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Proc. nº 758/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1.1. - I... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1998, que, em conferência, confirmou o despacho do Conselheiro relator que entendera ser de rejeitar o recurso pelo mesmo interposto para esse Alto Tribunal.
O interessado foi condenado, no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, como autor material de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 308º, nº 1, do Código Penal (texto de 1982), na pena de cinco meses de prisão, substituídos por multa à razão diária de 800$00, e, em alternativa, 100 dias de prisão, e, como autor material de um crime de ofensas corporais, previsto e punido pelo artigo 142º, nº 1, do mesmo Código, na pena de três meses de prisão, substituídos por multa à razão diária de 800$00, e, em alternativa,
80 dias de prisão.
Efectuado o cúmulo jurídico, foi o mesmo condenado na pena única de seis meses de prisão, substituídos por multa, à razão diária de
800$00, e, em alternativa, quatro meses de prisão.
Foi, ainda, solidariamente com outro arguido, condenado a pagar ao demandante civil a quantia de 150.000$00.
Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça defendendo, na respectiva motivação e nas conclusões, que toda a prova gravada em 'cassettes' deve ser confrontada com os factos dados como provados, ' a fim de se extrair desse confronto todas as contradições insanáveis, erros notórios e todos os vícios de interpretação e subsunção normativa'.
Caso assim se não entenda - acrescenta - e negado o duplo grau de jurisdição sobre os factos materiais, maxime a não permissão da audição da prova gravada, pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 'da inconstitucionalidade material do artigo 32º da Lei Fundamental e outros dispositivos que vedam os direitos de defesa do mesmo arguido'.
O Conselheiro relator, no entanto, entendeu ser o recurso de rejeitar, após o que, em conferência da 1ª Secção do Supremo, foi lavrado acórdão, a 28 de Maio de 1998, de rejeição do recurso.
Ao considerar o disposto nos artigos 410º e 433º do Código de Processo Penal (CPP), aquele Alto Tribunal teve presente, de acordo com a jurisprudência seguida, que a documentação da prova oral prestada na audiência de julgamento, consentida pelo artigo 363º do mesmo diploma, não funciona para efeitos de recurso para o STJ, 'pois destina-se a servir como meio de trabalho do tribunal em sede de deliberação e votação quanto à matéria de facto', o que constitui um meio de controlo posto ao serviço do tribunal colectivo.
Ainda que - acrescenta-se - o Supremo pudesse servir-se das aludidas gravações, o certo é que não poderiam as mesmas ser utilizadas com a finalidade de serem detectados vícios da decisão sobre matéria de facto, nos termos pretendidos pelo recorrente.
Ora, objecta-se, para além do recorrente não ter concretizado os invocados vícios, estes não se alcançam na decisão recorrida, por si só considerada ou conjugada com as regras da experiência comum.
1.2. - Mediante o recurso atravessado para o Tribunal Constitucional pretendeu o arguido 'ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 410º, nº 2, e 433º do Código de Processo Penal
(CPP), por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República (CR), na medida em que não asseguram todas as garantias de defesa ao não permitirem segundo grau de jurisdição dos factos causais, através dos quais foi condenado.'
2. - Neste Tribunal o relator entendeu ser de lavrar decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquela Lei nº 28/82, na redacção dada pelo artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, uma vez que, delimitado o objecto do recurso nos termos anteriormente expostos, a questão de constitucionalidade subjacente não revela qualquer novidade, sendo numerosa a jurisprudência a esse respeito, sem prejuízo de não se congregar unanimidade.
E acrescentou-se, então, em 4 de Novembro de 1998, negando-se provimento ao recurso:
'[...] De resto, sendo numerosas as vezes que o Tribunal Constitucional teve oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade das normas dos artigos
401º, nº 2, e 433º do Código de Processo Penal - a partir do acórdão nº 322/93, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Outubro de 1993 - recentemente, por acórdão tirado em plenário, nos termos do nº 1 do artigo 79º-D da Lei nº 28/82 - acórdão nº 573/98, de 13 do corrente, ainda inédito - foi decidido no sentido da não inconstitucionalidade dessas normas na medida aí descrita e que se tem por inteiramente aplicável ao caso sub judicio, pelo que para a respectiva fundamentação se remete.'
3. - Do assim decidido, vem, agora, o recorrente reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A citado, reiterando que 'seja concedida a inconstitucionalidade material e formal às normas do C.P.P. em vigor, maxime nos artigos 433º e 410º por vedarem uma aplicabilidade concreta ao artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental', assim devendo dar-se provimento ao recurso interposto.
Na sua resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação. E acrescenta: 'estando já decidido pelo Plenário deste Tribunal a questão de constitucionalidade suscitada, é evidente que a decisão ali proferida deverá ser aplicada ao caso dos autos'.
Cumpre decidir.
4. - Nada há a acrescentar ao que na decisão sumária do relator se apresentou como sua motivação, já que a mesma se limitou a remeter para a corrente dominante da jurisprudência deste Tribunal e, nomeadamente, a aplicar a jurisprudência firmada em Plenário, ao abrigo do artigo 79º-D da citada Lei nº 28/82, no acórdão nº 573/98, entretanto já publicado (in. Diário da República, II Série, de 13 de Novembro de 1998).
De resto, o valor argumentativo que o reclamante pretende extrair da alteração sofrida pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição mercê da Revisão Constitucional aprovada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, ou seja, a introdução do inciso 'incluindo o recurso' como expressão da garantia constitucional de defesa que o processo criminal deve assegurar, não comporta o sentido lato que lhe pretende dar.
É numerosa e uniforme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de o direito ao recurso constituir uma das garantias de defesa a que se refere aquele preceito constitucional, sem que tal, no entanto, signifique existir um ilimitado direito ao recurso, extensivo a todas as matérias: razões de praticabilidade e outras, decorrentes da exigência da imediação da prova, justificam não poder o recurso assumir, na área da matéria de facto, o mesmo
âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito.
No concreto caso, intenta-se obter uma rediscussão da matéria normativa impugnada que subentende uma renovação integral da prova mas o certo é que o Tribunal vem entendendo que o direito ao recurso sobre a matéria de facto não implica renovação da prova perante o tribunal ad quem nem conduz à reapreciação de provas gravadas ou registadas, como se frisou no citado acórdão nº 575/98, com o apoio jurisprudencial então citado. A garantia do duplo grau de jurisdição no tocante a sentenças penais condenatórias compagina-se, como então se decidiu, com o existente sistema de revista alargada que preserva o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto.
Na perspectiva desse aresto está satisfeita a exigência constitucional: o inciso acrescentado ao nº 1 do artigo 32º da CR pela Lei Constitucional nº 1/97 não é, assim, tocado, no mais valendo a liberdade conformadora do legislador para a ampliação ou a restrição das formas existentes de impugnação das decisões judiciais ou a adopção de outras, como ainda recentemente se reafirmou (acórdãos nºs. 604/98 e 605/98, ainda inéditos).
5. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, negando-se provimento ao recurso e condenando-se o recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 4 de Fevereiro de 1999- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida