Imprimir acórdão
Proc. nº. 208/97 TC -1ª Secção Rel.: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Vem o presente recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido na Secção Social em 12.03.97 que, negando provimento ao recurso para ali interposto de acórdão proferido pela Relação de Lisboa, não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 2º, nº. 3 do Decreto-Lei nº.
398/83, de 2 de Novembro, em consequência, confirmando o acórdão recorrido.
Inconformado, o recorrente D... interpôs recurso para este Tribunal, alegadamente ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro.
Apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
'a) – A norma do nº 3 do artº. 2º do DL 398/83 de 2/11, ao dispor que durante a suspensão do contrato de trabalho, mesmo que por motivo de doença ou de incapacidade e mesmo que absoluta para o trabalho, não se interrompe o decurso do prazo de caducidade, viola o Princípio de Igualdade consignado no artº. 13 da Constituição da República.
b) Pelo que, tal norma, é materialmente inconstitucional.'
Contra-alegou a recorrida, tendo formulado como conclusões:
'A – A declaração de inconstitucionalidade do nº. 3 do artigo 2º do D.L. 398/83 não põe em crise a decisão da causa, porquanto: o Mesmo que inexistisse o normativo legal em apreço, sempre o direito do Recorrente já se teria extinto; o Não existe qualquer disposição, quer na lei civil quer laboral, que determine a suspensão ou interrupção do prazo de caducidade; o O disposto no nº. 3 do artigo 2º do D.L. 398/83 (por lapso manifesto escreveu-se 'nº. 2 do artigo 3º') mais não constitui do que uma repetição do disposto no artigo 328º do Código Civil, ou seja, o transpôr de tal normativo para a legislação laboral.
B – A protecção dos direitos dos cidadãos doentes ou sinistrados no que respeita a impossibilidade de exercer o direito de rescindir o contrato de trabalho dentro do prazo de caducidade estabelecida na lei, está protegida pelo disposto no artigo 146º do C.P.C., ou seja, pela figura do 'justo impedimento';
o Não existe por esta forma tratamento discricionário dos cidadãos doentes ou sinistrados em relação aos outros trabalhadores.
Pelo que o disposto no nº. 3 do artigo 2º do Decreto – Lei 398/83 de 2.11 não se pode considerar materialmente inconstitucional'.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. A norma cuja inconstitucionalidade vem suscitada pelo recorrente é a norma constante do artigo 2º, nº. 3 do Decreto-Lei nº. 398/83 de 2 de Novembro, que dispõe:
'Durante a redução ou suspensão não se interrompe o decurso do prazo para efeitos de caducidade, e pode qualquer das partes fazer cessar o contrato nos termos gerais.'
No entendimento do recorrente, esta citada norma viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
A violação de tal princípio residiria, para o recorrente, no facto de a lei ter dado tratamento igual para situações que merecem, à luz do mesmo princípio, tratamento diverso.
E as situações em confronto são, para o recorrente, embora não muito explicitamente, duas: a. - a) a dos trabalhadores com ou sem incapacidade para o trabalho. b. - b) a dos trabalhadores com incapacidade para o trabalho face à sua entidade patronal.
Nestes casos, não seria constitucionalmente legitimo, por força do principio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, que, para os primeiros, em cada uma das situações, se não interrompesse o prazo de caducidade – no caso, do direito de rescisão do contrato laboral, com justa causa – como se não interrompe para os segundos.
Por outras palavras, o trabalhador que tem o seu contrato de trabalho suspenso, por motivo de impossibilidade temporária absoluta para trabalho, não pode estar sujeito à norma ínsita no artigo 2º, nº 3, do Decreto-Lei nº 398/83, nos mesmos termos em que esta se aplica a trabalhadores que não sofrem de incapacidade e às entidades patronais.
Como é jurisprudência reiterada deste Tribunal, o princípio da igualdade abrange a proibição de arbítrio, a proibição de discriminações e a obrigação de diferenciação.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 127 e ss., referem a proibição de arbítrio como 'um limite externo da liberdade de conformação da decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes', mas tal proibição 'ao valer como princípio objectivo de controlo, não significa em si mesma, simultaneamente, um direito subjectivo público a igual tratamento (...)'.
'(...) A proibição de discriminações (nº. 2) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento.
(...) O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no nº. 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo.
A obrigação de diferenciação para se compensar a desigualdade de oportunidades significa que o princípio da igualdade tem uma função social, o que pressupõe o dever de eliminação ou atenuação, pelos poderes públicos, das desigualdades sociais, económicas e culturais, a fim de se assegurar uma igualdade jurídico-material. É neste sentido que se devem interpretar algumas normas da Constituição que estabelecem 'discriminações positivas'.
Na mesma linha de orientação, escreveu-se no acórdão deste Tribunal nº. 223/95, in DR, II Série, de 27.06.95:
'O princípio da igualdade (...) apenas proíbe que as situações da vida semelhantes recebam tratamento diferenciado que se não justifique nas diferenças existentes entre elas. Ou seja, proíbe o arbítrio ou o capricho do legislador, pois que este, no exercício da sua liberdade de conformação, há-de orientar-se sempre por critérios racionais – há-de agir racionalmente, editando normas razoáveis, pois que a lei será Direito se for uma racionalidade'.
À luz destas considerações, não se impunha, tal como decidido no acórdão recorrido, que os trabalhadores com o seu contrato de trabalho suspenso por incapacidade temporária absoluta, merecesse tratamento jurídico diverso do que vem estatuído no artigo 2º, nº 3 do Decreto-Lei nº 398/83.
Na verdade, a irrelevância da situação concreta de incapacidade para o trabalho, que determina a suspensão do contrato laboral, para efeitos de (não) interrupção do prazo de caducidade (no caso, do direito de rescisão do contrato), assenta num fundamento razoável e justo, adequado à natureza das coisas.
É que o exercício dos direitos – ou, mais concretamente, do direito de rescisão do contrato – não está, em condições normais, dependente da capacidade que o seu titular dispõe para o trabalho; por outras palavras, a incapacidade para o trabalho não limita ou constrange, em regra, aquele exercício, de tal forma que se exija um tratamento diferenciado, compensatório da situação de incapacidade, no âmbito do regime geral da interrupção dos prazos de caducidade.
A incapacidade física, que impossibilita a prestação efectiva de trabalho, não é, em suma, causa de incapacidade de exercício do direito de rescisão do contrato laboral.
Por outro lado, no acórdão recorrido deixou-se expresso que 'o facto de o A se encontrar com o contrato suspenso por motivo de doença não o impedia de defender a sua posição laboral, a não ser que se verificassem condições que efectivamente o impedissem de se defender, condições essas que não foram alegadas'.
Ora isto indicia que, para o acórdão recorrido, uma situação de impossibilidade efectiva do exercício do direito, poderia ser considerada ao abrigo de outras normas – cuja constitucionalidade não está agora em causa – ponderação que acaba por não se fazer em virtude de o recorrente não ter invocado quaisquer factos integradores de tal impossibilidade.
O tratamento igualitário que flui da norma constante do artigo 2º, nº 3 do Decreto-Lei nº 398/83 está, assim, racionalmente justificado, já que a diversidade de situações abrangidas não imporia, para os fins em causa, tratamento diverso.
3. Decisão
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999 Artur Maurício Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa