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Proc. Nº 602/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
6. O Tribunal de Contas, por decisão de 30 de Agosto de 1999, considerou que a norma contida no artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 89-B/98, de 9 de Abril, segundo a qual a atribuição de um subsídio pelo Ministro da Educação à Fundação..., em cumprimento do disposto no nº 1 do referido artigo, é organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165º, nº 1, alínea p), da Constituição. Consequentemente, recusou a sua aplicação e decidiu devolver o respectivo processo (no qual se submetia à fiscalização prévia o despacho do Ministro da Educação que atribuía o referido subsídio de
180.000$00), por não estar sujeito a visto.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade obrigatório, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 89-B/98, de 9 de Abril.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1º. A definição da competência material do Tribunal de Contas, em sede de fiscalização prévia, é matéria incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força do disposto no artigo 165º, nº 1, alínea p) da Constituição da República Portuguesa, na sua versão actual.
2º. Pelo que não é lícito a um decreto-lei, não credenciado por autorização parlamentar, dispor inovatoriamente sobre tal matéria, quer isentando do visto prévio actos e contratos que a ele se podiam considerar submetidos, em função de uma possível interpretação do estatuído nas disposições da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, que regem sobre a definição da competência do Tribunal de Contas, quer ampliando, em termos inovatórios, tal competência, estendendo-a a actos ou contratos que, perante aquela Lei, não devem ser objecto da fiscalização prévia.
3º. Das disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 2, alínea g), 5º, nº 1, alínea c), 46º e 47º da Lei nº 98/97 decorre que não é objecto de fiscalização prévia do Tribunal de Contas o despacho ministerial que outorga a certa fundação de direito privado e utilidade pública um subsídio destinado a assegurar-lhe meios financeiros, pelo que não podia norma constante de simples decreto-lei, não credenciado por autorização parlamentar, submeter tal acto ao referido visto.
4º. Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade orgânica constante da decisão recorrida.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. O artigo 5º do Decreto-Lei nº 89-B/98, de 9 de Abril, tem a seguinte redacção: Artigo 5º Contribuição financeira
1 - O Estado assegurará, anualmente, um subsídio que representará a contribuição destinada a garantir a sua parte nos meios financeiros previstos no nº 2 do artigo 3º dos respectivos estatutos.
2 - A atribuição do subsídio previsto no número anterior está sujeita a visto do Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas, na decisão recorrida, entendeu que o nº 2 do artigo transcrito, ao sujeitar a visto do Tribunal de Contas a atribuição dos subsídios referidos no nº 1, regula inovatoriamente matéria relativa à competência do Tribunal. Integrando tal matéria a reserva parlamentar [artigo
165º, nº 1, alínea p), da Constituição] e tendo o Decreto-Lei nº 89-B/98, de 9 de Abril, sido emitido nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 198º da Constituição, o Tribunal conclui que a norma que sujeita a visto prévio a atribuição do mencionado subsídio é organicamente inconstitucional, recusando, consequentemente, a sua aplicação.
6. A definição da competência material do Tribunal de Contas em sede de fiscalização prévia é matéria incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força do disposto no artigo 165º, nº 1, alínea p), da Constituição [preceito correspondente ao artigo 168º, nº 1, alínea q), na versão anterior à última revisão constitucional].
A competência material do Tribunal de Contas encontra-se presentemente definida na Lei nº 98/97, de 26 de Agosto.
Importa, assim, averiguar se a sujeição a visto prévio do Tribunal de Contas da concessão do subsídio à Fundação... pelo Ministério da Educação, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 89-B/98, de 9 de Abril, consubstancia uma extensão do âmbito de incidência da fiscalização prévia e, nessa medida, uma regulamentação inovadora da competência do Tribunal, em face do disposto pela Lei nº 98/97, de 26 de Agosto.
6. O artigo 2º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas), definindo o objectivo e âmbito de competência, sujeita, no seu nº 1, à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas, entre outras entidades, o Estado e os seus serviços.
Por seu turno, o artigo 5º, nº 1, alínea c), estabelece que
“compete, em especial, ao Tribunal de Contas fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos actos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa ou representativa de quaisquer encargos e responsabilidades, directas ou indirectas, para as entidades referidas no nº 1 do artigo 2º”.
Esta disposição legal tem, porém, de ser articulada com o disposto no artigo 46º da mesma Lei. Com efeito, o mencionado artigo 46º, delimitando a incidência da fiscalização prévia, determina que “devem ser remetidas ao Tribunal de Contas para efeitos de fiscalização prévia, nos termos do artigo 5º, nº 1, alínea c), os documentos que representem, titulem ou dêem execução” aos actos enumerados nas alíneas a), b) e c) do mesmo preceito. Ora, o acto em questão (concessão de um subsídio a uma fundação) não se enquadra em nenhuma das categorias de actos previstos nessas alíneas: não se trata de uma obrigação geral ou de acto de que resulte aumento da dívida pública fundada - alínea a); não se trata de contrato de obras públicas, aquisição de bens e serviços ou de aquisição patrimonial que implique despesa - alínea b); e não se trata de contrato a celebrar por escritura pública cujos encargos tenham de ser satisfeitos no acto de celebração - alínea c).
Nessa medida, verifica-se que o artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº
89-B/98, de 9 de Abril, ao sujeitar a visto prévio a atribuição do referido subsídio, regula inovatoriamente matéria relativa à competência do Tribunal de Contas, definida nos termos da Lei n º 98/97, de 26 de Agosto.
Tendo esse diploma sido emitido pelo Governo , ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 198º da Constituição, e regulando um dos seus preceitos matéria abrangida pela reserva parlamentar (competência do Tribunal de Contas), conclui-se que tal disposição é organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165º, nº 1, alínea p), da Constituição.
III Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar organicamente inconstitucional a norma contida no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 89-A/98, de 9 de Abril, confirmando consequentemente o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Lisboa,26 de Fevereiro de 2002 Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa