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Procº nº: 669/2001.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 10 de Dezembro de 2001 proferiu o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
“1. Pelo Tribunal de comarca de Mafra C... e mulher, E..., intentaram acção, que veio a seguir a forma de processo ordinário, contra O ..., A ..., M... e mulher, G..., D... e marido, L..., B... marido, R..., J... e Q...
(posteriormente tendo sido habilitados para prosseguirem a acção no seu lugar I..., F... e G...) e mulher, a já citada I..., solicitando a condenação dos réus a reconhecerem o direito de preferência que aos autores assistia na venda que a anterior proprietária efectuou aos réus Q... e mulher e que incidiu sobre um prédio urbano sito na Ericeira, prédio esse do qual os autores eram inquilinos habitacionais das respectivas «águas-furtadas».
Tendo os réus Q... e mulher contestado e reconvindo, veio, em 15 de Julho de 1998, a ser proferido saneador, por intermédio do qual foram os réus absolvidos do pedido, o que motivou os autores a, do assim decidido, apelarem para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 27 de Abril de 1999, concedeu provimento à apelação.
Desse acórdão pediram revista os réus I..., F... e G....
Neste Tribunal de 2ª instância, o Desembargador Relator, em 22 de Novembro de 2000 proferiu o seguinte despacho:-
‘Tendo falecido na pendência da causa a Autora E... (vidé certidão de
óbito junta a fls. 275), foi pelo despacho de fls. 276 declarada suspensa a instância, ao abrigo do disposto nos artºs 276 n° 1 al. a) e 277 do C.P.C. Esse despacho foi notificado por cartas registadas expedidas em 22/6/99 aos mandatários das partes (fls. 276). Segundo o artº 284 n°1 al. a) do C.P.C. : a suspensão cessa no caso da al. a) do n° 1 do artº 276, quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida. E nos termos do disposto no artº 291 n° 2 do C.P.C.: os recursos são julgados desertos, quando por inércia do recorrente estejam parados durante mais de um ano. Segundo o n° 3 do preceito: tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, o recurso é julgado deserto se decorrer mais de um ano sem que se promovam os termos do incidente. Cumpria às partes promover os termos da habilitação dos sucessores da falecida E.... Ora, no caso em apreço, as partes deixaram decorrer mais de um ano sem promoverem o incidente de habilitação dos herdeiros da referida E.... Perante o exposto e ao abrigo do disposto nos artºs 276 n° 1 al. a), 277 e 284 n° 1 al. a) e 291 n° 2 e 3 todos do C.P.Civil, julgo deserto o recurso interposto a fls. 272 pelos réus e admitido pelo despacho de fls. 273. Notifique’.
Tendo do transcrito despacho reclamado para a conferência os citados reús/recorrentes, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 20 de Março de
2001, veio a mantê-lo.
Deste aresto agravaram os aludidos réus para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na alegação que produziram, formulado as seguintes
«conclusões»:-
‘1. Vem o presente recurso do acórdão proferido a fls. pelo qual foi confirmado o despacho do senhor Desembargador-relator, de fls. que, por sua vez, havia julgado deserto o recurso interposto a fls. 272.
2.º
o acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação das normas legais pertinentes, porquanto a norma do artigo 291º, n° 3 do Código de Processo Civil, não pode, no caso dos autos, ser aplicada;
3.º Não podem os Recorrentes ser penalizados em virtude de o processo ter estado parado durante mais de um ano, posto que não só não foi por facto que lhes fosse imputável, como tão pouco tinham possibilidade, e menos ainda o dever, de o fazer prosseguir, já que não só não sabem, como não têm legalmente meio de saber quem são os sucessores da A. que veio a falecer.
4.º Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido 'beneficia o infractor '.
5.º Aliás, o disposto no n° 3 do artigo 291° só tem aplicação aos recursos pendentes nos incidentes com efeito suspensivo. NÃO ERA O CASO DOS AUTOS. JÁ QUE O RECURSO PENDENTE NÃO CORRIA OS SEUS TERMOS EM QUALQUER INCIDENTE, MAS NA ACÇÃO PRINCIPAL.
6.º Note-se que a decisão constante do acórdão recorrido deixa completamente impune os herdeiros da falecida E....
7.º A tese do acórdão constitui violação do princípio constitucional da igualdade.
8.º A decisão recorrida violou ainda os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça.
9.º Em suma, o acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto no artigo 291º n° 3 do Código de Processo Civil.
10.º E, violou, com a interpretação e aplicação que fez da referida norma o disposto no artigo 13° da Constituição da Republica’ .
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de Outubro de
2001, negado provimento ao agravo, recorreram os indicados réus, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art° 70° da Lei no 28/82, de 15 de Novembro, para o Tribunal Constitucional, por seu intermédio pretendendo a apreciação da
‘inconstitucionalidade da norma constante do nºs 3, artigo 291° do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido do acórdão agora proferido nestes autos’, e dizendo que suscitaram a questão de inconstitucionalidade nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
O recurso veio a ser recebido por despacho prolatado em 26 de Outubro de 2001 pelo Conselheiro Relator daquele Alto Tribunal.
2. Porque esse despacho não vincula este órgão de administração de justiça (cfr. nº 3 do art° 76° da Lei no 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do art° 78°-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento desta impugnação.
Na verdade, tratando-se, como se trata, de um recurso estribado na citada alínea b) do nº 1 do art° 70° da Lei nº 28/82, mister é, inter alia, que a «parte», que posteriormente dele queira lançar mão, tenha, antecedentemente ao proferimento da decisão judicial que intenta impugnar perante o Tribunal Constitucional, suscitado a questão de desarmonia com a Lei Fundamental referentemente a determinada norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional.
E, tratando-se de uma dimensão interpretativa, ponto é que essa dimensão seja, concretamente, posta em causa do ponto de vista da sua validade constitucional, enunciando, de modo preciso, o sentido que reputa enfermado desse vício.
Pois bem.
Como resulta da transcrição acima feita, os ora recorrentes, aquando da sua alegação do agravo dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça, em passo algum assacaram, quer à norma ínsita no nº3 do art° 291º do diploma adjectivo civil, quer a uma sua qualquer forma de interpretação, o vício de desconformidade com o Diploma Básico.
Antes, e pelo contrário, defenderam que aquele preceito não era aplicável ao caso e que, tendo o acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa entendido que o era, tal aresto violava os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.
Significa isto que o vício de inconstitucionalidade foi dirigido, não a uma qualquer norma, mas sim à decisão judicial.
Ora, como é sabido, os recursos de fiscalização concreta têm por objecto normas e não outros actos emanados do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
De concluir é, pois, que, no caso sub specie, os recorrentes não cumpriram o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade reportada a um sentido interpretativo cominado a dada norma jurídica.
3. Termos em que se não conhece do objecto do recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamaram nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82 I..., F... e G..., tendo dito que:-
- dirigiram o vício de inconstitucionalidade à errada interpretação do disposto na norma constante do artº 291º, nº 3, do Código de Processo Civil, como resulta das «conclusões» 2ª, 5ª, e 7ª a 10ª do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça;
- não se entende o que é dito na parte final da decisão sumária ora em crise - quando nela se afirma que, sendo sabido que os recursos de fiscalização concreta têm por objecto normas jurídicas e não outros actos emanados do poder público tais como, por exemplo, as decisões judiciais qua tale consideradas - em face do que se prescreve no corpo e alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82.
Ouvidos os recorridos C... e mulher, E..., vieram os mesmos defender que a reclamação sub specie não tinha razão de ser, devendo, por isso, ser confirmada a decisão reclamada.
Cumpre decidir.
2. É evidente a improcedência da reclamação sub specie.
Na realidade, como deflui daquela reclamação, os ora reclamantes, na alegação que produziram aquando do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, “não assacaram, quer à norma do nº 3 do artº 291º, quer a uma sua qualquer forma de interpretação, o vício de desconformidade com o Diploma Básico”, pois que aquilo que pelos mesmos foi sustentado foi que o acórdão lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa fez uma incorrecta interpretação do nº 3 do artº 291º do Código de Processo Civil, preceito que só tinha aplicação quanto aos recursos pendentes nos incidentes com efeito suspensivo, o que não seria o caso dos autos e que, ao decidir como decidiu, aquele aresto tinha violado os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, desrespeitando o artigo 13º da Lei Fundamental.
A violação de preceitos ou princípios constitucionais, foi, assim, dirigida à decisão judicial prolatada no Tribunal da Relação de Lisboa, não se surpreendendo na aludida alegação qualquer invocação de uma tal violação por banda da norma do nº 3 do citado artº 291º, ou de um sua qualquer dimensão interpretativa.
Por último, o que é incompreensível é a invocação, por parte dos ora reclamantes, de que não se compreende o passo da decisão sumária sub iudicio em que se afirmou que os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa tinham por objecto normas jurídicas e não outros actos emanados do poder público.
E diz-se que isso é incompreensível pois que é isso que resulta do nº 1 do artigo 280º da Constituição e do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, tendo, desde sempre e sem discrepâncias, sido desse entendimento a jurisprudência deste Tribunal (cfr., por entre muitíssimos outros, os Acórdãos números 26/85, 128/84, 1/85, 90/85, 39/86, 129/86, 130/86, 305/86, 353/86,
259/87, 388/87, 123/88, 162/88, 260/88, 274/88, 349/89, 373/89, 28/90, 54/90,
91/90 e 488/93). Os recursos são interpostos de decisões judiciais, mas o respectivo objecto é, e tão só, a desconformidade com a Constituição por parte de normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Acresce a tudo isto, e modo definitivo, que a questão de inconstitucionalidade pretendia suscitar era manifestamente infundada, pois que se não vê em que a alegada “interpretação” feriria o principio da igualdade.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa