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Proc. nº 632/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - No Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, A., juiz desembargador jubilado, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do director coordenador da Direcção dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Depósitos, de 29 de Julho de 1993, pelo qual lhe foi indeferido um requerimento peticionando que a pensão por incapacidade atribuída por despacho de 25 de Novembro de 1975, e reportada a 26 anos, 7 meses e 1 dia de serviço, fosse objecto de novo cálculo tendo por referência 36 anos de serviço, em conformidade com o disposto nos artigos 66º e 67º, nº 1 da Lei nº 21/85, de 30 de Julho e 3º da Lei nº 2/90, de 30 de Janeiro.
Por sentença de 27 de Setembro de 1994, foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto recorrido.
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2 - Desta decisão levou a Caixa Geral de Aposentações recurso ao Supremo Tribunal Administrativo, suscitando, além do mais, a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 66º e 67º, nº 1 da Lei nº 21/85 e
3º da Lei nº 2/90, na interpretação que ali lhes foi atribuída.
Por acórdão de 4 de Julho de 1995, foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença impugnada.
Para tanto, e no que à matéria da inconstitucionalidade respeita, desenvolveu-se ali a seguinte linha argumentativa:
'O sentido que decorre, quer da letra quer do espírito, da disposição do artº 66º da Lei nº 21/85 é, pois, o de que os magistrados judiciais aposentados ou jubilados por incapacidade, nos termos do artº 67º do respectivo Estatuto, têm direito à pensão por inteiro, independentemente do tempo de serviço, direito que assiste ao ora recorrido, jubilado por incapacidade, conforme vem decidido na sentença sob recurso.
Em sentido contrário, não colhe o argumento da recorrente de que é inconstitucional a referida norma do artº 66º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, ou a do artº 3º da Lei 2/90, de 30 de Janeiro, na interpretação que ficou consignada, por violar o princípio constitucional da igualdade (artº 13º) ao conceder a uma determinada categoria profissional o direito, sem paralelo e sem fundamento visível, a uma pensão por inteiro, qualquer que seja o tempo de serviço prestado e ainda por violar a norma do artº 63º, nº 5 da Constituição
'de onde decorre que o tempo de serviço constitui o factor primordial e omnipresente do cálculo das pensões' (sic).
Na verdade, como se diz no referido acórdão de 24.09.92, [acórdão do Supremo Tribunal Administrativo tirado no recurso nº 30448] a especialidade deste regime 'encontra a sua justificação na natureza das funções que a própria Constituição comete aos Tribunais, como órgãos de soberania (cfr. os artºs 205º,
206º e 208º do seu texto)'.
O que aliás, não constitui caso isolado como resulta do regime das subvenções vitalícias, por incapacidade e por morte de que gozam, com justificações do mesmo género, os titulares de cargos políticos, de acordo com as pertinentes normas da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/87, de 1 de Junho, máxime os seus artºs 24º, 25º e
27º.
Não ocorre, assim, a invocada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade consignado no artº 13º da Constituição.
Por outro lado também não se vê como possa a norma do artº 66º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, violar o disposto no artº 63º, nº 5 da Lei Fundamental.
Refere, com efeito, esta norma que 'todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado'.
Trata-se de uma disposição constitucional que pretende garantir o aproveitamento, nos termos da lei, de todo o tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez e a acumulação para os mesmos efeitos dos tempos de trabalho prestados em várias actividades e que manifestamente não é violada pela norma em apreço que se situa fora do âmbito da sua previsão.'
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3 - Aquela entidade, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, trouxe então recurso de constitucionalidade a este Tribunal.
E, nas alegações depois oferecidas, traçou o seguinte quadro conclusivo:
'1ª Se a norma do artº 66º da Lei nº 21/85, ou do nº 2 do artº 64º da Lei nº 85/77, ou do artº 3º da Lei nº 2/90, ou qualquer outra norma, devesse ser interpretada como consagrando o direito à pensão por inteiro dos magistrados, independentemente do tempo de serviço, tal norma teria de ser considerada inconstitucional e, logo deveria o Tribunal ter recusado a sua aplicação nos termos do artº 207º da Constituição da República.
2ª É que viola o princípio constitucional da igualdade (artº 13º) a norma que conceda a uma determinada categoria profissional o direito - sem paralelo e sem fundamento visível - a uma pensão por inteiro, qualquer que seja o tempo de serviço prestado.
3ª A própria igualdade entre magistrados ficaria posta em causa: por exemplo, um juiz conselheiro com um dia de serviço teria uma pensão idêntica a um colega com muitos anos de serviço no Supremo. O princípio da interpretação conforme à Constituição impõe o afastamento de uma interpretação da lei que conduzisse a tais resultados.
4ª Por outro lado, a irrelevância do tempo de serviço confrontar-se-ia com o disposto no nº 5 do artº 63º da Constituição, de onde decorre que o tempo de serviço constitui o factor primordial e omnipresente do cálculo das pensões - ao contrário da remuneração do activo, à qual nenhuma referência aparece aí feita.'
Contralegando, desenvolveu o recorrido uma retórica argumentativa de sinal contrário, dizendo assim nas conclusões que formulou:
'1 - Os Magistrados Judiciais regem-se, no que respeita às suas jubilações, por leis específicas e autónomas;
2 - Aos Magistrados Judiciais jubilados não se aplica o estatuto da função pública;
3 - O órgão próprio legislativo não cometeu qualquer inconstitucionalidade, pois sabe que o Artº 13º da Constituição tem campo de acção próprio e só dentro de cada dispositivo específico não pode haver desigualdade.
4 - Os Tribunais (Círculo e STA) apreciaram a inconstitucionalidade invocada, mas não a aceitaram;
5 - Fica assim reconhecido que as Leis 21//85 e 2/90 não violaram qualquer princípio constitucional.'
Os autos seguiram os vistos de lei, cabendo agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - A Lei nº 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), no Capítulo V (Aposentação, Cessação e Suspensão de Funções), Secção I (Aposentação), nos artigos 64º a 69º, rege sobre a aposentação e jubilação dos magistrados judiciais, fixando neste último preceito um regime supletivo e subsidiário nos termos do qual em tudo o que não estiver regulado naquele Estatuto será aplicável o regime estabelecido para a função pública.
E, relativamente à aposentação por incapacidade, nos artigos
65º e 66º dispõe assim:
Artigo 65º
(Aposentação por incapacidade)
1 - São aposentados por incapacidade os magistrados judiciais que, por debilidade ou entorpecimento das faculdades físicas ou intelectuais, manifestados no exercício da função, não possam continuar nesta sem grave transtorno da justiça ou dos respectivos serviços.
2 - Os magistrados que se encontrem na situação referida no número anterior são notificados para, no prazo de trinta dias, requererem a aposentação ou produzirem, por escrito, as observações que tiverem por convenientes.
3 - No caso previsto no nº 1, o Conselho Superior da Magistratura pode determinar a imediata suspensão do exercício de funções do magistrado cuja incapacidade especialmente a justifique.
4 - A suspensão prevista no presente artigo é executada por forma a serem resguardados o prestígio da função e a dignidade do magistrado e não tem efeito sobre as remunerações auferidas.'
Artigo 66º
(Efeitos da aposentação por incapacidade)
A aposentação por incapacidade não implica redução da pensão.
Por outro lado, o instituto da jubilação dos magistrados judiciais, a sua natureza, modo de aquisição e o conjunto de direitos e obrigações que lhe são próprios, mostram-se regulados nos artigos 67º e 68º daquela lei, aquele com a redacção dada pela Lei nº 10/94, de 5 de Maio.
Entretanto, a Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, que introduziu alterações naquele diploma, completando a disciplina jurídica da jubilação, prescreveu assim no artigo 3º:
Artigo 3º
(Magistrados jubilados)
1 - O disposto na presente lei é aplicável aos magistrados jubilados a que se referem o artigo 67º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, e o artigo 123º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.
2 - As pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.
3 - As disposições da presente lei são aplicáveis a todos os magistrados, quer se hajam jubilado antes ou depois de 1 de Janeiro de 1989.
O acórdão recorrido, apreciando e interpretando este quadro normativo, estabeleceu que do sentido dele decorrente, em especial da norma do artigo 66º, resulta que os magistrados judiciais aposentados ou jubilados por incapacidade, 'têm direito à pensão por inteiro, independentemente do tempo de serviço'. *///*
2 - Em conformidade com o Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 478/72, de 9 de Dezembro, na versão actualmente em vigor, a aposentação pode ser ordinária ou extraordinária, conforme assente no exercício prolongado da função pública ou em facto anómalo que dispense tal requisito e voluntária ou obrigatória, consoante deriva da iniciativa do subscritor ou lhe é imposta, seja directamente pela lei, seja por acto da Administração. (artigo
36º)
A aposentação ordinária pode verificar-se, independentemente de qualquer outro requisito, quando o subscritor contar, pelo menos, 60 anos de idade e 36 de serviço. Há ainda lugar a aposentação ordinária quando o subscritor, tendo, pelo menos, 5 anos de serviço: (a) seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício da suas funções; (b) atinja o limite de idade legalmente fixado para o exercício das suas funções;
(c) seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente.
Ao contrário, a aposentação extraordinária verifica-se independentemente do pressuposto de um certo tempo de serviço, em qualquer dos casos seguintes: (a) incapacidade permanente e absoluta do subscritor para o exercício das suas funções em virtude de acidente de serviço ou de doença contraída neste e por motivo do seu desempenho; (b) igual incapacidade em virtude de acidente ou doença resultantes da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; (c) simples desvalorização permanente e parcial na capacidade geral de ganho devida aos acidentes ou doenças referidas nas alíneas anteriores.
A aposentação extraordinária, contrariamente ao que acontece na aposentação ordinária, há-de radicar em acidente de serviço ou facto que por lei lhe seja equiparado.
O acidente caracteriza-se pela ocorrência de uma causa externa, súbita e violenta que atinge o trabalhador, provocando-lhe lesão ou doença. A exterioridade da causa significa que não pode ser inerente à própria pessoa da vítima; a subitaneidade apenas terá de reportar-se a determinada limitação no tempo, sem que a ocorrência da causa seja de aparecimento lento e progressivo (caso da doença profissional), independentemente de os respectivos efeitos poderem ter evolução gradual; a violência indicia-se na própria causa, e não nos seus efeitos lesivos, pelo seu carácter agudo e idóneo para produzir estes na pessoa da vítima, sem limitação ao campo da energia física (cfr. neste sentido António José Simões de Oliveira, Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, p. 102, bem como os aí citados pareceres da Procuradoria Geral da República, de 30 de Setembro de 1958 e 31 de Julho de
1970, Diário do Governo, de, respectivamente, 23 de Dezembro de 1958 e 6 de Novembro de 1970).
Pela passagem à situação de aposentado o interessado adquire o direito à pensão de aposentação, sendo que são diversas as regras relativas ao seu cálculo, consoante se trate de aposentação ordinária ou extraordinária.
Enquanto na aposentação ordinária a pensão é igual à trigésima sexta parte da remuneração que lhe serve de base multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a aposentação até ao limite máximo de trinta e seis anos (artigo 53º, nº 1), na aposentação extraordinária o tempo de serviço do subscritor para a fixação da pensão considera-se equivalente a 36 anos (artigo 54º).
Na aposentação extraordinária o legislador tendo em conta que o interessado - vítima de acidente de serviço ou facto equiparado - se vê por tal razão impedido de perfazer o tempo necessário para a atribuição de uma pensão com o valor máximo e porque lhe reconhece o direito de ser indemnizado pela incapacidade sofrida, faz equivaler, em princípio, a trinta e seis anos o tempo de serviço do aposentado, tempo de serviço esse que, no plano da realidade concreta, pode variar entre um dia e trinta e seis anos.
E, obviamente, a equiparação assim estabelecida não envolve qualquer encargo por parte do interessado em relação à diferença verificada, pois que representa, no particular quadro em que se inscreve, uma forma de se calcular e atribuir uma pensão de aposentação reportada ao seu limite máximo.
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3 - No Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei nº
44278, de 14 de Abril de 1962, depois de se dispor no nº 1 do artigo 156º, que a aposentação dos magistrados judiciais 'está sujeita às leis que regulam as aposentações dos funcionários do Estado', acrescentavam-se, nos nºs 2 a 4 do mesmo preceito, regras relativas à aposentação dos magistrados com mais de quarenta anos de serviço e sessenta de idade que tivessem requerido a aposentação e também à situação daqueles que, com menos tempo, tenham sido julgados 'absolutamente incapazes'.
Porém, não se estabelecia naquele diploma, qualquer critério específico relativo ao cálculo das respectivas pensões de aposentação.
Contudo, quando na sequência da revisão da legislação vigente sobre a organização dos tribunais e o estatuto dos juizes imposta pelo artigo
301º da versão originária da Constituição, veio a ser aprovada a Lei nº 85/77, de 13 de Dezembro (Estatuto dos Magistrados Judiciais) para além de se prever no nº 1 do artigo 64º, a faculdade de o Conselho Superior da Magistratura poder aposentar os magistrados judiciais quando, pela debilidade ou entorpecimento das suas faculdades físicas ou mentais manifestadas no exercício da função, não pudessem continuar no exercício do cargo, sem grave transtorno da justiça ou dos respectivos serviços, acrescentou-se no nº 2 que 'a aposentação a que se refere o número anterior não implica redução de pensão'.
A norma do nº 1 veio a dar origem ao artigo 65º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21//85, autonomizando-se a norma do nº 2, no correspondente artigo 66º.
Cabe recordar que segundo a versão originária do artigo 56º do Estatuto da Aposentação, no caso de aposentação compulsiva, em princípio, a pensão era reduzida a 75 por cento do seu montante normal, vindo este preceito a ser alterado pelo Decreto-Lei nº 191-A/79, de 25 de Julho, em termos de passar a dispor que 'na aposentação compulsiva a pensão normalmente fixada não terá qualquer redução'.
Ora, segundo a entidade recorrente a aposentação por incapacidade concedida ao recorrido reveste a natureza de uma aposentação ordinária obrigatória (compulsiva, sem conteúdo disciplinar) e daí que, em obediência ao disposto no artigo 53º do Estatuto da Aposentação, houvesse de se atender no processo de sua determinação ao tempo de serviço prestado pelo respectivo interessado.
É que, acrescenta, a norma do artigo 66º do Estatuto dos Magistrados Judiciais não pode ser interpretada como significando ser despiciendo esse tempo de serviço, e a sê-lo incorrerá então no vício de inconstitucionalidade por ofensa aos artigos 11º e 63º, nº 5 da Constituição.
Será efectivamente assim?
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4 - O princípio da igualdade começou por ser entendido no constitucionalismo liberal do séc. XIX em termos de exclusiva incidência no domínio da aplicação da lei por forma a impedir diferenças de tratamento ainda provenientes da ordem feudal ou do Estado estamental.
Esta perspectiva exclusivamente formal, segundo a qual a igualdade se concretizava através de uma igual aplicação da lei a todos os cidadãos - através da generalidade da lei, alcançava-se a igualização dos cidadãos - traduzia-se numa pura exigência de generalidade da lei, apresentando-se o princípio da igualdade como um mero princípio de prevalência da lei.
Todavia, pouco a pouco, o princípio evoluiu na sua essência estruturadora do regime geral dos direitos fundamentais e do próprio sistema constitucional global, apresentando-se como princípio oponível ao próprio legislador.
Hoje em dia, a igualdade perante a lei não é mais uma mera igual aplicação da lei a todos os cidadãos, afirmando-se, sobretudo, como uma igualdade na lei ou, se se quiser, uma igualdade através da lei.
A sua base material é a igual dignidade social de todos os cidadãos, que, por seu turno, representa um corolário da igual
dignidade humana de todas as pessoas. Trata-se pois de um valor judicializado que preside a todos os actos jurídicos, a começar pelo acto legislativo. O legislador não pode introduzir diferenciações na estatuição sobre 'facti species' essencialmente idênticas, isto é, o princípio da igualdade veda-lhe que trate desigualmente aquilo que é essencialmente igual e que trate igualmente aquilo que é essencialmente desigual.
Mas porque a semelhança nas situações da vida nunca é total visto que por natureza tais situações não se reproduzem integralmente, importará, numa prévia definição, encontrar o atributo que, retirado do todo, permite o estabelecimento da igualdade, isto é, delimitar quais os elementos de semelhança que, para além dos inevitáveis elementos diferenciadores, devem estar presentes para se poder afirmar a igualdade de duas situações em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico.
Sendo a igualdade em sentido material um conceito relativo entre duas situações, importa que o elemento relacionador, como elemento característico de tais situações, nelas se encontre presente. Tais situações serão consideradas iguais (ou desiguais), merecendo por isso um tratamento jurídico igual (ou desigual), consoante o elemento relacionador que se elegeu como critério de comparação, nelas se verifique ou não verifique.
Mas a definição do critério em que se reporta o juízo de igualdade pressupõe uma prévia valoração da realidade, apresentando-se com um conteúdo indissociavelmente ligado aos fins que se pretendem alcançar com o estabelecimento da igualdade. 'A qualificação de uma situação como igual a outra inclui, necessariamente, a razão pela qual ela deve ser tratada de certo modo'.
O princípio da igualdade reconduz-se assim a uma proibição de arbítrio sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais.
A proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controle.
A vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente.
Mas existe, sem dúvida, violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por ausência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.
Por outro lado, as medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não devendo basear-se em qualquer razão constitucionalmente imprópria (cfr. sobre a matéria, por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 44/84, 425/87, 39/88 e 231/94, Diário da República, II série, de respectivamente, 11 de Junho de 1984 e 5 de Janeiro de 1988 e I série, de respectivamente, 3 de Março de 1988 e 28 de Abril de 1994, e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pp. 127 e ss; Jorge Miranda, 'O regime dos direitos, liberdades e Garantias, Estudos sobre a Constituição, vol. III, pp. 50 e ss. e Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra, 1993, p. 219; Maria da Glória Ferreira Pinto, Princípio da Igualdade - Fórmula Vazia ou Fórmula Consagrada de Sentido?,, Separata do B.M.J. nº 358, Lisboa, 1987; Lívio Paladin, Il princípio costituzionale d'eguaglianza, Milão, 1965).
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5 - Na linha das considerações antecedentes pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico.
E, cabe recordar, como repetidamente tem sido assinalado pela jurisprudência constitucional que aos tribunais, na apreciação do princípio da igualdade, não compete verdadeiramente 'substituirem-se' ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução 'razoável', 'justa' e 'oportuna' (do que seria a solução ideal do caso); aos tribunais compete, sim, 'afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de se credenciarem racionalmente'
(cfr. por todos, os acórdãos da Comissão Constitucional nº 458, apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983, p. 120 e do Tribunal Constitucional nº 634/95, Diário da República, II Série, de 20 de Abril de
1996).
Ora, nesta perspectiva das coisas, há-de dizer-se que a norma do artigo 66º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, não se apresenta como desrazoável ou inaceitável no contexto do ordenamento, tendo em conta os específicos valores que estão em causa e os fins visados com a aposentação e jubilação dos magistrados judiciais.
Com efeito, a situação económica e social dos titulares dos
órgãos de soberania mereceu, desde logo, por parte do legislador constitucional um tratamento que visa salvaguardar o prestígio das instituições do Estado e daqueles que em cada momento as representam. E tal preocupação tem sido reiterada pelo legislador ordinário, designadamente pela Assembleia da República, nos diversos diplomas respeitantes ao estatuto dos titulares dos
órgãos de soberania.
Ora, como a propósito de outras situações similares se acentuou (cfr. os acórdãos nº 40/88 e 448/93, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 13 de Abril de 1988 e 5 de Maio de 1994, nos quais se apreciou, no primeiro, as normas do Decreto-Lei nº 384/84, de 5 de Dezembro, que concederam aos militares que desde 25 de Abril de 1976, desempenharem as funções de membros do extinto Conselho da Revolução, uma contagem qualificada do tempo de serviço para efeitos de passagem à situação de reserva, e no segundo, a natureza e sistema de atribuição aos titulares de cargos políticos do subsídio de reintegração a que se reportam os artigos 31º e 33º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril), no plano da salvaguarda desses valores, é especialmente importante a situação dos titulares dos órgãos de soberania, enquanto no exercício de funções, se bem que não possam ser indiferentes ao prestígio de tais órgãos e do próprio Estado as condições económicas e sociais em que passam a viver aqueles que um dia, como seus titulares, neles exerceram funções.
A esta luz, a aposentação dos magistrados judiciais por incapacidade - e diga-se que esta forma de aposentação, embora imposta, não se reveste de natureza sancionatória, assemelhando-se à aposentação extraordinária, se bem que sem a verificação dos específicos pressupostos de que esta depende - ao originar uma pensão por inteiro independentemente do tempo de serviço efectivamente prestado, não se apresenta como medida legislativa despojada daquele mínimo de suporte material indispensável à sua legitimidade constitucional.
Com efeito, compreende-se o sentido e alcance da solução encontrada quando se tem em consideração que os magistrados judiciais aposentados por incapacidade, hão-de ser portadores de 'debilidade ou entorpecimento das faculdades físicas ou intelectuais, manifestadas no exercício da sua função' em termos tais que os impossibilitam de continuar nesta sem grave transtorno da justiça ou dos respectivos serviços.
Em tal contexto, face a um grau tão elevado de incapacidade e procurando-se assegurar ao incapacitado - titular de um órgão de soberania - condições de sobrevivência dignas e consentâneas com o seu anterior estatuto profissional, pode afirmar-se existir ali a suficiente fundamentação material.
Assim sendo, não se tem a norma do artigo 66º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando interpretada no sentido de que os magistrados judiciais aposentados ou jubilados por incapacidade têm direito à pensão de aposentação por inteiro, independentemente do tempo de serviço, como violadora do artigo 13º da Constituição.
Como, do mesmo modo, e ao contrário do alegado pela recorrente, tal norma, assim interpretada, não viola o artigo 63º, nº 5, da Constituição que rege sobre o cálculo das pensões de velhice e invalidez no sistema de segurança social.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, no que respeita à questão de constitucionalidade, o acórdão impugnado.
Lisboa, 14 de Maio de 1997 Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida