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Proc. nº. 207/97
1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. P. intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra L....,Lda. pedindo o reconhecimento pela Ré do direito à actualização da pensão complementar de reforma entre Janeiro de 1985 e Dezembro de 1992; a condenação no pagamento, a título de diferença de cálculos da pensão complementar de reforma, a importância de 1 900 200$00, acrescida das vincendas a partir de 1 de Janeiro de 1993 e ainda o reconhecimento ao A do direito a uma 14ª prestação adicional de pensão complementar de reforma para acompanhar o esquema da previdência oficial instituído, prestação que computava em 200 720$00 calculada até 31 de Dezembro de 1992, além das vincendas a partir de 1 de Janeiro de 1993, tudo com juros legais a contar da citação em relação a todas as verbas pedidas.
Por sentença proferida em 30.09.94, o Tribunal de Trabalho de Lisboa reconheceu ao A o direito à actualização da pensão complementar de reforma, nos termos da cláusula 84ª, nºs. 2 e 4 do CCT de 1971 e cláusula 122ª, nº. 2 do CCT/84, entre Janeiro de 1985 e Dezembro de 1992, com as actualizações vencidas entre Março de
1988 e Dezembro de 1992 e as vincendas; o pagamento da 14ª prestação adicional de prestação complementar de reforma, a vencer no mês de Julho e os juros de mora sobre todas as prestações em cujo pagamento a Ré foi condenada, mas absolveu-a das actualizações vencidas entre Janeiro de 1985 e 8 de Março de
1988, por ter sido julgada procedente a excepção de prescrição invocada pela Ré.
A Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de
4.10.1995, confirmou a douta sentença recorrida, negando provimento ao recurso.
Deste acórdão interpôs a Ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, em cuja Secção Social foi proferido acórdão em 18.03.1997 a negar a revista e mantendo o decidido pelas instâncias, nomeadamente o acórdão recorrido.
Inconformada, veio a Ré recorrer para o Tribunal Constitucional alegadamente ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82, de 15.11.
Foi convidada pelo então relator a completar o requerimento de interposição do recurso indicando expressamente qual a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada por este Tribunal.
A recorrente completou o requerimento de interposição de recurso, pedindo a declaração de inconstitucionalidade das 'normas' contidas nas cláusulas 2ª e 82ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, publicado no BTE nº. 20, de
22.07.1977, e a Portaria nº. 470/90, de 23 de Junho.
Admitido o recurso, apresentou alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. A questão de constitucionalidade cujo objecto foi delimitado no respectivo requerimento de interposição reporta-se às normas ínsitas nas cláusulas 2ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 25.08.1975, publicado no BMT nº. 30, suplemento de 15.08.1975, e cláusula 82ª do Contrato Colectivo de Trabalho de
1977, publicado no BTE nº. 27, de 22.07.1977 e na Portaria nº. 470/90 que foram efectivamente aplicadas no acórdão em crise. Importa, em primeiro lugar, averiguar se se trata de 'normas' no sentido do artigo 280º da Constituição, visto que o recurso de constitucionalidade só a elas se reporta. A questão foi já apreciada por este Tribunal, nomeadamente nos Acórdãos nºs.
172/93, 209/93 (publicados in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24º,
1993, págs. 451 e seguintes e 537 e seguintes, respectivamente) e, mais recentemente, no Acórdão nº. 637/98 (inédito) aí se declarando que as 'normas' das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo
280º, nº. 1, alínea b), da Constituição.
Assim, pelos fundamentos constantes dos citados acórdãos, a que se adere, decide-se não tomar conhecimento do recurso, no que toca às mencionadas cláusulas dos Contratos Colectivos de Trabalho aplicados pelo acórdão recorrido.
No que respeita à Portaria nº. 470/90, não pode também o Tribunal conhecer do objecto do recurso, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque a recorrente não indica qual(ais) a(s) norma(s) ou todo o diploma que enfermam de inconstitucionalidade.
Quanto à possibilidade de invocação de inconstitucionalidade de todo um diploma, tem este Tribunal entendido que, em princípio, a indicação ou 'mera referência de que um diploma legal [...] não preenche, pelo menos na hipótese de inconstitucionalidade material, o requisito de indicação da norma (ou normas), cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie' (Acórdão nº.
442/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20º vol., pág. 472). Aliás, quando o diploma em causa possui vários artigos (e normas) – como é o do caso dos autos -, não se identificando aquelas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, manifestamente falta a especificação da norma ou normas requerida pelo nº. 1 do artigo 75º-A da LTC (cfr. Acórdão nº. 21/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., pág. 125 e Acórdão nº. 170/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º vol., pág. 319).
A recorrente não explicita quais os fundamentos da inconstitucionalidade, sendo certo que, no texto das alegações, nenhuma alusão sequer se faz à referida Portaria (a inconstitucionalidade só é apontada nos artigos 33º e 34º das conclusões): assim sendo está insuficientemente delimitada perante o Tribunal a questão da constitucionalidade que lhe é proposto apreciar. Em segundo lugar, verifica-se que a Portaria nº. 470/90 foi aplicada logo na sentença proferida em 1ª instância (fls. 118/119). No recurso interposto para a Relação a recorrente nunca põe em causa a constitucionalidade daquela Portaria. No recurso interposto do acórdão da Relação que confirmou a sentença impugnada, mantém-se o silêncio da recorrente quanto à mesma Portaria. Só no aditamento ao requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, apresentado, como se disse, a convite do relator, a recorrente indica a Portaria nº. 470/90. Ora, manifesto é que a recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade durante o processo, como o exige o artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82, em termos de permitir ao tribunal 'a quo' que sobre ela se pronunciasse, sendo, aliás, previsível que a Portaria nº. 470/90, tal como acontecera em 1ª instância e com a confirmação do julgado na Relação, viesse – como veio – a ser aplicada pelo STJ.
3. Decisão:
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente. Taxa de justiça: 8 Ucs. Lisboa, 15 de Dezembro de 1998 Artur Maurício Vitor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma (vencida em parte nos termos de declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto
Votei parcialmente vencida o Acórdão, divergindo da decisão de não tomar conhecimento do objecto do recurso relativamente às normas contidas nas cláusulas 2ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 25 de Agosto de 1975 e 82ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977. Considero que a conformidade à Constituição das normas contidas em convenções colectivas de trabalho pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional no âmbito de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade pelas razões constantes do Acórdão nº 368/97
(DR, II Série, de 12 de Julho de 1997), que passo a transcrever: O nº 4 do artigo 56º das Constituição designa como normas jurídicas as normas constantes de convenções colectivas de trabalho, quando dispõe que: 'A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas'. Assim, a jurisdicidade de tais normas é indiscutível, por estar fundamentada na lei. Por outro lado, as normas das convenções colectivas de trabalho não só são normas jurídicas, por determinação da lei, como se adequam a um conceito funcional de norma jurídica, para efeitos do controlo de constitucionalidade. Na realidade, regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e das entidades patronais reconhecidos por contrato individual de trabalho. Deste modo, estas normas têm um objecto especificamente jurídico e, quando estabelecem limites mínimos (condições mais favoráveis aos trabalhadores), até prevalecem sobre as normas estatais, sendo absolutamente imperativas (artigos 5º, 6º e 14º, nº 1, da Lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho). A tudo isto acresce que convenções colectivas e portarias de regulamentação regulam idênticas matérias, o que significa que existe identidade de objecto entre normas estatais e normas convencionais. Refira-se ainda que, contendo as portarias de extensão (necessárias por força do princípio da igualdade - artigo 13º da Constituição) normas jurídicas sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal Constitucional, haveria ofensa do princípio da igualdade se as normas das convenções colectivas não estivessem sujeitas aos mesmos critérios de validade e se os sujeitos por estas abrangidos não tivessem os mesmos direitos e garantias, inclusivamente do ponto de vista da fiscalização concreta da constitucionalidade, que têm os trabalhadores abrangidos pelo regime da convenção colectiva por força da portaria de extensão. Assim, um trabalhador nesta situação poderia interpor recurso de constitucionalidade, ao passo que um outro trabalhador, numa situação absolutamente paritária, não o poderia, apenas por estar directamente abrangido pela convenção colectiva. Por último, importa ter presente que o Código de Processo do Trabalho prevê acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho (artigos 177º e seguintes), estatuindo-se que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre tais questões tem ou tinha o valor de assento e como tal é designado (sendo publicado na 1ª série do Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego). Ora, sendo certo que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, os assentos contêm normas susceptíveis de controlo específico da constitucionalidade (cf. Acórdão nº 359/91, Diário da República, 1ª Série-A, de
15 de Outubro de 1991), seria incorrecto que a norma interpretativa de uma cláusula de convenção colectiva de trabalho fosse uma norma jurídica objecto possível do processo de fiscalização de constitucionalidade e que a norma que constituía todo o conteúdo da norma interpretativa não o fosse. Conclui-se, assim, que as normas constantes de convenções colectivas de trabalho se devem ter como normas para efeitos do controlo de constitucionalidade cometido a este Tribunal. Maria Fernanda Palma