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Processo nº 184/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (3º Juízo Cível), por apenso à execução ordinária que a C... moveu a P..., em consequência de mútuo com ele celebrado, tendo sido penhorado o imóvel objecto de hipoteca para garantia das obrigações emergentes desse contrato, veio o Ministério Público, nos termos dos artigos 3º, nº 1, alínea a), e 5º, nº 1, alínea a), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, na redacção dada pela Lei nº 60/98, de 27 de Agosto – Estatuto do Ministério Público – e dos artigos 20º, nº 1, e 865º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), reclamar a quantia de 8.900$00 e juros moratórios vencidos desde 1 de Agosto de 1999, proveniente de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, invocando, para o efeito, privilégio imobiliário geral sobre o bem penhorado nos autos principais, nos termos do artigo 104º do Código do IRS, cuja redacção inicial foi aprovada pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro (ao artigo 104º corresponde hoje, com idêntico teor, o artigo 111º, após as alterações introduzidas no Código pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho).
O crédito foi admitido liminarmente, não sendo deduzida qualquer impugnação.
No entanto, na sentença de verificação e graduação de créditos, de 13 de Dezembro de 2000, o crédito exequendo foi graduado em primeiro lugar e, só depois se considerou o crédito do Estado Português, proveniente do IRS.
Para atingir este desiderato, o magistrado judicial decidiu 'julgar inconstitucional, por violação do artigo 2º da Constituição da República, a norma constante do artigo 104º do C.I.R.S., interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil'.
2. - Em face do assim decidido, o competente magistrado do Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Admitido o recurso, alegaram neste Tribunal o recorrente e a recorrida C....
O primeiro concluiu assim as suas alegações:
'1º O privilégio imobiliário geral conferido à Fazenda Pública pelo artigo 104º do CIRS – interpretado em termos de conferir àquela um direito real de garantia, dotado de sequela e prevalência, nos termos do artigo 751º do Código Civil, sobre todos os imóveis existentes no património da entidade devedora à data da penhora ou acto equivalente, garantindo os créditos de IRS referentes aos três
últimos anos – oponível, independentemente de registo, a quem adquira e registe hipoteca sobre os mesmos bens, viola, em termos intoleráveis, o princípio da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
2º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa constante da decisão recorrida.'
Ora, por sua vez, foram estas as conclusões formuladas pela recorrida:
'I – É inconstitucional a interpretação da norma contida no artigo 104º do CIRS no sentido de que o privilégio imobiliário nela conferido prefere a hipoteca, por força do artigo 751º do Código Civil, por violar injusta e desproporcionadamente, os princípios constitucionais da confiança e da segurança do comércio jurídico, que estão contidos e emanam do princípio do Estado de Direito Democrático ínsito no artigo 2º da Constituição da república Portuguesa. II- Deve ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade proferido na sentença recorrida.'
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos legais.
II
1. - Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a apreciação da conformidade ao texto constitucional da norma do artigo 104º do CIRS, interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário geral por ele conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
Dispõe o referido artigo 104º (hoje, artigo 111º, como já se consignou):
'Para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.'
2. - Idêntica questão de constitucionalidade foi objecto de recente acórdão deste Tribunal, nº 109/2002, de 5 de Março do ano em causa, tirado em plenário ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 79º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
É a sua doutrina que se aplica ao concreto caso em apreço, alicerçada na fundamentação então deduzida – não obstante o distanciamento que o ora relator assumiu perante a tese naquele aresto consubstanciada.
III
Em face do exposto, e em aplicação da orientação jurisprudencial citada, decide-se: a. julgar inconstitucional, por violação do artigo 2º da Constituição, a norma constante do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – na redacção inicial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro –, quando interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil; b. consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que respeita à questão de constitucionalidade.
Junte-se cópia do acórdão nº 109/2002. Lisboa,14 de Março de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida