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Processo nº 781/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente o Ministério Público e são agora recorridos A., J. e M., todos sócios e liquidatários da sociedade M. V., Ldª, a primitiva recorrida, lavrou o Relator a seguinte exposição:
“1. O Ministério Público junto das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional em requerimento que se passa a transcrever:
‘O Ministério Público, junto das Secções Cíveis do S.T.J., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 72º nº 1, a) e 70º, nº 1 b) da Lei nº 28/82, de 15.11, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do douto Acórdão de 28.10.97, proferido na revisão referenciada em epígrafe, que negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, confirmou o douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 16.01.97. Fundamenta-se o recurso no facto do acórdão recorrido ter fixado indemnização a pagar pelo Estado profundamente exagerada e desproporcionada, já que foi desacompanhada de análise objectiva da situação, ao ter-se considerado existir uma zona da parcela expropriada com capacidade edificativa, o que não corresponde à realidade.
Tal ocorreu após interpretação e aplicação dos artigos 27º, nº 1 e 28º, nº 1 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11.12, com clara violação do artigo 62º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
A mencionada inconstitucionalidade foi suscitada pelo Ministério Público no decurso do processo de expropriação em apreço’.
2. O acórdão recorrido, no tocante ao recurso do Ministério Público, posicionou-se nestes termos:
‘16. Resta apreciar o recurso do Acórdão da Relação, de 16/1/97 (fls. 615/628) interposto pelo Exmº Magistrado do Ministério Público.
Para demonstrar a sua improcedência, porém, pouco há a dizer, tendo em conta, até, o que atrás se escreveu.
Quanto à questão da suspensão da instância, salientar-se-á que esta era de todo injustificada, quer porque idêntico pedido já havia sido indeferido por despacho transitado em julgado (fls. 134), quer porque, como vimos, a decisão desta causa não estava dependente da decisão do recurso contencioso de anulação então pendente no STA.
O que conduz ao naufrágio da conclusão I do nº 6.
Soçobra, igualmente, a conclusão II, na medida em que o recurso para este Supremo Tribunal tem de visar o acórdão da Relação e o que se ataca, aí, é a decisão da 1ª instância.
Nas conclusões III e IV, por fim, pretende o recorrente discutir o valor de indemnização arbitrada.
Simplesmente, tanto à luz do Código das Expropriações de 1976 (art. 46º nº 1 do DL 845/76, de 11 de Dezembro), aqui aplicável, como à luz do Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº 438/91, de 9 de Novembro (cfr. Assento de
30/05/95, in DR, I Série-A, de 15/5/97), é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor de indemnização devida em expropriação’.
E as citadas conclusões III e IV das alegações do Ministério Público recorrente estão assim transcritas no mesmo acórdão:
‘III - O Acórdão recorrido (o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Janeiro de 1997) 'considerou que nenhuma nulidade ou ilegalidade foi cometida pelo Tribunal da 1ª instância', quando a verdade é que 'o laudo acolhido na sentença viola frontalmente o disposto no art. 62º do DL 794/76' e 'o Ac. do T. Constitucional nº 131788, de 29/6/88, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 30º do C. das Expropriações'.
IV - O mesmo acórdão, 'na parte em que fixou a indemnização a pagar pelo Estado, não fez uma análise objectiva da situação, considerando existir uma zona da parcela expropriada com capacidade edificativa, que não existe, arbitrando uma indemnização profundamente desproporcionada', pelo que os arts. 27º nº 1 e 28º nº 1 do C. das Expropriações, 'na interpretação', que nele lhes foi dada,
'violam o disposto no art. 62º nº 2 da CRP'’.
3. Daqui decorre, à evidência, que no acórdão recorrido não se fez a aplicação das normas questionadas dos artigos 27º, nº 1, e 28º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, que se reportam à matéria da fixação da indemnização, exactamente porque nele se considerou que ‘é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida em expropriação’.
Isto significa que o Supremo Tribunal de Justiça, tendo presente que o Ministério Público recorrente pretendia ‘discutir no valor de indemnização arbitrada’, não se pronunciou, ainda que implicitamente, sobre tal matéria, por entender que não cabia o objecto do recurso decidir ‘sobre a fixação do valor de indemnização devida em expropriação’.
Tanto basta para concluir que falta um dos pressupostos do presente recurso de constitucionalidade - o da aplicação das normas jurídicas cuja inconstitucionalidade haja sido arguida durante o processo (artigo 70º, nº 1, b), da Lei nº 28//82) - e, consequentemente, não se pode tomar conhecimento do recurso.
4. Ouçam-se as partes por cinco dias nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/ /89, de 7 de Setembro”.
B. Ouvidas as partes, veio o Ministério Público responder, terminando por pedir que “deverá o presente recurso prosseguir os seus trâmites normais”, na base das seguintes considerações:
__reconhecendo que o acórdão recorrido “limitou-se a dirimir questão estritamente procedimental, traduzida em saber se cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pela Relação, em processo expropriativo, sobre o montante da indemnização devida pelo expropriante”, a verdade é que, “apesar de uma formulação eventualmente menos clara”, o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade “deve ser interpretado e entendido como traduzido a manifestação da vontade de recorrer do acórdão proferido pela Relação de Lisboa sobre tal questão - e que se tornou decisão ‘última’ e ‘definitiva’, dentro da ordem dos tribunais judiciais, sobre tal tema, após ser proferida a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não tomou conhecimento do recurso”, fundando-se “tal requerimento no preceituado no artigo 75º, nº 2, da Lei nº 28/82” (“Ou seja: apesar de uma formulação não totalmente clara e concludente, no que toca à precisa identificação da decisão recorrida, parece-nos que o requerimento de fls. 846 poderá comportar, quando devidamente interpretada, a manifestação da vontade de impugnar o acórdão confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido pela Relação em 16 de Janeiro de 1997 - e em que se fixou o montante da indemnização devida ao expropriado - surgindo a referência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apenas na perspectiva de se integrar a estatuição constante do nº 2 do artigo
75º da Lei nº 28/82”).
__requerendo, em tal sentido, “a rectificação ou aclaração de tal requerimento - sendo a proferida pela Relação a decisão de que efectivamente se pretendeu recorrer, fundando-se a tempestividade de tal recurso na estatuição do nº 2 do artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional e tendo como objecto a questão de inconstitucionalidade normativa identificada a fls. 846 v., suscitada no
‘parecer’ do representante do Ministério Público junto da Relação de Lisboa”. C. Responderam também os agora recorridos A., J. e M., todos sócios e liquidatários da sociedade M. V., Ldª, sustentando que “é doutamente fundada a orientação” a que aderiu aquela EXPOSIÇÃO e requerendo ainda que “prossigam os autos com os ora requerentes” (juntaram com a resposta procurações e um documento relativo à dissolução da sociedade com habilitação notarial). D. Vistos os autos, cumpre decidir. O entendimento assumido na EXPOSIÇÃO não foi abalado pelo Ministério Público recorrente, que reconheceu ser “inquestionável que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 28 de Outubro de 1997 não se pronunciou sobre o montante da indemnização arbitrada, não podendo, consequentemente ter aplicado as normas cuja constitucionalidade o representante do Ministério Público junto da Relação de Lisboa havia questionado, no seu ‘parecer’ a fls. 610/611”. O que fica, portanto, por saber é se a “formulação não totalmente clara e concludente” do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, talqualmente se expressa o Ministério Público, permite recuperar como decisão objecto desse recurso o acórdão do tribunal de relação, à luz do artigo 75º, nº
2, da Lei nº 28/82, admitindo-se e deferindo-se, por consequência, a rectificação ou aclaração do dito requerimento. Só que não se vislumbra nenhum erro, nem sequer obscuridade ou imperfeição, no requerimento em causa, antes ele é claro e inequívoco na sua expressão literal, quando, pelo menos, identifica a decisão recorrida. Com efeito, lê-se nele que o recurso de constitucionalidade vem interposto “para o Tribunal Constitucional, do douto acórdão de 28.10.97, proferido na revista referenciada em epígrafe” (e é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), citando-se “os artigos 72º, nº 1, a) e 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15.11”.
A referência no mesmo requerimento ao acórdão anterior do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem indicação do artigo 75º, nº 2, da mesma Lei nº 28/82, e a identificação da questão da inconstitucionalidade, não são razão bastante para erigir como objecto do recurso aquele acórdão, considerando-se ainda tempestiva a interposição do recurso. Doutro modo, estar-se-ia a admitir, fora do condicionalismo legal, a substituição do primitivo requerimento pelo pedido agora feito neste Tribunal Constitucional pelo Ministério Público. Com o que não pode ser atendido o pedido de “rectificação ou aclaração” formulado pelo Ministério Público recorrente.
E. Termos em que se DECIDE:
a) julgar habilitados, face à prova documental, os recorridos A., J. e M., em substituição da sociedade M. V., Ldª, para com eles prosseguirem os autos e seus legais termos;
b) não tomar conhecimento do recurso.
Lx. 29.9.98 Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Beleza Luis Nunes de Almeida