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Processo n.º 741/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. P... vem reclamar do despacho do Desembargador relator do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Abril de 1998, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, que, por requerimento de 25 de Março de 1998, interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão daquela Relação, de 15 de Novembro de 1993, para apreciação da constitucionalidade do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro. O acórdão da Relação que o ora reclamante quis impugnar perante este Tribunal tinha revogado a sentença do juiz da 1ª instância, que julgara parcialmente procedente a acção por ele proposta contra o P... e condenara este a pagar-lhe a quantia de 4.002.083$00, a título de retribuições e subsídios (de férias e de Natal) em dívida e, bem assim, de juros vencidos. Nesse acórdão (de 15 de Novembro de 1993), a Relação decidiu que o artigo 11º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro, não era inconstitucional.
2. O ora reclamante, ao ser notificado do mencionado acórdão da Relação, ainda quis recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso não lhe foi admitido, por intempestividade (despacho de 17 de Janeiro de 1994). Notificado do despacho de inadmissão da revista, reclamou ele para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A reclamação foi, porém, indeferida, por despacho de 25 de Outubro de 1995, do qual ele reclamou por nulidade, mas esta reclamação foi desatendida, por despacho de 9 de Outubro de 1996. Além de reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não admitiu a revista, o ora reclamante arguiu a nulidade que, segundo ele, teria sido cometida pelo facto de o acórdão da Relação não lhe ter sido notificado pessoalmente, tendo-o sido apenas ao seu mandatário - o que foi indeferido, por despacho do Desembargador relator (de 6 de Dezembro de 1994), que lhe foi notificado por carta registada, de 28 de Abril de 1995. Agravou, então, do despacho do Desembargador relator para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o agravo não foi admitido, com fundamento em que ele não usara ?o meio idóneo atentos os fins visados? (despacho de 22 de Junho de 1995). Deste despacho de inadmissão do agravo, reclamou ele de novo para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas sem êxito (cf. despacho de 31 de Janeiro de
1996). Na mesma data em que apresentou esta última reclamação, dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, contra o despacho de inadmissão do agravo (7 de Julho de 1995), arguiu a nulidade do despacho que desatendeu a anterior arguição de nulidade (scilicet, a nulidade consistente em o acórdão da Relação não lhe ter sido pessoalmente notificado) - nulidade (a que agora foi arguida) que consistiria em o processo não ter ido à conferência (e, assim, no facto de a decisão não ter sido proferida por acórdão) - e requereu a renovação do acto omitido, ou seja, a ida do processo à conferência. O Desembargador relator indeferiu, porém, esse requerimento, com fundamento em que a nulidade arguida não respeitava a qualquer acórdão. Requereu, então, o ora reclamante que sobre esse despacho do Desembargador relator recaísse acórdão. A conferência, por acórdão, manteve o indeferimento do requerido. Desse acórdão da Relação, agravou, de novo, o ora reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, em síntese, que ?a arguição de nulidade resultante da omissão de acto processual? (scilicet, a ?nulidade resultante da omissão de remessa do processo à conferência para aí ser decidida, por acórdão, a arguição de uma nulidade?) ?é decidida, em conferência, por acórdão sem precedência de despacho do relator?. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de Março de 1998, negou provimento ao agravo, atenta a intempestividade da arguição da nulidade. O Supremo Tribunal de Justiça, para concluir deste modo, ponderou que o ora reclamante, ?uma vez confrontado com o despacho do relator que desatendeu a arguição de nulidade (falta de notificação pessoal do acórdão que conheceu da apelação), ou reagia arguindo a nulidade consistente no facto de o relator não ter levado o processo à conferência [...] ou requeria que sobre o despacho recaísse acórdão [...], para depois agravar dele?, mas que ele ?não trilhou
[...] qualquer destas vias?, antes ?deixou esgotar o prazo de cinco dias de que dispunha para o efeito?: de facto - sublinhou -, ao ser notificado do despacho do Desembargador relator, que decidiu que a omissão da notificação pessoal do acórdão da Relação que julgara a apelação não importava nulidade, o ora reclamante agravou para o Supremo Tribunal de Justiça; e só mais tarde (recte, só depois de lhe ser notificado o despacho de inadmissão desse agravo), é que veio ?levantar a questão de o processo não ter ido à conferência?.
3. O reclamado não se pronunciou sobre a reclamação.
4. O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que a presente reclamação deve ser indeferida. II. Fundamentos:
5. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento em que, tendo este Tribunal declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro (acórdão n.º
178/97, publicado no Diário da República, I série-A, de 16 de Maio de 1997), ?já não existe fundamentação para o recurso requerido?.
É que - argumentou -, a consequência daquela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, ?é a nulidade da norma, desde a origem, e dos efeitos por ela produzidos, e dos actos jurídicos praticados ao seu abrigo [...]. E por isso apenas haverá lugar à aplicação ao caso concreto dos efeitos previstos no artigo 282º, n.º 1, da Constituição e no artigo 2º da Lei n.º 28/82?.
É exacta a argumentação de que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, importa a nulidade da norma por ela atingida, com eliminação dos efeitos entretanto produzidos. Ela não consente, todavia, a conclusão de que
?já não existe fundamentação para o recurso requerido?. Vejamos: Se, porventura, em 16 de Maio de 1997 - que é a data em que foi publicado o acórdão n.º 178/97, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro -, o acórdão recorrido já tinha transitado em julgado, a referida declaração de inconstitucionalidade não o atingiu no seu efeito preclusivo, nem na sua força obrigatória, pois que, de entre os efeitos produzidos medio tempore pela norma atingida por essa declaração, ?ficam ressalvados os casos julgados? (cf. artigo
282º, n.º 3, da Constituição). Nessa hipótese, o acórdão da Relação é, agora, inatacável perante o Tribunal Constitucional, mas não pela razão invocada no despacho recorrido, sim porque, com o trânsito em julgado, ele se tornou definitivo - e, por isso, irrecorrível. O dito aresto já poderá ser atingido pela referida declaração de inconstitucionalidade, se, naquela data, ainda não tinha transitado em julgado, nem esse trânsito ocorreu entretanto, até ao momento em que foi interposto o presente recurso. Questão é que se verifiquem os pressupostos do mesmo - e que, assim, se possa conhecer do respectivo objecto. Num tal caso, o conhecimento do recurso de constitucionalidade, é, mesmo, essencial para impedir o trânsito em julgado do aresto da Relação e para, desse modo, evitar que se consolide o julgamento nele feito com aplicação do mencionado artigo 11º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro. É, de facto, no recurso de constitucionalidade, que se há-de fazer aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, revogando, em consequência, o acórdão recorrido, para ser reformado em conformidade com essa declaração de inconstitucionalidade. Ou seja: é em tal recurso que se há-de aplicar ao caso concreto a declaração de inconstitucionalidade, com todos os efeitos dela decorrentes. Na verdade - dispõe o artigo 80º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional -,
?transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou que lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário?. Por isso, se, acaso, o acórdão recorrido ainda não tiver transitado em julgado
(e, consequentemente, ainda for recorrível) e o Tribunal não conhecer do recurso interposto, aquele aresto transitará em julgado, consolidando-se o julgamento nele feito.
6. Sendo isto assim, importa, então, saber se, em 25 de Março de 1998 - que foi quando o ora reclamante interpôs o presente recurso - o acórdão recorrido (o acórdão da Relação do Porto, de 15 de Novembro de 1993) ainda podia ser impugnado perante este Tribunal. Para resolver esta questão, deve recordar-se que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Nele só pode, por isso, impugnar-se uma decisão judicial que represente a última palavra da respectiva ordem judicial; ou seja: que já não admita recurso ordinário, quer por a lei o não prever, quer por se acharem esgotados todos os que no caso cabiam (cf. artigo 70º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). A necessidade de exaustão dos recursos ordinários como condição do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º implica que, ?se a decisão admitir recurso ordinário [...], a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira? (cf. o n.º 6 do mesmo artigo 70º). E mais: ?interposto recurso ordinário [...], que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso? (cf. o artigo 75º, n.º 2, da mesma lei). A exaustão dos recursos ordinários verifica-se, obviamente, quando eles foram oportunamente interpostos e julgados. Mas verifica-se também quando ?tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual?
(cf. o n.º 4 do mencionado artigo 70º). Como este Tribunal sempre decidiu, são equiparadas a recursos ordinários, para o efeito aqui em causa, ?as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência? (cf. o mesmo artigo 70º, n.º 3).
7. Pois bem: no presente caso, o reclamante, para sustentar a tempestividade do recurso, alega que o prazo de dez dias para recorrer para o Tribunal Constitucional se conta, no caso, da data em que se tornou definitivo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Março de 1998, pois que foi este aresto que não admitiu o recurso ordinário que interpusera. Sem razão, porém. De facto, o recurso vem interposto do acórdão da Relação, de 15 de Novembro de
1993. Ora, como decorre de tudo quanto se disse, este aresto transitou em julgado no momento em que passou em julgado o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (de 25 de Outubro de 1995), que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho de inadmissão da revista. Por conseguinte, quando foi interposto o presente recurso (25 de Março de 1998), há muito já que o acórdão recorrido (de 15 de Novembro de 1993) se tinha consolidado na ordem jurídica, pois ? contrariamente ao que pretende o reclamante ? as vicissitudes processuais posteriores, que culminaram com a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Março de 1998, não têm a virtualidade de protrair a data de início do prazo para recorrer para este Tribunal. Na verdade, o agravo, que aquele acórdão do Supremo decidiu, não versou sobre a questão de mérito que a Relação julgou, aplicando, para tanto, o artigo 11º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro, aqui sub iudicio, mas sim sobre nulidades que, em seu entender, foram cometidas no processo. A questão de mérito, essa ficou definitivamente arrumada com o trânsito em julgado do referido despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Tendo o acórdão da Relação transitado em julgado, é ele irrecorrível para este Tribunal. A reclamação tem, por isso, que ser indeferida. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com taxa de justiça que se fixa em dez unidades de conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 1998 Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Proc. nº 741/98 Messias Bento RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE
[Decisão recorrida transitada em julgado]
- O acórdão da Relação de que se interpôs recurso para o STJ, que não foi admitido com fundamento na sua intempestividade, transita no momento em que passa em julgado o despacho do Presidente do STJ que indefere a reclamação apresentada contra a inadmissão da revista.
- A circunstância de, posteriormente, o STJ ter tirado outro acórdão no mesmo processo a julgar questões processuais não tem a virtualidade de protrair o início do prazo do recurso de constitucionalidade.