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Processo nº 87/97ACÓRDÃO Nº 567/98 Processo nº 87/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. C..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de Novembro de 1996, que julgou 'improcedente a apelação' por ele interposta e confirmou 'a sentença apelada', que decretou um despejo. O acórdão recorrido, depois de enunciar as questões levantadas pelo recorrente na apelação ('A- A notificação prevista no art. 24º do Dec-Lei nº 387-B/87 é equiparada à citação, nos termos do art. 256º do Cód .P. Civil? B- No caso dos autos não foi observado o formalismo da citação naquela notificação, pelo que esta é nula? C - A interpretação dada pelo senhor juiz 'a quo' ao disposto nos art. 254º e 255º do Cód. P.Civil é inconstitucional por violar o artº 20º da Const. da Rep. Portuguesa?'), deu-lhes as seguintes respostas:
'Começando pela primeira questão posta no mesmo (recurso), vemos que o nº 2 do art. 24º citado prevê que o prazo que estiver a correr no processo, quando foi deduzido o pedido de apoio judiciário, volta a correr, de novo, a partir da notificação do despacho que dele conhecer. Não havendo mandatário constituído, como era o caso dos autos, então, o art.
255º do Cód. P. Civil manda proceder à notificação das partes nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários. Por seu turno o art. 254º deste código prescreve que as notificações dos mandatários são feitas por carta registada com aviso de recepção dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido ou são feitas pelo escrivão quando este os encontre no tribunal. O art. 1º nº 1 do Dec-Lei nº 121/76 de 11-2 aboliu a exigência de avisos de recepção naquelas notificações. O nº 3 do citado art. 254º estipula que a notificação não deixa de produzir o efeito pelo facto de os papéis serem devolvidos, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou do domicílio por ele escolhido, considerando-se a notificação como efectuada no 2º dia posterior àquele em que a carta foi registada. Por último o nº 3 do referido art. 1º veio prescrever que as notificações se consideram feitas no terceiro dia posterior ao registo ou no seguinte dia útil, se aquele não for útil. Daqui se vê que a notificação efectuada nos autos e aqui em apreço, observou o prescrito na lei. Pretende o apelante que aquela notificação devia corresponder a uma citação e devia ter observado o formalismo desta, nos termos do art. 256º do Cód. Proc. Civil. Tal como ensina o Prof. J.A. dos Reis - Cód. P. Civil, I vol., pág. 359 -, as notificações podem revestir duas espécies fundamentais: as notificações dependentes, isto é, notificações relativas a processo pendente, e as notificações avulsas ou independentes. As notificações do primeiro tipo têm por escopo dar a conhecer às partes ou a algum interveniente acidental, um acto ou um facto ou chamar aqueles a juízo para praticar determinado acto, ou seja têm finalidade informativa ou convocatória. São as notificações a que se referem os artºs 253º a 260º do Cód. P. Civil. As notificações avulsas ou independentes consistem naquelas que não são efectuadas em processos pendentes, mas constituem acto-fim, pois toda a actividade que nela se exerce é conducente à notificação e com esta se esgota o respectivo processo. São as notificações previstas nos artºs. 261º a 265º do Cód. P. Civil. Ora o disposto no art. 256º referido tem em vista este último tipo de notificações, e ainda aqueles casos em que a convocação ou notificação, não tendo o nome de citação, correspondem a esta por consistirem na primeira comunicação processual à parte naquele processo, onde se dá a conhecer a mesma pendência, pela primeira vez, pendência essa contra o comunicado sujeito. É o caso das notificações previstas nos artºs 811 e 927º nº 3 do Cód. P. Civil, em que se exige o formalismo da citação. No caso dos autos o apelante havia sido citado com todas as formalidades legais, ficando este já consciente da pendência contra ele da presente acção e da necessidade de se defender na mesma. Por isso à notificação do nº 2 do artº 24º referida não é aplicável o disposto no art. 256º mencionado por se não verificar a respectiva justificação legal. Improcede assim a primeira questão posta no recurso. A segunda questão que consiste na ausência de observância do formalismo da citação naquela notificação, obviamente que improcede igualmente. Se não havia que observar o formalismo da citação, como vimos na resolução da anterior questão, não há nulidade daquela notificação.
(...)
Finalmente resta a terceira questão que consiste na violação do art. 20º da Const. da Rep. Portuguesa na interpretação dos art.ºs 254º e 255º citados. O art. 20º referido prescreve que todos têm direito à informação e à protecção jurídica nos termos da lei. E acrescenta aquele que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. Este dispositivo visa programaticamente dar orientações ao legislador ordinário para este regulamentar aquele direito fundamental. Esta regulamentação, no tocante ao seu nº 2, está estabelecida no DL nº 387-B/87 de 29-12 e no seu regulamento constante do Dec-Lei nº 391/88 de 26-10 que institui os benefícios que a lei concede a quem careça de meios para exercer aquele direito, para o tornar acessível aos mais desfavorecidos economicamente. Na mesma regulamentação estabelece-se os termos a adoptar para quem quiser obter aqueles benefícios, na qual consta a disposição do art. 24º mencionado. A interpretação de que a notificação aí prevista deve observar as normas gerais das notificações do Cód. P. Civil e, nomeadamente, o disposto nos seus artºs
254º e 255º, não viola aquela disposição constitucional pois em nada a mesma coarta aquele direito fundamental.
É que a notificação postal é o meio de fazer chegar ao interessado a decisão que indeferiu o benefício de apoio judiciário. E o interessado, nos termos daquelas disposições processuais pode, por um lado provar que não recebeu, sem culpa sua, a notificação - art. 1º nº 4 do DL nº 121/76 citado - e por outro, podia provar o seu justo impedimento na prática do direito de recorrer daquele ou contestar o pedido. Assim nos não parece haver qualquer violação do disposto no art. 20º citado na referida interpretação das normas processuais citadas, soçobrando este último fundamento do recurso'.
2. Nas suas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:
'1º- O Estado de Direito consagra entre outros o princípio democrático e da legalidade e nomeadamente os direitos à notificação das decisões judiciais e o de defesa;
2º- O art. 24º de dec-lei nº 387-B/87 prevê no nº 2 um prazo de apresentação de defesa que tem de ser efectivo;
3º- Os art.s 254º nº 3 e 255º quando aplicados a situações em que esteja em causa um prazo de defesa, como in casu, são manifestamente inconstitucionais por violarem o art. 20º C.R.P. o art. 2º e os princípios da igualdade das partes e do estado de direito democrático;
4º- Violam também o direito ao efectivo recebimento das notificações judiciais e de acesso ao direito;
5º- A interpretação dada aos referidos preceitos é ainda violadora das normas constitucionais já citadas.
6º- No caso dos autos verificou-se um caso de indefesa, proibido no nº 1 do art.
20º C.R.P.'
3. Também apresentou alegações o ora recorrido João Pinto Figueiras, com os sinais identificadores dos autos, concluindo que:
'1. O disposto nos arts. 254º, nº 3 e 255º do C.P.C., aplicados ao caso sujeito, em nada colidem com o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 20º da C.R.P.
2. Desta feita, com a aplicação das ditas normas foi inteiramente respeitado quer o estado de Direito que consagra os princípios da igualdade das partes e da legalidade e nomeadamente ainda dos direitos à notificação das decisões sobre o acesso aos tribunais.
3. Assim, não se verifica 'in casu' quer um fenómeno de 'indefesa', proibido por o nº 1, do art. 20º da C.R.P., quer uma transgressão directa ou indirecta ao disposto no nº 2, do citado art. 20º da C.R.P.
4. Pela que a douta decisão recorrida não violou qualquer princípio constitucional nem qualquer disposição legal designadamente a do art. 20º da C.R.P..
5. Deverá pois ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se o douto acórdão recorrido na plenitude da sua decisão e respectivas consequências.'
4. Vistos os autos, incluindo o visto do Ministério Público, cumpre decidir. O cerne da questão posta nos autos pelo recorrente radica no modo como é ou deve ser feita a notificação da decisão a que se reporta o nº 2 do artigo 24º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (regime jurídico do apoio judiciário), notificação a partir da qual começa 'a correr de novo' o prazo então suspenso para, como é a presente hipótese, defesa do réu numa qualquer acção, in casu uma acção sumária de despejo, 'de acordo com o disposto nos arts
56º e segs. do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº
321-B/90, de 15 de Outubro', em que o recorrente se posiciona como réu
('Trata-se aqui de um despacho equivalente à citação do R. para apresentar a sua defesa', talqualmente se expressa o recorrente). Para o tribunal de primeira instância, e com invocação dos 'termos dos arts.
254º e 255º C.P. Civil', tem de considerar-se 'o requerente notificado' seguindo-se a prolação da sentença desfavorável ao recorrente, e na perspectiva do acórdão recorrido a mesma notificação deve 'observar as regras gerais das notificações do Cód. P. Civil e, nomeadamente, o disposto nos seus artºs 254º e
255º'.
5. Acontece que em bom rigor, a pretensa arguição de inconstitucionalidade de que se serve o recorrente perante o tribunal de relação – e era para tal o momento processualmente adequado – não assume verdadeiramente os contornos de arguição de inconstitucionalidade normativa dirigida àqueles preceitos legais, do Código de Processo Civil e do Decreto-Lei nº 387-B/87. Com efeito, o que o recorrente sustenta é que a notificação prevista no citado artigo 24º, nº 2, deve ser equiparada à citação, para, em consequência, ter de ser respeitado o formalismo desta (cfr. o artigo 256º do Código de Processo Civil), uma vez que se estaria numa situação em que se põe 'em causa um prazo de defesa' (para usar a linguagem do recorrente). E daí que, na sua tese, o regime legal aplicado, então em vigor, das notificações – no caso a notificação à própria parte, após citação para a acção, cruzada com os pedidos de apoio judiciário e de nomeação de patrono, o ora mandatário entretanto constituído nos autos – vá colidir com o artigo 20º da Constituição. Foi essa concretamente a questão levantada pelo recorrente na apelação (cfr. as questões enunciadas no acórdão recorrido) e que mereceu da parte do tribunal de relação uma resposta negativa, no mesmo plano de que 'não parece haver qualquer violação do disposto no artº 20º citado na referida interpretação das normas processuais citadas'. Trata-se, portanto, de uma censura dirigida à decisão da primeira instância, por não ter sido 'observado o formalismo da citação naquela notificação' (a notificação prevista no artigo 256º do Código citado), não vindo questionada nenhuma das normas apontadas pelo recorrente ou do seu sentido interpretativo, no plano da sua desconformidade material com a Constituição. É sempre a ideia de que é directamente a 'interpretação dada pelo senhor juiz ‘a quo’' o acto violador da Constituição e foi ele como tal apreciado no acórdão recorrido, para se concluir que falece esse fundamento do recurso de apelação, essencialmente na base de que a notificação em causa 'deve observar as normas gerais das notificações do Cód. C. Civil e, nomeadamente, o disposto nos seus artºs 254º e
255º '. Tanto basta para concluir que, faltando uma arguição de inconstitucionalidade normativa, não se pode tomar conhecimento do presente recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa, 7.10.98 Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida Bravo Serra Messias Bento Maria dos Prazeres Beleza José Manuel Cardoso da Costa