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Proc. nº 272/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente J... e recorrida M..., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'da decisão do Exmº Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 4 de Dezembro de 1998 e complementada com a decisão de 5 de Fevereiro de 1999', que aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo', ou seja – diz o recorrente – 'no pedido de aclaração de nulidade da decisão proferida em 4 de Dezembro de 1998'.
2. Na sequência, foi o recorrente notificado, por despacho do Relator de fls
697, proferido ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, nº 6 da LTC, para que desse cabal cumprimento ao disposto naquele art. 75º-A, 'indicando a norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal, advertindo-o de que, no caso de se tratar de uma interpretação de certo preceito legal, deve indicar esse preceito e enunciar a interpretação que entende ser inconstitucional, de forma clara e perceptível, em termos de este Tribunal a poder enunciar na decisão que proferir, caso a venha a julgar inconstitucional'.
3. Em resposta à solicitação do Relator o recorrente veio dizer que 'fez o Mº Juiz a quo, como se salienta a fls. 590, interpretação inconstitucional do artigo 157º do Código de Processo Civil, dado o disposto nos artigos 164º, 138º,
266º, 1 e 4, 266º-A, 266º-B e 541º do Código de Processo Civil, por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, 4 e 5 e 36º da Constituição da República Portuguesa'.
4. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso (fls. 705 a 710). É o seguinte, no essencial, o seu teor:
'2. Como vai ver-se, que não pode conhecer-se do recurso. Antes, porém, há que sublinhar que – contrariamente ao que o recorrente diz – a decisão recorrida (de 4 de Dezembro de 1998) não é complementada (no sentido de fazer parte integrante dela) pela decisão de 5 de Fevereiro de 1999.
É que apenas a decisão que defere a reclamação por nulidade (apresentada contra determinada sentença ou despacho) se considera seu «complemente e parte integrante». Não a decisão que indefere tal reclamação (cf. artigo 670º, nº 3, do Código de Processo Civil). Ora, no caso, a decisão de 5 de Fevereiro de 1999 concluiu que o despacho reclamado de nulo não padecia da nulidade que se lhe imputou (omissão de pronúncia); e, por isso, desatendeu a reclamação por nulidade.
3. Feita esta advertência, anota-se que é, no entanto, indiferente que, recorrido, seja apenas o despacho de 4 de Dezembro de 1998, complementado pelo de 5 de Fevereiro de 1999, ou que ambas as decisões sejam recorridas.
É que, seja num caso, seja noutro, não se verificam os pressupostos do recurso interposto, que são, entre outros, ter o recorrente suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada sub specie constitutionis, e ter essa norma sido aplicada pela decisão recorrida como sua ratio decidendi.
(...). Como se vê, o recorrente apenas suscitou a inconstitucionalidade da
«interpretação dada» pelo despacho de 4 de Dezembro de 1998 «ao artigo 157º do Código de Processo Civil', no requerimento de arguição de nulidade de tal despacho, ou seja, em momento que, processualmente, já não era adequado para o efeito. E o certo é que não é caso para dispensar do cumprimento do ónus da suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade, pois ele teve oportunidade processual para o fazer durante o processo. De facto, se ele entendia que o artigo 157º do Código de Processo Civil, ao impor que o juiz assine os despachos que profere, lhe impõe também que assine cópias dactilografadas dos mesmos, sob pena de fazer uma interpretação inconstitucional de tal preceito legal, devia ter suscitado essa questão de inconstitucionalidade no requerimento em que pediu a repetição da notificação do despacho de 2 de Junho de 1998, quando disse que «só a assinatura por parte do juiz garante a fidelidade da reprodução». Não tendo o recorrente suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma do artigo 157º do Código de Processo Civil – ao menos, não o fez, «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», como exige o nº 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional -, não pode, agora, conhecer-se do objecto do recurso interposto do despacho de 4 de dezembro de 1998.
3.3. De igual modo se não pode conhecer do recurso interposto do despacho de 5 de Fevereiro de 1999 – suposto, claro é, que o recorrente também quis impugnar autonomamente esta decisão.
É que este despacho não aplicou o dito artigo 157º do Código de Processo Civil. De facto, proferida a decisão judicial (sentença ou despacho), esgota-se o poder de cognição do tribunal sobre a matéria. E, por isso – ressalvados os casos de reforma [cf. artigo 669º, nºs 1, alínea b) e 2, do Código de Processo Civil] – o tribunal apenas pode rectificar erros materiais que a decisão contenha, esclarecer dúvidas que a mesma suscite ou suprir nulidades de que ela enferme
(cf. artigos 666º, nºs 1 e 2, 667º, 668º e 669º do Código de Processo Civil). E esgotado o poder de cognição do tribunal (salvo para os fins apontados), ele não pode decidir questões novas; inclusive, não pode decidir questões de constitucionalidade, tendo por objecto norma aplicada pela decisão reclamada por nulidade. Vale isto por dizer que, no presente caso, na decisão proferida sobre a reclamação por nulidade apresentada contra o despacho de 4 de Dezembro de 1998
(é dizer: no despacho de 5 de Fevereiro de 1999), o juiz já não podia apreciar a constitucionalidade de qualquer norma aplicada pelo despacho reclamado. O seu poder de cognição estava limitado à questão da nulidade arguida. Assim, tudo quanto no despacho de 5 de Fevereiro de 1999 se disse a propósito da questão de constitucionalidade, tendo por objecto o artigo 157º do Código de Processo Civil, mais não é do que um obiter dictum, se não mesmo afirmações ad ostentationem. Por isso, as considerações aí feitas sobre tal questão são insusceptíveis de abrir a via de recurso de constitucionalidade. Em conclusão: como o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade do artigo 157º do Código de Processo Civil antes de proferido o despacho recorrido, de 4 de Dezembro de 1998, embora tenha podido fazê-lo; e como essa norma não foi aplicada pelo despacho de 5 de Fevereiro de 1999, também recorrido, não se verificam os pressupostos do recurso interposto. E, por isso, dele não pode conhecer-se'.
5. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência (fls. 713 a
715), que fundamenta nos seguintes termos:
'1 – O Exmº Sr. Dr. Juiz Conselheiro considerou que o recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade do artigo 157º do CPC antes de proferido o despacho de 4/12/98, entendendo que o recorrente «tinha podido fazê-lo».
2 – Ora, tal facto não é verdadeiro.
3 – Se V. Excias consultarem os autos, verifica-se, pelo menos, desde a fls. 547
(nova numeração) num despacho ilegível, que é notificado ao recorrente em
19/02/98, por correio.
4 – O processo, sem aguardar o trânsito, logo em 20/02/98 é remetido à 1ª instância.
5 – A fls. 550, o recorrente requer aclaração.
6 – Em fls. 552, novo despacho ilegível de 29/04/98, notificado nessa data.
7 – 30/04/98, o processo, sem aguardar o trânsito, é remetido à 1ª instância.
8 – A fls. 554, o recorrente requer cópia dactilografada.
9 – A fls. 556, novo despacho ilegível, notificado ao recorrente em 4/6/98, com nota da secretaria na 1ª folha da notificação dizendo já ter remetido cópia dactilografada do despacho. Logo em 5/6/98, sem aguardar o trânsito, o processo baixou,
11 – A fls. 572, o recorrente requer cópia dactilografada de fls. 556
(antigamente fls. 422) dado ser o despacho manifestamente ilegível.
12 – E, como as anotações da secretaria na 1ª folha da notificação, assinadas por escrivão, não constituem despachos, o requerente, ora recorrente, requereu cópia legível do despacho de fls. 442 (salientando quanto à nota de declaração assinada por funcionário que este não tinha aparência nem legalmente era despacho, nem se sabia se correspondia ou não ao despacho emitido, pois não estava assinado por juiz. Por outro lado, desconhecia o nome do juiz, e tal indicação era importante pelo menos para o efeito do disposto nos artigos 127º e seguintes do CPC, o que nos presentes autos não tem tanta falta de cabimento como se poderia julgar.
13 – O Mmº Juiz Desembargador, substituto, considerou no entanto tal notificação como perfeita e indeferiu o requerido a fls. 572 e 573.
14 – Foi então que o recorrente tomou conhecimento de que as anotações na 1ª folha timbrada da notificação, assinada por escrivão, correspondiam aos despachos do Exmº Juiz, apesar de nas notas assinadas por escrivão não constar a remessa dos despachos dactilografados, mas sim os despachos ilegíveis «sendo o mesmo dactilografado» como lá constam, ma na nota de notificação e assinada por funcionário, sem referir ser cópia do despacho.
15 – Ora, até esta data, nenhum dos despachos fora notificado ao recorrente através de cópia legível, dactilografada e assinada por magistrado, como se disse.
16 – Foi por isso que o requerente, ora recorrente, arguindo nulidade, arguiu a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Juiz do disposto no artigo 157º do CPC, pois não podia tê-lo feito antes.
17 – Na verdade, nunca o pudera fazer anteriormente, não só por não ter sido notificado de qualquer despacho assinado por Juiz, legível, como também porque nunca pudera consultar os autos, pois na Relação diziam já estar na 1ª instância e nesta diziam estar na Relação.
18 – Acresce, contrariamente ao que refere o Sr. Dr. Juiz Conselheiro Relator, que o recorrente solicitara o nome do magistrado que assinara tais despachos, o que nunca lhe foi facultado, nem respondido.
19 – Nestes termos, devem V. Ex.as, deferir a presente reclamação, fazendo prosseguir o recurso para alegações, dado o Tribunal da Relação ter aplicado norma cuja ilegalidade fora suscitada durante o processo, com os fundamentos referidos no texto da interposição do recurso.
6. Notificado o recorrido para responder, querendo, à reclamação apresentada, o mesmo não apresentou qualquer resposta. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. III – Fundamentação
7. Na decisão reclamada decidiu-se não conhecer do objecto do recurso porquanto nem o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade do artigo 157º do Código de Processo Civil (a norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada) antes de proferido o despacho recorrido, de 4 de Dezembro de 1998, embora tenha podido fazê-lo, nem essa norma foi aplicada pelo despacho de 5 de Fevereiro de 1999, também recorrido. Ora, a verdade é que na fundamentação da presente reclamação, que supra já transcrevemos integralmente, o reclamante não avança com qualquer argumento que possa pôr em causa o sentido e os fundamentos daquela decisão, limitando-se, no essencial, a descrever a sequência processual que deu origem ao presente recurso de constitucionalidade. Designadamente o reclamante não demonstra que tenha suscitado a questão de constitucionalidade antes de proferido o despacho de 4 de Dezembro de 1998, ou que o artigo 157º do CPC tenha sido aplicado pelo despacho de 5 de Fevereiro de 1999. Quanto a estes pontos, aliás, o afirmado na decisão reclamada não é sequer contestado. O reclamante apenas contesta verdadeiramente que pudesse ter suscitado a questão de constitucionalidade antes de proferido o despacho de 4 de Dezembro de 1998
(cfr. nºs 16 e 17 da reclamação). Este ponto, porém, já foi suficientemente desenvolvido na decisão reclamada, em que se demonstra que o ora reclamante teve efectivamente, ainda antes de proferida a decisão recorrida, oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade que agora pretendia ver apreciada, concretamente podia tê-lo feito no requerimento em que pediu a repetição da notificação do despacho de 2 de Junho de 1998, designadamente quando disse que «só a assinatura por parte do juiz garante a fidelidade da reprodução». Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram porquanto em nada são abaladas pelo teor da reclamação apresentada, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor. III - Decisão Em face do exposto, decide-se desatender a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 14 de Março de 2002 José Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida