Imprimir acórdão
Proc. n.º 676/01 Acórdão nº 136/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1º Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 566 e seguintes, não se tomou conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por F..., Lda., pelos seguintes fundamentos:
'[...]
6. Decorre da leitura do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal que a decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
27 de Setembro de 2001, isto é, o acórdão proferido na sequência de um requerimento de aclaração dirigido pela ora recorrente àquele Tribunal. Constitui pressuposto processual de qualquer recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – o recurso que a recorrente agora interpõe – a aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma cuja constitucionalidade é questionada. Sucede que, proferido o acórdão de 15 de Maio de 2001 (supra, 2.), se extinguiu o poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria da causa, não podendo o Supremo, afora os casos de rectificação de erros materiais, sanação de nulidades, esclarecimento de dúvidas e reforma, alterar o decidido
(cfr. artigo 666º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil). Consequentemente, nunca poderia o Supremo, no acórdão recorrido, aplicar ao caso dos autos as normas cuja constitucionalidade a recorrente questiona. Na verdade, o Supremo limitou-se a indeferir o requerimento de aclaração, por entender que a esta não havia lugar – ou, dito de outro modo, limitou-se a aplicar as normas legais que regulam a aclaração de decisões judiciais –, bem como a mandar proceder à comunicação prevista no artigo 459º do Código de Processo Civil. Não tendo o tribunal recorrido aplicado as normas cuja constitucionalidade a recorrente questiona, falta um pressuposto processual do presente recurso, não podendo conhecer-se do respectivo objecto.
7. Acrescente-se que outros motivos existem para não se conhecer do objecto do presente recurso. Tal como delimitado pela recorrente, o objecto do recurso prende-se com a questão de «a omissão de conhecimento oficioso de elementos probatórios que constam dos autos e que serviram de base à decisão e que por si importem alteração da decisão proferida não constitui[r] omissão de pronúncia e [...] nesses termos não pode[r] o Supremo Tribunal de Justiça sindicar a decisão do Tribunal da Relação» (supra, 5.). Ora, no acórdão recorrido – o acórdão do Supremo de 27 de Setembro de 2001 – diz-se claramente que, no acórdão cuja aclaração fora pedida, se considerara que a Relação não omitira qualquer dever que lhe fosse imposto pelo n.º 2 do artigo
712º do Código de Processo Civil, até porque «[…] a questão de ter havido ou não erro na apreciação do documento (certidão) que a F..., Lda invocara na revista não fora colocada à Relação por qualquer dos recorrentes» (cfr. fls. 548). É que no anterior acórdão do Supremo de 15 de Maio de 2001 se referira que «[...] no caso, sendo certo que a Relação não abordou a questão de ter havido ou não erro na apreciação do documento que a recorrente invoca agora, certo é também que essa questão não lhe havia sido suscitada por qualquer das partes» (cfr. fls.
519). Diz-se também claramente nesse acórdão de 27 de Setembro de 2001 que ao caso não era aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 731º do Código de Processo Civil, dado que se não verificava qualquer das nulidades de acórdão por este preceito pressupostas (fls. 550-551). Quer isto dizer que a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, da questão da constitucionalidade reportada às normas da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo
712º do Código de Processo Civil não teria utilidade – faltando, pois, o interesse processual, que também constitui pressuposto processual do presente recurso –, porque sempre haveria uma outra razão, independentemente da decisão da questão de constitucionalidade, para a manutenção da decisão recorrida: precisamente, a circunstância de a questão do erro na apreciação das provas não ter sido colocada à Relação por qualquer dos então recorrentes. Quer isto dizer também que a apreciação, por este Tribunal, da questão de constitucionalidade reportada à norma do n.º 2 do artigo 731º do mesmo Código seria inadmissível, por ter sido o próprio tribunal recorrido a rejeitar a sua aplicação ao caso em virtude de se não verificar omissão de pronúncia (cfr., novamente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que expressamente exige a aplicação, pela decisão recorrida, da norma questionada). Também por estas razões não seria possível conhecer do objecto do presente recurso.'
2. Inconformada com a mencionada decisão sumária, F..., Lda. dela veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 574 e seguintes). Alegou, em síntese, o seguinte: a. Contrariamente ao afirmado na decisão sumária, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, como decorre da leitura do respectivo texto, fez efectiva aplicação de normas jurídicas cuja interpretação a recorrente considera inconstitucional e não aplicou normas jurídicas que devia ter aplicado, violando de igual modo o artigo 202º da Constituição; b. A recorrente havia questionado o não uso pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 712º, n.º s 1 e 2 do Código de Processo Civil – nomeadamente, a não consideração de provas adquiridas no processo –, o que determina a nulidade da decisão proferida, por omissão de pronúncia, cuja consequência é a vertida no artigo 731º, n.º 2, do mesmo Código (baixa do processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada); c. Ora, a decisão recorrida aplicou efectivamente o mencionado artigo
712º, dando-lhe uma interpretação que viola o disposto no artigo 202º, n.º 2, da Constituição, e, bem assim, não aplicou a norma do referido artigo 731º, n.º 2, que devia aplicar, por força do estatuído naquele preceito constitucional; d. O acórdão do Supremo é contraditório, na medida em que, por um lado, refere que é sindicável o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ou o facto de a Relação não ter em consideração as provas adquiridas no processo e, por outro lado, entende que no caso dos autos não é sindicável o facto de a Relação não ter tido em conta um documento junto aos autos que comprovava a existência no património da recorrente de um imóvel que, só por si, era suficiente para o pagamento do crédito da recorrida; e. Só na data em que lhe foi notificada a decisão indeferindo a aclaração suscitada, a recorrente tomou conhecimento da interpretação dada às normas dos artigos 712º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 731º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só nessa data podendo, consequentemente, invocar a respectiva inconstitucionalidade por violação do artigo 202º da Constituição; f. Não é correcto afirmar-se que, por não ter sido a questão do erro na apreciação das provas colocada à Relação por qualquer dos então recorrentes, falta o interesse processual no presente recurso, ou é inútil a apreciação do mesmo, dado que a questão colocada nos presentes autos é exactamente a do dever oficioso de conhecimento de todos os elementos probatórios dos autos pela Relação, nomeadamente daqueles que, por si só, impliquem decisão diferente da proferida. O recorrido não respondeu (fls. 586 v.º). Cumpre apreciar.
II
3. Como se referiu na decisão sumária ora reclamada, F..., Lda. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 27 de Setembro de 2001. Este acórdão indeferiu o pedido de aclaração do acórdão do mesmo Supremo de 15 de Maio de 2001, que havia sido formulado pela ora reclamante.
Dado que a ora reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão que indeferiu o pedido de aclaração e não do acórdão que se pronunciou sobre a matéria da causa, entendeu-se na decisão sumária reclamada (cfr. o seu n.º 6) que não seria possível conhecer do objecto do presente recurso, em virtude de o tribunal recorrido (ou seja, o tribunal que proferiu o acórdão recorrido, que é o de 27 de Setembro de 2001) não ter aplicado as normas cuja conformidade constitucional era questionada (cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional). Com efeito, o poder jurisdicional do Supremo havia-se extinguido – ressalvada, naturalmente, a possibilidade de aclaração – ao ser proferido o acórdão de 15 de Maio de 2001 (cfr. artigo 666º do Código de Processo Civil). Como é evidente, a alegada circunstância de a ora reclamante só após a notificação do acórdão de 27 de Setembro de 2001 ter tido conhecimento da interpretação normativa perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça em nada abala a conclusão a que se chegou quanto à não aplicação, pelo acórdão recorrido, dessa mesma interpretação. Na verdade, e como decorre do artigo 670º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o acórdão proferido sobre o pedido de aclaração não tem autonomia perante o acórdão aclarando para efeitos de recurso, já que só o acórdão aclarando pode ser impugnado, quer a decisão sobre o pedido de aclaração seja de indeferimento
(como sucedeu no presente caso), quer seja de deferimento (quando for esse o caso, porque ela se considera complemento e parte integrante da sentença). Assim sendo, se a ora reclamante ficou esclarecida com o acórdão de 27 de Setembro de 2001, não devia daí extrair a ilação de que podia recorrer deste acórdão, mas unicamente a de que o acórdão anterior (o de 15 de Maio de 2001) havia perfilhado uma determinada interpretação normativa e, nessa medida, recorrer deste acórdão. Improcede, pois, o alegado supra, 2., a) a c) e e).
4. O alegado supra, 2., d), irreleva totalmente para a apreciação da presente reclamação, já que o Tribunal Constitucional não possui competência para sindicar alegadas contradições ínsitas em decisões judiciais (cfr. artigo
70º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
5. Quanto ao alegado supra, 2., f) – e independentemente da razão que pudesse assistir à ora reclamante na demonstração do interesse processual na apreciação do recurso –, certo é que sempre prevaleceriam as razões antes aduzidas para o não conhecimento do recurso (supra, 3).
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 566 e seguintes, que não tomou conhecimento do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 3 de Abril de 2002- Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida