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Proc.Nº 338/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - A... propôs contra o BANCO P... uma acção emergente de contrato individual de trabalho para reconhecimento de direitos derivados da relação laboral que existiu entre ambos. Após decisão na 1ª instância e recurso para a Relação, esta anulou o julgamento, determinando que fossem formulados novos quesitos. Em novo julgamento a acção foi julgada improcedente e, em novo recurso para a Relação, esta julgou-o improcedente, confirmando a decisão recorrida.
O Autor, não se conformando com o assim decidido, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ) que, por acórdão de 16 de Outubro de 1996, decidiu negar a revista. Pedida a aclaração do acórdão, foi a mesma indeferida.
Notificado desta decisão, o Autor interpôs, por requerimento de 31 de Janeiro de 1997, recurso para o Tribunal Pleno invocando oposição de julgado com o Acórdão do STJ de 17 de Abril de 1991, de que junta certidão, sendo o recurso interposto ao abrigo do preceituado nos artºs 1º, nº1 e 74º, nº3, do Código de Processo do Trabalho e sem que até este momento tivesse sido suscitado, no processo, pelo recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade.
Este recurso para o Pleno não foi recebido, sendo o seguinte o despacho do Relator:
'Vem sendo entendimento uniforme nesta Secção Social e, ao que julgamos, na Secção Cível, o de que presentemente não é admissível o recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça em situações como a destes autos. O recurso deixou de ser possível pois que foram revogados, com aplicação imediata, os preceitos do Código de Processo Civil - na anterior redacção - que disciplinavam este recurso e não se criaram outros a torná-lo exequível. Por outro lado, na redacção actual do C.P. Civil, o recurso para o Tribunal Pleno tem uma finalidade e um processamento muito diferente dos anteriores. Por isso, não pode ser admitido o antecedente recurso.'
Notificado deste despacho, o recorrente reclamou para a conferência, pretendendo a revogação do despacho de inadmissão do recurso e que o mesmo fosse atendido e suscitando, pela primeira vez, a questão da inconstitucionalidade do artigo 17º, nº1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21 de Maio de 1997, decidiu indeferir a reclamação do recorrente, considerando que inexiste a alegada inconstitucionalidade.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, através do qual o recorrente pretende que se aprecie a conformidade à Lei Básica da norma do artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de
12 de Dezembro, quando interpretada no sentido de que, revogando imediatamente as normas do processo civil que previam o recurso para o Tribunal Pleno, impede a admissão de tal recurso no foro laboral, pois, assim entendida, a norma viola os artigos 13º, 18º e 20º da Constituição.
2. - Neste Tribunal, o recorrente apresentou as competentes alegações onde formulou as seguintes conclusões:
'1-As normas constantes do artº3º e 17º do relatório preambular do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, são inconstitucionais enquanto interpretadas no sentido de que incumbe ao Supremo Tribunal de Justiça, recusar a admissão de recurso para o Tribunal Pleno tendente a apreciar uma questão laboral sobre idêntica questão de facto e fundamentalmente de direito, alegada pelo Rte. no momento em que ainda não se encontrava em vigor o republicado CPC e que, veio, novamente, a ser requerida a sua apreciação, no âmbito a Aclaração do Acórdão, a
22-1-97 (data em que já se encontrava em vigor o artº 732º-A do republicado CPC) para assegurar a uniformidade da jurisprudência, com o fundamento de que o recurso deixou de ser possível por terem sido revogados os preceitos do CPC - na sua anterior redacção - que disciplinavam o recurso para o Pleno (artºs 763º a
770º do anterior CPC);
2-Já que, violam, materialmente, os princípios vertidos nos artºs 13º, 58º, nº3, alínea b) e os artºs 18º, nº2 e 20º da CRP, designadamente, o princípio da igualdade, do direito à justiça e o acesso aos tribunais, bem como afectam os direitos do Rte. que se consubstanciam no exercício de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos;
3-São ainda organicamente inconstitucionais as normas contidas no artº 3º e 17º do relatório preambular do Decreto-Lei nº329-A/95, de 12 de Dezembro, que revogaram os artºs 763º a 770º do anterior CPC, quando entendidas e aplicadas a processos de natureza laboral por violação do disposto na al. b) e q) do nº1 do artº 168 da CRP, já que a Lei nº 33/95, de 18 de Agosto, não conferiu autorização ao Governo para rever o Código de Processo do Trabalho, tanto mais que este Código ainda permite, expressamente, o recurso para o Pleno do STJ.
4-Consequentemente, ao Ter sido recusada a admissão do recurso no domínio da legislação laboral, para o Pleno ou o conhecimento da matéria alegada no recurso de Aclaração do Acórdão do STJ para uniformizar a jurisprudência, com o fundamento no elemento literal dos artºs 3º e 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, designadamente, de que 'foram revogados com aplicação imediata, os preceitos do C.P.Civil - na anterior redacção - que disciplinavam este recurso e não se criaram outros a torná-lo exequível', mostram-se aquelas normas afectadas de inconstitucionalidade material e orgânica quando aplicadas e interpretadas com o sentido e alcance que lhe foram dadas pelo Acórdão recorrido.'
Pelo seu lado, o Banco recorrido também apresentou alegações nas quais, depois de suscitar as questões prévias de inadmissibilidade e de inutilidade do recurso, concluiu no sentido de o recurso não vir a ser admitido, ou, se o for, deve ser-lhe negado provimento por a decisão recorrida, na interpretação que fez das normas questionadas, não ter violado nem o princípio da igualdade nem o direito ao recurso ou o direito à justiça.
O recorrente notificado das questões prévias, veio defender o seu indeferimento.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3 - Importa apreciar, antes de mais, as questões prévias que vêm suscitadas pela entidade recorrida.
A primeira fundamenta-se na não verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade, o que ocorreria no caso em apreço. A segunda questão prévia reporta-se à inutilidade do recurso.
O Tribunal entende que a entidade recorrida não tem razão nas questões assim suscitadas.
Vejamos.
Negada a revista por acórdão de 16 de Outubro de 1996 e reafirmada esta decisão por acórdão de 22 de Janeiro de 1997 que indeferiu a aclaração do anterior, o Autor e recorrente pretendeu interpor recurso para o Tribunal Pleno do STJ, por considerar que ocorria oposição de acórdãos, tendo tal requerimento dado entrada no tribunal em 31 de Janeiro de 1997 e constando as respectivas alegações do próprio requerimento.
Por despacho do Relator, tal recurso não foi admitido. Contra este despacho, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 77º, nºs 2 e 4, do Código de Processo do Trabalho, tendo suscitado nesse requerimento a questão da constitucionalidade da norma do Artigo
17º, nº1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, na interpretação feita na decisão reclamada.
Ora, o despacho reclamado assentou essencialmente em que, tendo sido revogadas as normas que regiam tal recurso sem terem sido criadas outras a torná-lo exequível, não podia o mesmo ser admitido. Assim, a norma em causa foi aplicada, mesmo sem ser expressamente citada, na decisão recorrida; a questão de constitucionalidade foi suscitada na reclamação para a conferência, ou seja, em tempo de o Tribunal dela poder utilmente conhecer, uma vez que a conferência podia substituir o despacho por outro que admitisse o recurso.
Tem, pois, de se concluir que, no caso, se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Mas será tal recurso inútil, como refere a entidade recorrida?
Também aqui a entidade recorrida não tem razão. Com efeito, se é certo que o recorrente apenas na reclamação para a conferência levantada do despacho que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Pleno suscitou a questão de constitucionalidade, não é menos certo que desse facto não decorre a inutilidade do recurso de constitucionalidade. Este recurso, tal como vem estruturado nos autos, dirige-se - na hipótese de lograr provimento - à eliminação do despacho do relator consequente à revogação da decisão recorrida, assim se admitindo o recurso para o Pleno, o que lhe confere plena utilidade, ainda que, como a entidade recorrida refere, possa não ter a mesma utilidade no que respeita ao mérito da causa que não é, neste momento, o aspecto directamente visado.
Assim sendo, é claro que o recurso de constitucionalidade mantém a sua utilidade, pois, se obtiver provimento realiza a finalidade que esteve na base da sua suscitação.
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide desatender as questões prévias suscitadas, passando a conhecer do mérito do presente recurso.
4. - Neste aspecto é necessário proceder a uma delimitação do âmbito do recurso. Com efeito, o recorrente, nas suas alegações, aponta para que a questão suscitada envolva, não só o artigo 17º, nº1 do Decreto-Lei nº 329-A/95 mas também o artigo 3º desse diploma. Porém, no requerimento de interposição do recurso, que delimita o respectivo âmbito e que não pode vir a ser posteriormente alargado, o recorrente apenas se reporta ao artigo 17º, pelo que o âmbito de recurso será limitado à interpretação feita na decisão recorrida do artigo 17º, nº1 do mencionado diploma legal. Fica, portanto, fora do âmbito do recurso não só esta questão do artigo 3º, como também a questão da inconstitucionalidade orgânica da norma em causa que o recorrente refere na reclamação para a conferência, mas não inclui no requerimento de interposição do recurso, voltando a referir-se-lhe nas alegações apresentadas neste Tribunal.
O artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, cuja conformidade constitucional vem questionada, tem a seguinte redacção:
'1 - É imediatamente aplicável a revogação dos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Os assentos já proferidos têm o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B.
3 - Relativamente aos recursos para o tribunal pleno já intentados, o seu objecto circunscreve-se à resolução em concreto do conflito, com os efeitos decorrentes das disposições legais citadas no número anterior'
O nº1 desta norma tem a ver com o estabelecido no artigo
3º do diploma, no qual se estabelece a lista das normas revogadas com a sua entrada em vigor, e entre essas normas estão as que se referem ao recurso para o Tribunal Pleno.
A norma do artigo 17º impõe que se refira também a norma do artigo 16º do mesmo diploma, que na versão original, estabelecia no seu nº1, a data da entrada em vigor do diploma - 16 de Março de 1996 - e que ele apenas era aplicável aos processos iniciados após tal data, enquanto que, no nº2 se determinava que as normas sobre recursos (o capítulo VI do Título II do Livro III do Código de Processo Civil) eram aplicáveis aos recursos interpostos de decisões proferidas após a data de 16 de Março de 1996, com excepção dos artigos
725º e 754º, nº2.
Pela Lei nº6/96, de 29 de Fevereiro, a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 329-A/95, passou a ser a de 15 de Setembro de 1996, mantendo-se o restante teor do preceito e pela Lei nº 28/96, de 2 de Agosto, a data da entrada em vigor foi fixada em 1 de Janeiro de 1997, sem outras alterações.
Por último, o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro veio dar nova redacção ao artigo 16º, que passou a ser a seguinte:
'Artigo 16º - Sem prejuízo do disposto no artigo 17º, o Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor em 1 de Janeiro de 1997 e só se aplica aos processos iniciados após essa data, salvo o estipulado no artigo 13º e nos artigos seguintes'.
O artigo 17º manteve, ao longo destas vicissitudes, a redacção inicial.
Segundo o recorrente, esta norma é inconstitucional se interpretada no sentido de a revogação imediata dos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, que regulam o recurso para o Tribunal Pleno por oposição de julgados implicar o não recebimento do recurso interposto, sem ter sido alterado o artigo 74º, nº3 do Código de Processo do Trabalho que prevê tal recurso.
Uma tal interpretação, segundo o recorrente, estaria não só a restringir excessivamente o direito ao recurso, como também a violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13 e o direito de acesso à justiça e aos tribunais, constante do artigo 20 e ainda o direito à justiça constante do artigo 18º, todos da Constituição.
5. - Esta questão foi já objecto de várias decisões do Tribunal, decisões estas tiradas em Plenário, por maioria, e nas quais se decidiu que o artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, enquanto determina a imediata aplicação às acções pendentes da revogação dos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, que regulavam o recurso para o Tribunal Pleno, não viola nem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, nem o direito de acesso aos tribunais constante do artigo
20º da Constituição nem ainda o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático - artigo 2º da Constituição.
Referimo-nos aos Acórdãos nºs 574/98, 575/98 e 576/98, o
1º de 13 de Outubro de 1998 e os outros de 14 de Outubro de 1998, ainda inéditos pelo que se junta a este cópia referido em último lugar.
É esta jurisprudência, firmada em Plenário, que aqui se segue.
III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade que nela se contém. Lisboa, 15 de Dezembro de 1998 Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Artur Maurício Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa