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Proc.Nº 634/95 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1.- A. interpôs recurso contencioso directo de anulação contra o 'acto administrativo definitivo e executório praticado em 5 de Fevereiro de 1988, pelo Secretário Regional da Educação do Governo Regional da Madeira, que anula o concurso aberto pela escola B., para provimento de 4 vagas de Assistentes (...)'.
Por acórdão de 5 de Março de 1991, a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA), decidiu negar provimento ao recurso. O recorrente, inconformado com tal decisão, veio interpor recurso para o Pleno da
1ª Secção do STA. Produzidas as respectivas alegações, quer pelo recorrente quer pelo recorrido, Secretário Regional da Educação do Governo da Região Autónoma da Madeira, o Pleno da 1ª Secção do STA, por acórdão de 24 de Novembro de 1994, decidiu revogar o acórdão recorrido e declarou nulo o acto impugnado, por o mesmo se encontrar afectado de incompetência agravada, pois que é estranho às atribuições dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira, e invadiu a esfera jurídica da escola B., entidade juridicamente autónoma, em cuja esfera de atribuições se inseria a matéria a definir por actos do tipo e natureza do que a autoridade recorrida praticou.
Notificado desta decisão, o Secretário Regional de Educação do Governo Regional da Madeira veio interpor recurso para o Plenário do STA, por oposição de acórdãos.
Sobre este requerimento recaiu um despacho do relator, do seguinte teor:
..'Não há recurso para o PLENÁRIO de acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, por oposição com acórdão da mesma Secção entendendo - mesma Secção - em sentido material, ou seja: só há possibilidade de recurso para PLENÁRIO com fundamento em oposição de julgados se existir oposição entre acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo e do Contencioso Tributário - cfr. art. 22º/A do ETAF.
Não admito, pois, o recurso interposto pelo requerente de fls. 143'
O Secretário Regional requereu que sobre tal despacho recaísse acórdão da conferência, tendo nesse requerimento suscitado a questão da inconstitucionalidade do artigo 22º, alínea a) do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril), quando interpretado no sentido de que só é possível recurso para o Plenário com base em oposição de acórdãos de secção diferente, por violação do artigo 20º da Constituição.
O Pleno da 1ª Secção do STA proferiu o acórdão de 23 de Março de 195, pelo qual decidiu manter o despacho do relator, não admitindo o recurso para o Plenário e, quanto à questão de inconstitucionalidade, escreve-se no acórdão:
'Colocando-nos o reclamante na ignorância dos fundamentos por que invoca a inconstitucionalidade da norma e a violação do artº20º da Constituição da República Portuguesa, dispensados estamos de dizer mais, a não ser que se não vislumbra nenhuma razão para tal convicção.
Com efeito, o reclamante teve pleno acesso ao direito e aos tribunais. Na verdade, ninguém põe em causa a competência técnica do douto advogado que constituiu e também ninguém diz que não teve oportunidade de ver discutido e dirimido por decisões judiciais, o conflito que mantinha com a Administração, num Tribunal qualificado de 1ª instância e, em via de recurso, num tribunal supremo.
De acordo com a melhor doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional
- cfr.J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 164, e acórdão nº 31/87, de 27 de Março de 1988, e MIRANDA JORGE, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, pág.259 e ac.do Tribunal Constitucional nº 359/86, de 16 de Dezembro de 1986, - o direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no artº20º da Constituição da República Portuguesa, não exige mais, na via judiciária, do que a existência de um grau de apreciação das questões, em matérias não criminais.'
É desta decisão que vem interposto o recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade constitucional do artigo 22º, alínea a), do ETAF, na interpretação ali feita, no sentido de que só há recurso para o Plenário do STA quando exista oposição entre acórdãos de diferentes secções ou do plenário do mesmo tribunal.
Notificadas as partes para alegar, verificou-se que apenas o Secretário Regional e o recorrente particular alegaram, porquanto a Comissão Instaladora da escola B. não constituiu novo mandatário no prazo fixado, após renúncia do anterior, pelo que o processo prosseguiu os seus termos normais, aproveitando-se os actos já praticados no processo.
Produzidas as alegações neste Tribunal, o Secretário Regional concluiu pela inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da igualdade, e do direito de acesso aos tribunais, da norma do artigo 22º, alínea a), do ETAF.
O recorrido particular, pela sua parte, apresentou também alegações nas quais concluiu pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 22º, alínea a), do ETAF.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
2.- A questão que vem colocada ao Tribunal é a de saber se a norma do artigo 22º, alínea a) do ETAF, enquanto interpretada como apenas admitindo recurso para o Plenário do STA, por oposição de julgados entre acórdãos de secções diferentes ou do mesmo Plenário contende ou não com o artigo
20º da Constituição.
Começará por se salientar que o presente recurso vem interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) e ainda que, de acordo com o acórdão de aclaração do STA, de 27 de Junho de 1995, apenas visa o acórdão de 23 de Março de 1995 e não o acórdão de 24 de Novembro de 1994.
Quanto à invocação da alínea g) do nº1 do artigo 70º da LTC, dir-se-á que ela não tem, no caso, qualquer sentido pois o fundamento do presente recurso não pode ser o da aplicação de norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional, pois a única vez em que o Tribunal se pronunciou sobre tal norma não a julgou inconstitucional nem ilegal.
Importa, assim, referir, que a questão posta não é nova neste Tribunal, tendo sido já objecto da decisão proferida no Acórdão nº 673/95, de 23 de Novembro de 1995, publicado no Diário da República, IIª Série, de 20 de Março de 1996).
Neste aresto, a norma sindicada e que também está em causa nestes autos não foi julgada violadora nem do artigo 13º nem do artigo 20º da Constituição
3.- Vejamos, antes de mais, o teor da norma em questão, o artigo 22º, alínea a) do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
Artigo 22º
(Competência do Plenário) Compete ao Plenário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:
a) dos recursos dos acórdãos das secções que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão de diferente secção ou de plenário;
b) do seguimento dos recursos referidos na alínea anterior, sem prejuízo dos poderes do relator nesta matéria;
c) dos conflitos de jurisdição entre tribunais administrativos e tribunais fiscais, entre tribunais fiscais e autoridades administrativas ou entre tribunais administrativos e autoridades fiscais ou aduaneiras.
Segundo a decisão recorrida, a solução que adoptou decorre claramente da lei ordinária (artigos 14º, 20º, 24º, alínea b) e 30º, alínea b), todos do ETAF, além da norma questionada), não podendo sequer admitir-se outra solução face ao artigo 9º do Código Civil, nenhuma inconstitucionalidade se vislumbrando, tal como resulta da transcrição atrás feita.
Adiante-se desde já, que a solução encontrada pelo Acórdão nº673/95 quanto à questão de constitucionalidade suscitada, se irá aqui reiterar na falta de argumentos novos que a possam contrariar ou impliquem a sua revisão.
Escreveu-se nesse aresto, quanto à matéria questionada:
'Na verdade, não oferece dúvidas que a aplicação que no acórdão recorrido se faz da alínea a) do artigo 22º do ETAF é a única que se concilia com o teor literal da norma - «acórdãos das secções» e «acórdão de diferente secção» -, utilizando expressões de sentido inequívoco, e que se compadece com a organização do Supremo Tribunal Administrativo em duas secções (nº 2 do artigo
14º), com o seu funcionamento «em plenário, por secções e por subsecções» (nº 1 do artigo 20º) e com a distribuição da competência de cada uma das secções, em pleno e por subsecção (artigos 24º, 26º, 30º, 32º e 33º). E também se compadece com a composição do plenário, «constituido pelo Presidente do Tribunal, pelos vice-presidentes e, nos termos dos números seguintes, por outros juízes de ambas as secções» (nº 1 do artigo 23º).
Que não há aí violação do artigo 20º, e mais rigorosamente do seu nº 1, da Constituição - «por denegação de justiça e ofensa do princípio da maior admissibilidade dos recursos e do acesso à justiça e ao direito», talqualmente vem caracterizado pelo recorrente - é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas por este Tribunal Constitucional, apoiando-se na doutrina e na sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos tribunais postulado pelo artigo 20º, nº 1, da lei fundamental não garante, necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo grau de jurisdição referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
E, igualmente, tem defendido que aquela lei não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete-se, imposta pelo nº 1 do artigo 32º). Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais» - o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativos e fiscais - e que lei inconstitucional, designadamente os diplomas adjectivos fundamentais e os que regem a organização judiciária, no caso o ETAF, também prevêem esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos (as expressões em itálico são extraidas da obra Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa,
1992, pp.100, 101 e 102; cf., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e com mais recente publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão nº 447/93, no Diário da República, 2ª série, de 23 de Abril de 1994).
A norma em questão, seguramente, não vem prescrever aquela supressão em bloco ou uma solução de onde decorra que, na prática, ficaram, com o sistema por ela estabelecido, suprimidos os recursos no que tange às decisões proferidas em processos de contencioso administrativo instaurados na respectiva secção do Supremo Tribunal Administrativo. Daí que, havendo-se de reconhecer ao legislador uma liberdade de conformação quanto ao estabelecimento de requisitos condicionadores dos recursos ou para «alterar pontualmente as regras sobre a recorribilidade das decisões», ampliando ou restringindo, designadamente, e aqui, os recursos por oposição de julgados, «e a existência de recursos», respeitados que sejam os limites acima focados, ter-se-á de concluir que a aplicação que é feita da norma do artigo 22º, alínea a), do ETAF pelo acórdão em crise não viola o disposto no artigo 20º da Constituição, nomeadamente o seu nº
1.'
Não vindo questionado o princípio da igualdade desnecessário se torna enfrentar esta questão.
O recorrente, refere porém, uma diferenciação no tratamento dos recursos instaurados directamente na 1ª instância ou na 1ª secção do STA, argumentando que nos casos referidos em primeiro lugar (tribunais de instância) seria permitido, em regra, a utilização de três graus de jurisdição e no outro caso, apenas seriam admitidos dois graus.
Como exemplo aduz o recorrente o caso de se interpor recurso de acto de um director-geral para o competente tribunal administrativo de círculo, havendo recurso de tal decisão para a 1º Secção do STA (2º grau de apreciação) e podendo ainda alcançar-se uma terceira apreciação, recorrendo para o Plena da Secção do Contencioso Administrativo, no caso de haver oposição sobre a mesma questão fundamental de direito com outra decisão da mesma Secção. Ao invés, se se tratar de um recurso interposto de um acto de membro do Governo, terá de ser apresentado directamente na 1ª Secção do Contencioso Administrativo do STA, havendo ainda recurso desta decisão para o Pleno da Secção, não sendo já possível recorrer desta decisão por oposição de julgados, com vista à uniformização de jurisprudência.
A esta argumentação aduziu-se no acórdão nº 673/95 o seguinte:
'A um tal argumento responder-se-á que, ao fim e ao resto, a detectada diferenciação resulta, em direitas contas, não da norma em apreciação em si (e na aplicação que dela foi feita), pois que essa diferenciação não é peculiaridade da mesma, mas sim das características gerais dos recursos consagrados no ETAF paras a oposição de julgados, um campo peculiar em matéria de impugnação de decisões jurisdicionais.
Ora, neste particular, há que ponderar, de um lado, que todas as «partes» intervenientes em processos de contencioso administrativo, quanto à forma de impugnação, com fundamento em oposição de julgados, das decisões tomadas pela Secção do Contencioso Administrativo, são tratadas de maneira igual à luz da norma do artigo 22º, alínea a), sendo que o tratamento pretensamente diferenciado quanto à não admissibilidade, em princípio, de mais um grau de recurso, para casos como o presente, é justificado e proporcionado se se tiver em conta o modo como o processo de contencioso administrativo se encontra estruturado a nível de censura, com aquele fundamento, das decisões tomadas pela dita Secção.'
Tem, assim, de se concluir que a norma da alínea a) do artigo 22º do ETAF entendida como apenas admitindo recurso para o Plenário do STA, por oposição de julgados, entre decisões de diferentes secções e do plenário não viola o princípio do acesso ao direito e aos tribunais nem é uma solução desproporcionada ou arbitrária que deva ser cassada por violadora da Constituição.
III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.
Lisboa, 13 de Maio de 1997 Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida