuída a pensão de aposentação requerida ao abrigo daquele decreto-lei.
A recorrente questiona a constitucionalidade desta norma, sustentando que ela viola o princípio da igualdade (consagrado no artigo
13º), 'a excepção ao princípio da equiparação dos estrangeiros e dos apátridas aos cidadãos portugueses' (consagrada no nº 2 do artigo 15º) e o 'princípio constitucional segundo o qual o direito internacional convencional regularmente aprovado ou ratificado vigora na ordem interna enquanto vincular o Estado Português' (consagrado na parte final do nº 2 do artigo 8º), disposições todas da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal só confrontará aquela norma com o artigo 13º
(conjugado com o artigo 15º, nº 2), e não também com a parte final do nº 2 do artigo 8º, da Constituição, como decorre do que se disse atrás (cf. supra, 5.).
8. A norma sub iudicio em confronto com o artigo 13º
(conjugado com o artigo 15º, nº 2) da Constituição:
Nas conclusões da alegação, reportando-se à norma com a interpretação que atrás se apontou - interpretação que tem por incorrecta, pois, em seu entender, 'a nacionalidade portuguesa, não sendo um dos requisitos expressamente exigidos pelo diploma em análise, [...] constitui uma realidade
[...] da qual depende a realização do direito' - a recorrente diz que a mesma viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, e, bem assim, 'a excepção ao princípio da equiparação dos estrangeiros e apátridas aos cidadãos portugueses, consagrada no nº 2 do artigo 15º da Constituição'. No entanto, no discurso argumentativo que desenvolveu para extrair essas conclusões, no que insiste é na existência de 'uma injustificada discriminação'. E, por isso, conclui essa parte das suas alegações, afirmando que existe violação 'do artigo 15º, nº 2, em conjugação com o artigo 13º da CRP'.
A afirmação da existência de uma violação autónoma do nº
2 do artigo 15º da Constituição (este normativo proíbe aos estrangeiros e apátridas, inter alia, 'o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico') não faria, de resto, grande sentido.
De facto, a norma sob julgamento não versa sobre o exercício de funções públicas. Trata, sim, da concessão do direito à pensão de aposentação a quem exerceu tais funções na Administração das ex-províncias ultramarinas portuguesas e que, agora, é estrangeiro.
Para sustentar a existência da mencionada inconstitucionalidade, a recorrente - depois de (decerto para mostrar a irrazoabilidade da solução legal) ter sublinhado que 'não faria sentido que a perda da nacionalidade portuguesa, por quem fosse já pensionista, implicasse a extinção da qualidade de pensionista, e a falta da nacionalidade portuguesa, por quem não tivesse adquirido ainda a qualidade de pensionista, não constituísse obstáculo à aquisição dessa qualidade' - diz que a norma sub iudicio viola o artigo 13º da Constituição, por exigir a nacionalidade portuguesa 'aos funcionários e agentes da Metrópole, não a exigindo aos dos ex-territórios ultramarinos', para atribuição do direito à pensão de aposentação. E acrescenta que se cria 'uma injustificada discriminação' entre os 'cidadãos acionais que se tenham aposentado nos termos do Decreto-Lei nº 362/78' e os ex-funcionários ultramarinos que não sejam cidadãos portugueses, uma vez que - pondera - os primeiros, se deixarem de ter a nacionalidade portuguesa, perdem o direito à aposentação [artigo 82º, alínea d), do Estatuto da Aposentação], ao passo que os
últimos podem adquirir aquele direito mesmo não possuindo essa nacionalidade.
A situação não é, porém, exactamente como a apresenta a recorrente.
De facto, desde logo, não é exacto que se exija a nacionalidade portuguesa 'aos funcionários e agentes da Metrópole' para o efeito de lhes ser concedido o direito à pensão de aposentação. Tal direito adquire-se pela passagem à situação de aposentado (cf. artigo 46º do respectivo Estatuto), e o direito à aposentação o que pressupõe é a qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações e a prestação de um certo número de anos de serviço, com pagamento das respectivas quotas (cf. artigos 35º, 36º a 39º, 5º e 6º do mesmo Estatuto). Ora, para ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações (subscritor obrigatório), o que tem é que ser-se funcionário ou agente que, vinculado a qualquer título, exerça funções, com subordinação à direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Local e Regional (incluindo federações ou associações de municípios e serviços municipalizados, institutos públicos e outras pessoas colectivas de direito público) e receba ordenado, salário ou outra remuneração susceptível, pela sua natureza, de pagamento de quota (cf. artigo 1º, nº 1, do Estatuto).
Num ponto tem razão a recorrente: para o ingresso nos quadros da Administração Pública (ou seja, nos serviços e organismos centrais, nos da administração local e nos dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos), tem que se 'ter a nacionalidade portuguesa, salvo nos casos exceptuados por lei especial ou convenção internacional' [cf. artigos 1º, 2º, nºs 1 e 2, e 22º, alínea a), do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 215/95, de 22 de Agosto].
Trata-se, aliás, de uma exigência constitucional, como já atrás se anotou (cf. o nº 2 do artigo 15º da Constituição).
Acontece, porém, que, quando os ex-funcionários e agentes das ex-colónias portuguesas exerceram funções na respectiva Administração Pública, detinham a nacionalidade portuguesa - o que significa que, se prestassem serviço no Metrópole, seriam subscritores obrigatórios da Caixa Geral de Aposentações.
Depois, no que respeita à conservação da nacionalidade portuguesa, a situação dos 'cidadãos nacionais que se tenham aposentado nos termos do Decreto-Lei nº 362/78' ( se os houve, eles serão, decerto, em número muito reduzido, uma vez que o regime aí instituído - como se diz no preâmbulo - destinou-se 'aos agentes assalariados ou em regime similar, com mais de 70 anos, regressados dos antigos territórios ultramarinos', que não puderam 'ingressar no quadro geral de adidos', 'por não reunirem para tal as condições legalmente exigidas, de agentes da antiga administração ultramarina', mas que 'reúnem as condições para a aposentação') é muito diversa da daqueles que foram funcionários ou agentes da Administração Pública nas ex-colónias portuguesas e hoje são cidadãos dos países em que elas se tornaram após a respectiva independência.
É que, estes últimos, depois da independência dos respectivos territórios, só puderam conservar a nacionalidade portuguesa, se
'estivessem domiciliados em Portugal continental ou nas ilhas adjacentes há mais de cinco anos em 25 de Abril de 1974'; fossem as mulheres ou filhos menores dos indivíduos nessas condições [cf. artigo 2º, nºs 1 e 2, conjugado com o artigo
1º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 308-A/75, de 24 de Junho]; ou, tratando-se de 'casos especiais devidamente justificados, não abrangidos neste diploma', o Conselho de Ministros determinasse 'a conservação da nacionalidade portuguesa' ou a concedesse 'com dispensa, neste caso, de todos ou alguns dos requisitos exigidos pela base XII da Lei nº 2 098, de 29 de Julho de 1929, a indivíduo ou indivíduos nascidos em território ultramarino que tenha estado sob administração portuguesa e respectivos cônjuges, viúvos ou descendentes' (cf. artigo 5º do mesmo Decreto-Lei nº 308-A/75). Pelo contrário, os cidadãos nacionais que se tenham aposentado naquelas condições só perderam (ou perderão) a nacionalidade portuguesa, por vontade própria.
Sendo diferente a situação de uns e outros, a solução legal não é arbitrária, antes tem fundamento material.
Em direitas contas, o que o legislador fez foi abrir aos servidores da Administração Pública dos ex-territórios portugueses do Ultramar que reuniam as condições para a aposentação, mas que, por força das circunstâncias em que ocorreu o processo de descolonização, se viram privados do direito à respectiva pensão e forçados a sair das suas terras e vir para Portugal, a possibilidade de a receber. E com isso, o que procurou foi colocá-los em situação idêntica à daqueles que, tendo exercido funções semelhantes às suas, a mudança histórica não privou desse direito.
É uma medida fundada em razões de justiça. Não uma decisão arbitrária, nem discriminatória.
Por isso mesmo, não pode ela violar a igualdade.
A norma sub iudicio não é, pois, inconstitucional.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 30 de Abril de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa