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Proc. nº. 75/94 TC - 1ª Secção Rel.: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - J..., Ldª., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da sentença proferida em 15.11.93 pelo Tribunal de Trabalho do Círculo de Braga que a condenou a pagar a JQ... a quantia de 12 507$00, bem como as quantias que se venceram até ao dia 30 de Outubro de 1993, a liquidar em execução de sentença.
Tal decisão não considerou inconstitucionais as normas dos artigos 22º, nº. 2 e
32º, nº. 2 do Decreto-Lei nº. 215-B/75, de 30 de Abril, cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada pela R. na sua contestação.
Inconformada com a sentença supra referida, veio J..., Ldª. interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
'- O Princípio da Igualdade de Tratamento impõe uma repartição dos encargos públicos e sociais de modo igualitário por todos os cidadãos; o No caso da imposição de um sacrifício a um grupo de indivíduos (ou de empresas), justificado por razões de interesse público ou social, deve reconhecer-se uma indemnização ou compensação aos indivíduos (ou empresas), sacrificados; o Os artºs. 22º nº. 2 e 32º nº. 2 do Dec-Lei nº. 215-B/75, de 30 de Abril, ao imporem na sua aplicação in concreto uma discriminação entre as empresas que possuem no seu quadro de pessoal dirigentes e/ou delegados sindicais, deveram ser declarados materialmente inconstitucionais por violação dos artºs. 2º
(Princípio do Estado de Estado Democrático) e 13º (Princípio da Igualdade) da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o sacrifício imposto a tais empresas não é objecto de qualquer indemnização ou compensação'.
Termina o seu articulado requerendo que as citadas normas sejam declaradas inconstitucionais por violação dos artºs. 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - A recorrente suscita a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 22º, nº. 2 e 32º, nº. 2 do Decreto-Lei nº. 215-B/75, de 30 de Abril por entender que as mesmas violam o princípio do Estado de Direito Democrático e o princípio da igualdade, consagrados respectivamente nos artigos 2º e 13º da Constituição.
Vem, pois, suscitada a questão da inconstitucionalidade das normas que dispõem sobre o direito à remuneração dos dirigentes sindicais pelo crédito de quatro dias por mês para o exercício das respectivas funções sindicais, quando o trabalhador em causa for simultaneamente delegado sindical e pretender beneficiar, mantendo a remuneração, do crédito de horas não inferior a cinco por mês referido ao período normal de trabalho, suportando a entidade patronal os respectivos encargos; esta situação colocaria, segundo a recorrente, a mesma entidade em posição de desigualdade face aquelas que, não possuindo nos seus quadros de pessoal delegados ou dirigentes sindicais, ficam isentas de tais encargos, o que violaria aqueles princípios constitucionais.
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se por diversas vezes sobre a constitucionalidade de algumas normas da denominada Lei Sindical, nomeadamente as atinentes ao despedimento dos delegados e dirigentes sindicais (cfr., dos mais recentes, entre outros, ac. nº. 576/94, de 26.10.94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 29º, pág. 111; ac. nº. 1172/96, in DR, II Série, de 7.02.1997; ac. nº. 497/97, in DR, II Série, de 10.10.97), normas que conferem uma especial protecção aos representantes dos trabalhadores, nomeadamente em caso de despedimento, por força do princípio do favor laboratoris, que assume especial relevância no exercício das actividades sindicais.
Tal protecção especial decorre também de normas internacionais de que se pode destacar a Convenção nº. 135 da OIT – ratificada pelo Decreto-Lei nº. 263/76, de 8 de Abril – em cujo artigo 1º se estipula que 'os representantes dos trabalhadores na empresa devem beneficiar de uma protecção eficaz contra todas as medidas que lhes possam causar prejuízo, incluindo o despedimento, e que sejam motivadas pela sua condição de representantes dos trabalhadores ou pelas actividades dela decorrentes, pela sua filiação sindical ou pela sua participação em actividades sindicais, na medida em que actuem em conformidade com as leis, convenções colectivas ou outras disposições convencionais em vigor'. Mas, tal como vem colocada, a questão de constitucionalidade, reportada à violação do princípio da igualdade, não parece por em causa a conformidade à C.R.P. das normas ínsitas nos artigos 22º, nº 2 e 32º, nº 2 do D.L. nº 215-B/75, enquanto atribuem direitos aos delegados sindicais pois, na tese da recorrente, aquela violação se concretizaria na não atribuição de uma compensação indemnizatória à entidade patronal que deve suportar os correspondentes encargos.
A jurisprudência deste Tribunal 'tem entendido o sentido constitucional da igualdade a partir da exigência de que se trate como igual o que for essencialmente igual e como diferente o que for essencialmente diferente. Ou seja, a diferenciação de tratamento, por si, não implica necessariamente violação do princípio, pois a igualdade relevante não é a meramente formal mas também a material, impedindo-se, assim, a discriminação arbitrária e irrazoável, sem justificação nem fundamento material bastante.
Na esteira de vasta e impressiva linha jurisprudencial, ponderou-se recentemente, no Acórdão nº. 1007/96 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 12 de dezembro de 1996), que, para haver violação do princípio constitucional da igualdade, torna-se necessário verificar, preliminarmente, se existe uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação. A esta luz, proíbem-se diferenciações de tratamento fundadas em razões meramente subjectivas – com as indicadas, exemplificativamente, no nº. 2 do artigo 13º da CR – ou as que criem um tratamento desigual materialmente infundamentado ou sem justificação objectiva e racional' (cfr. acórdão nº.
497/97, in DR, II Série, de 10.10.97).
O princípio da igualdade abrange, assim, a proibição de arbítrio, a proibição de discriminações e a obrigação de diferenciação.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 127 e ss., referem a proibição de arbítrio como 'um limite externo da liberdade de conformação da decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes', mas tal proibição 'ao valer como princípio objectivo de controlo, não significa em si mesma, simultaneamente, um direito subjectivo público a igual tratamento (...)'.
E dizem ainda os mesmos autores:
'(...) A proibição de discriminações (nº. 2) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento.
(...) O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no nº. 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo. A obrigação de diferenciação para se compensar a desigualdade de oportunidades significa que o princípio da igualdade tem uma função social, o que pressupõe o dever de eliminação ou atenuação, pelos poderes públicos, das desigualdades sociais, económicas e culturais, a fim de se assegurar uma igualdade jurídico-material. É neste sentido que se devem interpretar algumas normas da Constituição que estabelecem 'discriminações positivas'.
À luz destas considerações sobre o sentido e alcance do princípio da igualdade e da jurisprudência firme e unânime deste Tribunal, a que se adere integralmente, não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade.
Na verdade, se nas empresas em cujos quadros de pessoal se integram os delegados sindicais a lei impõe às respectivas entidade patronais que suportem os encargos decorrentes da atribuição de determinados direitos àqueles trabalhadores, diversamente do que acontece nas empresas em que tal caso se não verifica, é porque isso se deve à diferença das situações em confronto, justificativa de um tratamento jurídico igualmente diverso.
É certo que a recorrente, não desconhecendo a diferença assinalada, desloca a questão da violação do princípio da igualdade (e só esta acaba por estar em discussão, pois a referência ao artigo 2º da C.R.P. não assume qualquer relevância autónoma) para uma outra manifestação daquele princípio – o da igualdade perante os encargos públicos.
E será que, nesta vertente, o princípio se mostra violado, o que sempre pressuporia a existência de um sacrifício especial de um indivíduo ou grupo de indivíduos justificado por razões de interesse público '(Gomes Canotilho, 'Direito Constitucional e teoria da Constituição', p. 393)?
Vejamos.
Múltiplos são os casos que ocorrem nas empresas, no que concerne à situação do seu pessoal, em que, na decorrência do exercício dos direitos dos trabalhadores, constitucionalmente e/ou legalmente tutelados, as respectivas entidades patronais tem que suportar os inerentes encargos.
É por exemplo, o caso de empresas com trabalhadores-estudantes em que atendendo ao relevante interesse de formação e realização profissional dos trabalhadores, várias disposições legais impõem à respectiva entidade patronal que suporte o pagamento integral da retribuição, que em nada é afectada pelo crédito de horas semanais e crédito de dias para realização das provas escritas e orais, não se prevendo qualquer compensação ou indemnização para as empresas que nos quadros de pessoal respectivos tenham trabalhadores-estudantes.
É ainda o caso de empresas com trabalhadores com licenças de maternidade e de paternidade, em que igualmente o trabalhador, durante o período da licença, mantém o direito à retribuição que, na maior parte dos casos, constitui um encargo da entidade patronal.
Em nenhuma destas situações se prevê a atribuição pelo Estado de compensação às empresas que suportam os inerentes encargos. E isto sucede porque todos estes condicionalismos constituem vicissitudes normais no funcionamento da vida empresarial que, por força da protecção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, devem ser consideradas no âmbito do
'risco' inerente à actividade das empresas e cujos custos as respectivas entidades patronais devem, ao menos em parte, suportar. Recorda-se o que, a propósito, embora sobre questão diversa, se escreve no Acórdão nº 454/97, in D.R. II Série, de 10/12/97:
'Existe assim uma função social do trabalho, que tem por efeito reflexo a protecção dos direitos fundamentais do trabalhador (...)
'Tal protecção consubstancia um encargo da entidade empregadora, desde que se enquadre nos limites de uma certa margem de risco que corre por conta do empregador – margem de risco que há-de, necessariamente, adequar-se a uma exigência de proporcionalidade.
'(...) Ora, embora seja verdade que a protecção dos direitos fundamentais do trabalhador não está, nem pode estar, essencialmente a cargo do empregador (como o demonstra a crescente importância do direito da segurança social), em algumas situações o empregador está obrigado a prestar assistência ao trabalhador, com vista à realização de direitos fundamentais de que este é titular, como aliás já se referiu.
Assim, compreende-se que ao empregador incumbam determinados encargos, decorrentes do facto de este beneficiar de uma disponibilidade do trabalhador de natureza pessoal, desde que seja respeitado o princípio da proporcionalidade'.
Nestes casos – como é dos autos – não se está, assim, perante qualquer sacrifício especial que recaia sobre determinadas entidades, sendo certo, que, tendo em conta o universo das empresas, todas elas, num momento ou outro, acabam por ter de suportar os mesmos encargos, ficando, então, sujeitas ao mesmo regime jurídico aplicado à recorrente na decisão impugnada.
Não se mostram assim violados os arts. 13º e 2º da C.R.P..
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999- Artur Maurício Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa