Imprimir acórdão
Proc. nº 558/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A. e B. impugnaram no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra a liquidação do imposto sobre o valor acrescentado devido pela sociedade C., respeitante a transacções efectuadas nos anos de 1986, 1987 e 1988.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra, por decisão de 17 de Novembro de 1993, julgou improcedente a impugnação.
2. A. e B. interpuseram recurso para a 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 7 de Dezembro de 1994, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para tomar conhecimento do objecto do recurso, uma vez que os recorrentes pretenderam submeter à apreciação do tribunal questões de facto, sendo certo que o Supremo Tribunal Administrativo só aprecia questões de direito.
Os recorrentes requereram, em 24 de Fevereiro de 1995, a remessa do processo ao Tribunal Tributário de 2ª Instância (tribunal hierarquicamente competente). Porém, o Conselheiro relator no Supremo Tribunal Administrativo indeferiu o requerimento, por despacho de 8 de Março de 1995, em virtude de já ter decorrido o prazo de 14 dias, previsto no nº 1 do artigo 4º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
A. e B. reclamaram para a conferência do despacho de 8 de Março de 1995.
Os reclamantes, na fundamentação da reclamação, não questionaram a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo apenas sustentado a não aplicação dessa norma ao caso dos autos, em virtude de a mesma não ser aplicável aos recursos de decisões jurisdicionais.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 11 de Outubro de 1995, decidiu desatender a reclamação para a conferência, confirmando, consequentemente, o despacho reclamado.
3. A. e B. interpuseram recurso para o Pleno da Secção do acórdão de 11 de Outubro de 1995.
Os recorrentes sustentaram, nas alegações apresentadas, que a interpretação do artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, acolhida no acórdão recorrido, é inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 3º, 20º, 205º, nº 2 e 268º, nºs 1, 4 e 5, da Constituição.
O Conselheiro relator, por despacho de 14 de Novembro de 1995, rejeitou liminarmente o recurso interposto, dado não se verificar o requisito de admissibilidade previsto no artigo 30º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A. e B. reclamaram para a conferência do despacho de 14 de Novembro de 1995, sustentando de novo a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 13 de Março de 1996, desatendeu a reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Para tanto, considerou que o artigo 30º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, refere-se ao julgamento da questão de mérito pelo Secção do Supremo Tribunal Administrativo em primeira instância e não ao julgamento de incidentes com reclamação para a conferência.
4. A. e B. interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Março de 1996, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
No Tribunal Constitucional os recorrentes apresentaram alegações, que concluiram do seguinte modo:
Reproduzindo integralmente, para todos os efeitos legais, as conclusões constantes das referidas alegações apresentadas no STA em 02-05-96 e juntas ao Proc. nº 18.129, concluímos mais uma vez que é materialmente inconstitucional, por violação dos arts. 205º, nº 2, 214º, nº 3 e 268º, nºs 1 e
4, todos da CRP, o art. 4º, nº 1, da LPTA, quando interpretado no sentido que lhe foi dado pelo STA, imobilizando assim o conhecimento do mérito do recurso interposto atempadamente sem aviso prévio aos demandantes. Nessa medida ocorre violação dos princípios de boa fé e defesa dos administrados e dos preceitos constitucionais antes referidos.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por conseguinte, declarada a inconstitucionalidade material do aludido art. 4º, nº 1, da LPTA, ou em alternativa, seja feita adequação desta norma aos princípios e interesses constitucionais que no Acórdão sob censura, salvo erro, foram postergados, declarando a ilegalidade da interpretação dada pelo STA no aludido aresto, e com consequente remessa oficiosa dos autos ao tribunal tributário de 2ª instância para ali ser apreciado o mérito da causa
Por seu turno, a entidade recorrida concluiu as contra-alegações nos seguintes termos:
a) O nº 1 do artigo 4º da LEPTA confere ao demandante o direito de requerer a remessa ao tribunal competente, nos casos em que a petição seja dirigida a tribunal incompetente;
b) A regulamentação do exercício do direito, designadamente a consagração de um prazo para o efeito, não viola o direito à tutela jurisdicional;
c) O ónus de requerer a remessa ao Tribunal competente integra um requisito da faculdade legal conferida;
d) A preclusão processual do direito de requerer a remessa do processo não consubstancia denegação do direito à tutela jurisdicional.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que o Tribunal possa tomar conhecimento do seu objecto, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado a norma cuja conformidade à Constituição se questiona.
Há assim que averiguar se no presente caso se verifica esse pressuposto processual.
7. Os recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Tal norma estabelece que, quando a petição é dirigida a tribunal incompetente, o demandante pode requerer a remessa do processo ao tribunal competente, no prazo de 14 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência.
Ora, os recorrentes interpuseram o presente recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Março de 1996. Neste acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo procedeu à confirmação do despacho do Conselheiro relator de 14 de Novembro de 1995, que havia indeferido liminarmente o recurso interposto para o Pleno da Secção, por não se verificar o condicionalismo previsto no artigo 30º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, por o acórdão então recorrido não ter sido proferido pela Secção do Supremo Tribunal Administrativo em primeiro grau de jurisdição.
É verdade, porém, que o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 13 de Março de 1996, procedeu à apreciação de outras questões suscitadas pelos reclamantes, nomeadamente a da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Contudo, tal constituiu um mero obiter dictum, que não influiu na decisão tomada. Com efeito, o que estava então em causa era a confirmação ou a revogação do despacho de 14 de Novembro de 1995, que havia rejeitado liminarmente o recurso interposto para o Pleno da Secção, com fundamento no artigo 30º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A decisão de confirmação do despacho reclamado resultou, deste modo, da não verificação do requisito de admissibilidade para o Pleno da Secção, previsto no artigo 30º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Não interveio nesta decisão a aplicação da norma contida no artigo 4º, nº 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (que, como se referiu, estabelece o prazo em que deve ser requerida a remessa do processo ao tribunal competente).
Assim, a apreciação pelo Tribunal Constitucional da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º, nº 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, não surtiria agora qualquer efeito no presente processo, uma vez que o acórdão recorrido fundamentou a sua decisão na não verificação do condicionalismo previsto no artigo 30º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e não na aplicação de uma dada interpretação da norma agora impugnada.
A norma contida no artigo 4º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, foi aplicada no presente processo no despacho de 8 de Março de 1995 (que indeferiu o requerimento de remessa do processo ao tribunal competente) e no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Outubro de
1995 (prolatado na sequência da reclamação para a conferência do despacho de 8 de Março de 1995, e que confirmou o despacho reclamado).
Porém, os recorrentes não interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Outubro de 1995, nem sequer questionaram então, na fundamentação da reclamação, a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º, nº 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim, uma vez que a decisão recorrida (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Março de 1996) não se fundamentou na norma ora impugnada, há que concluir que não se verifica um pressuposto processual indispensável para a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, da questão de constitucionalidade normativa suscitada, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso [artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional].
III Decisão
8. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.
Lisboa, 13 de Maio de 1997 Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida