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Procº nº 47/99
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA. I
1. Em 13 de Fevereiro de 1988 requereu J... ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a suspensão de eficácia do acto praticado pelo Presidente da Junta Médica da A.D.S.E. e por intermédio do qual não foi justificada a falta de comparência do requerente da providência a tal Junta.
Por sentença de 1 de Abril de 1998, foi o pedido indeferido, por isso que foi entendido que, de um lado, quanto à parte do acto que constituía um acto meramente opinativo ou informativo, o recurso que viesse a ser interposto era 'manifestamente ilegal, por irrecorribilidade', motivo pelo qual se não verificaria o requisito exigido pela alínea c) do nº 1 do artº 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto--Lei nº 267/85, de
16 de Julho; de outro, quanto à parte decisória constante do mesmo acto, inexistiria 'nexo de causalidade entre ela e os prejuízos de difícil reparação invocados', razão pela qual se não achava preenchido o requisito previsto na alínea a) dos mesmos número e artigo.
Do assim decidido recorreu o requerente da providência para o Tribunal Central Administrativo tendo, na alegação que apresentou, sustentado, inter alia:-
'................................................................................................................................................................ XVII Assim, por não se poder cindir o acto de não justificação da falta com os fundamentos que lhe subjazem, o acto é desde logo contenciosamente impugnável, bem como, desde logo, é susceptível de requerimento judicial de suspensão de eficácia, pois inexiste nos autos qualquer deliberação da Junta Médica ADSE. XVII PORQUANTO, o dito acto com os seus fundamentos Põe em causa o conteúdo essencial de direitos fundamentais do Recorrente, designadamente, viola conteúdos essenciais dos direitos ao trabalho e segurança no emprego, nomeadamente, os seus corolários, direito ao exercício do emprego e direito de não se ver privado dele. XIX Acresce que, o mesmo acto de não justificação da falta com os fundamentos que lhe subjazem, viola ainda o conteúdo essencial de outros corolários do direito ao trabalho, e unânimemente consagrados como direitos fundamentais, como o direito à retribuição do trabalho e o direito à protecção no trabalho enquanto diminuído. XX Também, o dito acto com o fundamento que lhe subjaz, viola o conteúdo fundamental do direito de protecção do Recorrente enquanto deficiente, com as discriminações positivas que lhe são imanentes.
.............................................................................................................................................................................................. CONCLUSÕES:
.............................................................................................................................................................................................. p) Mesmo que se admita, ter existido deliberação da Junta Médica da ADSE, por os fundamentos do acto de não justificação integrarem o resultado da referida deliberação, o acto é nulo por violar o conteúdo essencial de direitos fundamentais. NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
. Artº 76º, nº 1, alíneas a) e c) da LPTA.
............................................................................................................................................................................................'
Por acórdão de 23 de Julho de 1998, negou o Tribunal Central Administrativo provimento ao recurso jurisdicional, o que fez com base nas seguintes considerações, que ao caso relevam:-
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Por através do conteúdo do ofício ora em questão, a entidade ora recorrida nada ter decidido sobre o pedido ou pretensão do ora recorrente, nem ter pretendido modificar a situação jurídica existente, limitando-se apenas a informar uma determinada situação, tal comunicação nos termos estabelecidos no artº 20º do CPA, não se pode configurar como um acto administrativo lesivo dos interesses do ora recorrente.
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Apresentando-se o ‘acto’ cuja suspensão ora vem requerida, como contenciosamente irrecorrível, há fortes indícios de ilegalidade na interposição do recurso, pelo que se não mostra assim preenchido o requisito da alínea c) do artº 76º da LPTA, e se impõe o indeferimento do pedido de suspensão.
Mesmo que assim se não entendesse, e a entender-se que o ofício do Presidente da Junta Médica contém uma decisão de não justificação da falta à junta médica, sempre seria de referir que, como se entendeu na sentença recorrida, os prejuízos invocados pelo recorrente, nomeadamente a reposição das remunerações auferidas, a sujeição ao poder disciplinar, contagem de tempo na antiguidade com efeitos directos na aposentação, nos termos do artº 71º do DL
497/88 como refere o recorrente nas suas conclusões, não decorreriam directamente da sua imediata execução, mas eventualmente do acto administrativo que, com fundamento na falta dada pelo recorrente, eventualmente viesse a definir a sua situação.
É que, não será por força de uma única falta à junta médica, que o recorrente passa automaticamente à situação de licença sem vencimento de longa duração, como refere nas suas conclusões. O que tal falta poderá eventualmente implicar, é que com base nessa falta, aliada a todas as anteriores faltas ao serviço pelo recorrente, a sua situação tenha de ser definida através de posterior decisão administrativa.
Pelo que de igual modo se não mostraria preenchido o requisito da al. a) do nº 1 do citado artº 76º da LPTA.
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Tendo o ora reclamante sido notificado do acórdão, de que parte imediatamente acima se encontra transcrita, por meio de carta registada dirigida ao seu mandatário em 24 de Julho de 1998, veio este juntar aos autos, em 9 de Outubro seguinte, requerimento por meio do qual manifestava a sua vontade de, daquele aresto e ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao mesmo tempo que invocou a ocorrência de justo impedimento na apresentação de tal requerimento que, não fosse tal ocorrência, deveria ter tido lugar em 17 de Setembro de 1988.
Disse-se, por entre o mais, nesse requerimento:-
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6. Tendo em conta o supra exposto resulta: a. O dito acto de não justificação da falta, sendo possível a deslocação de elemento da Junta Médica ADSE para observar o recorrente para efeitos do art.º
11, n.º 2, alínea e) e do art.º 50º do D/L n.º 497/88, e não desconhecendo o Senhor Presidente da Junta Médica ADSE o quadro clínico do recorrente (doença do foro psiquiátrico recuperável por tratamento mais prolongado), submetendo doravante o recorrente a processo do foro disciplinar, a desconto na remuneração e férias pelo tempo de injustificação das faltas e a desconto na antiguidade, viola o direito à segurança no emprego, ao trabalho e seus corolários, como os direito de não ser privado dele, o direito à retribuição no trabalho e o direito
à protecção enquanto diminuído porquanto dado o número de faltas injustificadas do recorrente, desde 23/9/97 até 2/12/98, implicam por força da lei a pena disciplinar de demissão (art.º 26º, nº 2, alínea b) do Estatuto Disciplinar - D/L n.º 24/88, de 16/01). b. Por outro lado, o dito acto viola, ainda, o disposto na Constituição, quanto ao direito à retribuição pelo período de ausência por doença (conjugação do art.º 59, n.º 1, alínea a) como o n.º 2, alínea c) do mesmo artigo), o direito a férias (art.º 59º, n.º 1, alínea d)), bem como o desconto na antiguidade permite que o número de faltas injustificadas não contem para o cálculo de aposentação do recorrente, pelo que, viola o consagrado no n.º 4 do art.º 64 da CRP por aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 27º do D/L n.º
497/88 (as faltas por doença só descontam na antiguidade para efeitos de carreira). c. Acresce que, o direito de protecção a deficientes com o dito acto foi violado, pois da sua aplicação, necessariamente, resultariam discriminações positivas aplicáveis aos recorrente que obstculizariam a injustificação da falta dada e suas consequências (sempre o Presidente da Junta Médica ADSE poderia fazer deslocar elemento da Junta para observar o recorrente, conforme elementos juntos aos autos, e não obstante, ao aplicar-lhe consagrado no art.º 43º do D/L n.º 497/88, impedir que os efeitos nefastos supra, por que gravosos, estabilizassem na sua situação jurídica emprego público do recorrente, atento o seu quadro clínico que imporia uma discriminação positiva). d. Os fundamentos que subjazem a este acto e a contrario, com arguição de impossibilidade de ao recorrente se aplicar o regime do art.º 48º do D/L n.º
497/88, de 30/12, pois o n.º 2 remete para o Despacho Conjunto A-179/89-XI, obstaculizador da aplicação do dito regime in casu porquanto em concreto o dito despacho delimita as situações de doença a que se aplica excluindo outras quaisquer, impondo consequentemente, a aplicabilidade à situação do recorrente do regime consagrado no art.º 43 do mesmo diploma, não obstante a prognose dos peritos psiquiátricos da sua recuperação mediante a atribuição de um prazo mais prolongado de tratamento, desde logo, determinam a inconstitucionalidade dos ditos fundamentos, por os mesmos porem em causa e violaram os direitos constitucionais à segurança no emprego e ao trabalho, designadamente os seus corolários, direito ao exercício do emprego e o direito a não ser privado dele, o direito à retribuição no trabalho e o direito à protecção no trabalho enquanto diminuído, atento o disposto, nomeadamente, nos art.ºs 53º, 58º 59º, n.º 1, alínea c), e o direito constitucional de protecção dos cidadãos portadores de deficiência inserto no art.º 71º, todos da Constituição da República Portuguesa.
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Pelo que tange ao justo impedimento, alegou em síntese o mandatário do ora reclamante, após dizer que o prazo para a interposição do recurso para este Tribunal terminava em 24 de Setembro de 1998, que, em 17 dos aludidos mês e ano, adoeceu súbita e gravemente, o que o impossibilitou, dado que lhe foi prescrito repouso absoluto, quer de contactar com o seu constituinte, quer com colegas, com vista ao substabelecimento dos poderes que por aquele lhe foram conferidos.
2. Em 3 de Dezembro de 1998, o Juiz Relator do Tribunal Central Administrativo proferiu despacho de não admissão do recurso com o seguinte teor:-
'Fls 127 e ss.: O processo é urgente - artº 6º LPTA, pelo que notificada a decisão de fls. 70 e ss. em 24.7.98, o recurso pretendido interpor o deveria ser até 6.8.98.
Daí que em 17.9.98 já havia caducado o prazo para exercer o direito que o requerente pretende exercer agora.
Daí que não se admita o recurso interposto a fls 127 e ss.
Sem custas, uma vez que a interpretação feita pelo requerente é plausível.'
É deste despacho que vem deduzida apresente reclamação, na qual, em súmula, o agora reclamante defende que a Lei nº 28/82 não contempla 'os processos urgentes nem a urgência do conhecimento de inconstitucionalidade quantos a estes processos, nomeadamente, por os prazos decorrerem durante as férias judiciais', sendo que, com a prolação da decisão desejada recorrer,
'findou a natureza urgente do presente procedimento', pelo que, tendo em atenção os artigos 69º daquela Lei e 144º do Código de Processo Civil, e a interposição das férias judiciais, seria de considerar atempada a impugnação pretendida.
Continuados os autos com vista ao Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se o mesmo no sentido do indeferimento da vertente reclamação.
Cumpre decidir. II
1. Para que a reclamação em apreço pudesse ser deferida, mister seria, como é óbvio, que o recurso intentado interpor devesse ser admitido. E, por isso, haverá que saber se, in casu, se congrega a totalidade dos requisitos ou pressupostos dessa desejada impugnação.
Ora, um tal recurso, estribado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, pressupõe, de entre o mais, que, por banda da decisão de que se pretende recorrer, tenha havido aplicação de norma cuja desconformidade com a Lei Fundamental tenha, «durante o processo», sido suscitada por quem quer lançar mão desse recurso.
Tem, a este respeito, sido seguida por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa uma jurisprudência impressiva e sem divergências (por tal motivo se dispensando a efectivação de qualquer citação, ainda que a título exemplificativo, de arestos nesse sentido), de harmonia com a qual o recurso consagrado na mencionada alínea b) tem por objecto normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional e não outros actos do poder público como, verbi gratia, os actos administrativos ou as decisões judiciais.
Pois bem.
Como flui do relato acima efectuado, torna-se inequívoco que, anteriormente a ser lavrado o acórdão do Tribunal Central Administrativo, o ora reclamante não questionou qualquer norma jurídica do ponto de vista da sua incompatibilidade com a Constituição.
Um vício desse jaez, reportou-o ele ao acto cuja suspensão de eficácia peticionou. E, identicamente, na peça corporizadora do recurso não admitido, o que foi arguido de violador do Diploma Básico foi esse mesmo acto, sendo certo que nunca sobre as normas que, em direitas contas, serviram de suporte jurídico ao decidido no acórdão de 23 de Julho de 1998 - ou sejam, as constantes das alíneas c) e a) (esta última quanto a uma hipotética e argumentativa postura quanto à caracterização do acto então em causa) do nº 1 do artº 76º da L.P.T.A. - o então recorrente, antecedentemente à prolação desse acórdão, formulou um juízo de suspeição quanto à respectiva constitucionalidade.
2. Neste contexto, concluir-se-á que, no caso sub specie, não se assiste à ocorrência dos requisitos do recurso a que alude a dita alínea b) do nº 1 do artº 70º.
Alcançada uma tal conclusão, que conduz inevitavelmente ao juízo segundo o qual a desejada impugnação nunca poderia ter sido admitida, inútil se torna dilucidar se, de um lado, o prazo de recurso a que respeita o nº 1 do artº
75º da Lei nº 28/82, quando o recurso seja interposto de uma decisão proferida em autos que a lei processual que o rege qualifica de urgente, se suspende em férias judiciais e, de outro, se, concluindo-se pela afirmativa, e uma vez que o Juiz Relator do Tribunal Central Administrativo nenhuma pronúncia expressa formulou sobre o invocado justo impedimento, competiria ao presente órgão de administração de justiça, e neste processo, apreciar essa invocação. III
Em face do que se deixa dito, e embora por diferentes fundamentos dos carreados ao despacho reclamado, indefere-se a vertente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 10 de Fevereiro de 1999- Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa