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Proc. nº 69/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
(Consª Maria Fernanda Palma)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, deduziu querela provisória contra A..., identificado nos autos, e outro, imputando-lhe a prática, em co-autoria, de quatro crimes de burla e quatro crimes de abuso de confiança, previstos e puníveis nos termos dos artigos 313º e 314º, alínea c), e 300º, nºs. 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal (texto de 1982), respectivamente.
Ao prestar, pela primeira vez, declarações no processo, o arguido e ora recorrente, afirmou que apenas responderia às perguntas que lhe iriam ser formuladas na presença do seu advogado, dr. J..., indicando o domicílio profissional deste.
Nas declarações que posteriormente veio a prestar, foi o arguido assistido por esse advogado que assinou o respectivo auto conjuntamente com ele, protestando juntar procuração forense, o que não veio a suceder.
2. - Declarada aberta a instrução contraditória, foi nomeado defensor oficioso ao arguido o dr. JA..., expedindo-se concomitantemente ofício precatório para a notificação do arguido na morada que constava dos autos.
Uma vez que o ofício foi devolvido, por desconhecimento do paradeiro do notificando, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa solicitou à DGRN-DSIC e ao ACRI informação sobre a morada do arguido, tendo-se apurado apenas que a morada constante do pedido de renovação do bilhete de identidade era a mesma que constava dos autos.
Em consequência, foi ordenado o prosseguimento dos autos, nos termos do § 2º do artigo 352º do Código de Processo Penal de 1929.
A instrução contraditória foi declarada encerrada, sendo a querela provisória convertida em definitiva. Tais actos foram notificados ao defensor oficioso.
3. - Remetidos os autos à 2ª Vara Criminal de Lisboa, foi proferido despacho de pronúncia, datado de 20 de Março de 1995, no qual se confirmou a querela provisória.
Após a prolação do despacho de pronúncia, veio este juntar aos autos procuração forense a favor do dr. O... (fls. 1161).
4. - O arguido interpôs recurso do despacho de pronúncia, bem como das decisões de fls. 1058 e 1059 (prosseguimento dos autos sem ter ocorrido a sua notificação e conversão da acusação provisória em definitiva).
Nas respectivas alegações, o ora recorrente sustentou a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 22º e 352º do Código de Processo Penal de 1929, tal como foram interpretadas pela decisão recorrida, por violação das garantias de defesa (artigos 2º, 3º, 12º, 13º, 18º, 20º, 24º, 25º,
26º, 27º e 32º da Constituição).
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Março de 1996, negou provimento ao recurso, tendo procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido: considerou que os factos indiciados integram a prática de um crime de burla agravada, na forma continuada.
Requerida a aclaração do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Março de 1996, foi a mesma indeferida por acórdão de 24 de Abril de 1996.
5. - O arguido interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Março de 1996 (complementado pelo acórdão de 24 de Abril de 1996), ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº
1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 22º, § 1º, 99º, 53º, 100º e 352º, § 2º, do Código de Processo Penal de 1929, tal como foram interpretadas e aplicadas na decisão recorrida.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluíu do seguinte modo:
1. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou, implicitamente, as normas constantes do artigo 22º e seu § 1º, do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhes foi dada pelo mesmo Tribunal e que determinou que, contrariamente ao disposto nos artigos 352º, 370º e 380º, do mesmo Código, nem o arguido, ora recorrente, nem o seu advogado constituído tivessem sido notificados quer da acusação deduzida pelo Digno Ministério Público quer da querela, quer da abertura e do encerramento da instrução contraditória, e que o seu advogado mandatário constituído tivesse sido notificado do despacho de pronúncia, é inconstitucional - e como tal deve ser declarada -, por terem sido violados princípios e preceitos constitucionais (cfr. artigo 32º, nºs. 1, 2 e 4, CRP) e de direito internacional que vinculam o Estado português (cfr. o artigo
6º, nº 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
2. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou as normas constantes do artigo 99º, § 3º e do artigo 100º, do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhes foi dada por esse Tribunal, também viola os princípios e preceitos constitucionais e de direito internacional acima aludidos; pois essa interpretação dada pelo Tribunal da Relação induz que as apontadas faltas de notificação do arguido e do advogado por si escolhido - apesar de se tratar ou estarem em causa actos absolutamente essenciais no processo penal, como sejam os referidos -, não constituem nulidades principais e insanáveis, por entender (a decisão recorrida, aliás criticavelmente) poderem ser supridas ou sanadas mesmo sem a realização de tais notificações, além de considerar, aliás sem razão, que tais ilegalidades não influem no exame e decisão da causa - com o que violou o artigo 32º nº 3 (v.g. 2ª parte da Constituição).
3. A aplicação e interpretação das citadas normas processuais penais com o sentido que lhes foi dado pelo Tribunal recorrido determina a inconstitucionalidade directa por violação do cit. artigo 32º, nº 3 da Constituição e a inconstitucionalidade indirecta por violação do artigo 6º, nº
3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
4. Uma tal interpretação conjugada das normas acima citadas do Código de Processo Penal de 1929 - nos termos exactos em que o Tribunal a fez - viola a injunção constitucional do artigo 32º, nº 1, segundo a qual o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, bem como o princípio do contraditório garantido pelo artigo 32º, nº 5, da Constituição, uma vez que não tendo sido notificado de todos os actos do processo, designadamente não lhe sendo notificada a acusação, a querela e o despacho de abertura e encerramento da instrução contraditória, ficou o arguido impedido de assegurar uma defesa efectiva e de contraditar as imputações que ali lhe foram feitas, nomeadamente não podendo, como pretenderia fazer caso fosse notificado, suscitar nulidades ou requerer diligências e obter a rejeição da acusação, para não ser pronunciado.
5. A norma constante do artigo 352º, § 2º, do Código de Processo Penal de 1929, na medida em que essa norma, permitindo que o processo siga sem a notificação da acusação ao arguido, quando não seja efectuada, viola igualmente as disposições do artigo 32º, nº 1 e nº 5 da Constituição, designadamente as garantias de defesa efectiva (porque a própria defesa nunca existiria) e o princípio do contraditório.
Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, tendo tirado as seguintes conclusões:
1º Não é inconstitucional a norma constante do § 2º do artigo 352º do Código de Processo Penal de 1929, sempre que o tribunal, antes de dispensar a notificação da acusação ao arguido, haja realizado as diligências normalmente adequadas para o localizar, apenas se frustrando a notificação pela circunstância de aquele ter alterado a sua residência, sem o haver comunicado ao processo e sem que tivesse feito averbar nos arquivos de identificação civil a respectiva residência actual.
2º O direito de acesso aos tribunais (artigo 20º, nº 1) e o princípio das garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 3) envolvem o direito do arguido à escolha do defensor que o irá patrocinar no processo penal, não devendo ser designado defensor oficioso quando o arguido haja manifestado nos autos, de forma clara, a intenção de ser representado no processo pelo advogado que o assistiu quando do primeiro interrogatório.
3º Constitui restrição desproporcionada às garantias de defesa e ao direito à escolha de defensor a interpretação da norma constante do artigo 22º e § 1º do Código de Processo Penal de 1929 em termos de - num processo em que se frustrou a notificação da acusação ao arguido - se inferir automaticamente que a falta de junção da procuração forense implica, sempre e necessariamente, a inexistência de advogado constituído, quando o arguido haja explicitamente revelado a intenção de que o patrocínio pelo advogado que indicou no acto de interrogatório se não circunscrevia à assistência a tal diligência e manifestado a essencialidade que, para ele, revestia a sua defesa pelo mandatário indicado.
4º
É irregular a designação - nas circunstâncias antecedentemente referidas - de defensor oficioso pelo tribunal, sem que previamente se haja convidado ou o arguido ou o advogado por ele escolhido - e que o assistiu no acto de interrogatório - a juntar aos autos a procuração forense que se protestara apresentar.
5º Tal irregularidade não pode, consequentemente, considerar-se sanada, nos termos dos artigos 99º e 100º do Código de Processo Penal de 1929, com a mera realização das subsequentes notificações ao defensor oficioso nomeado, à revelia, quer do arguido, quer do advogado por ele escolhido.
6º Termos em que deverá proceder parcialmente o presente recurso, em consonância com o juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa do citado artigo
22º e § 1º do Código de Processo Penal de 1929 - com a consequente irregularidade de representação pelo defensor oficioso nomeado.
7. - Corridos os vistos e após mudança de relator, por vencimento, cumpre decidir.
II
1. - São duas as questões de constitucionalidade normativa que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
A primeira relaciona-se com o disposto no § 2º do artigo
352º do Código de Processo Penal de 1029, na parte em que estatui que, não sendo possível efectuar a notificação da acusação ao arguido, o processo seguirá sem ela. O recorrente considera que tal norma, tal como foi interpretada e aplicada pelo tribunal a quo, é inconstitucional, por violação do disposto nos nºs. 1 e 5 do artigo 32º da Constituição (garantias de defesa e contraditório).
A segunda questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente diz respeito às normas constantes do artigo 22º, proémio § 1º, do Código de Processo Penal de 1929, interpretadas no sentido de se considerar que o advogado que, por indicação expressa do arguido, o assistiu no primeiro interrogatório, não passa a representá-lo nos termos ulteriores do processo. O recorrente considera que tal interpretação, assim como a interpretação das normas contidas nos artigos 99º, § 3º, e 100º, do Código de Processo Penal de
1929, no sentido de se poder considerar suprida a irregularidade consistente na falta de notificação do advogado que assistiu o arguido no primeiro interrogatório da acusação e da querela definitiva do Ministério Público, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 32º, nº 3, da Constituição, e 6º, nº 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2. - A questão da constitucionalidade § 2º do artigo 352º do Código de Processo Penal de 1929.
2.1. - É a seguinte a redacção da primeira norma impugnada: Artigo 352º
(Notificação da acusação, arguição de nulidades e requerimento de diligências) A acusação, quando não tenha sido precedida de instrução contraditória, será notificada aos arguidos presos ou seus advogados no prazo de 24 horas ou, não havendo arguidos presos, no prazo de cinco dias. O mesmo se observará em relação ao requerimento do Ministério Público para abertura da instrução contraditória.
§ 1º ...
§ 2º Se não for possível efectuar a notificação, o processo seguirá sem ela.
O recorrente considera que tal norma, ao permitir o prosseguimento dos autos sem que se tenha procedido à notificação do teor da acusação ao arguido, viola as garantias de defesa e o princípio do contraditório, consagrados no artigo 32º, nºs. 1 e 5, respectivamente, da Constituição.
Porém, importa ter presente que, em face da solução normativa impugnada, o processo apenas prosseguirá os seus termos no caso de não ser possível proceder à notificação da acusação. O tribunal tem, nessa medida, o dever de tomar as diligências necessárias e razoavelmente exigíveis com vista à localização e respectiva notificação do arguido, só ordenando o prosseguimento do processo no caso de tais diligências se frustrarem. Deste modo, os interesses da defesa encontram-se suficientemente salvaguardados.
Por outro lado, nesta fase, e ao contrário do que acontece no julgamento, ainda não foi tomada uma decisão final sobre a responsabilidade jurídico-penal do arguido. Nessa medida, não colidirá com as garantias de defesa do arguido uma norma que, visando evitar a paralização do processo numa fase anterior ao julgamento, permita o prosseguimento dos autos, no caso de a notificação pessoal da acusação não ser possível. Tal norma deverá, antes, ser concebida como instrumento da harmonização de valores constitucionalmente tutelados (garantias de defesa versus eficácia e celeridade processual), não padecendo, pois, de qualquer inconstitucionalidade.
2.2. - Ora, nos presentes autos, o tribunal realizou todas as diligências exigíveis com o objectivo de localizar o arguido para que se procedesse à notificação da acusação. Com efeito, foi expedido ofício precatório para notificação do arguido na morada constante dos autos (fls. 1048, verso). Confrontado com a certidão negativa de fls. 1050, verso, o tribunal formulou pedido de informação sobre o paradeiro de arguido (fls. 1051). Obtidos os documentos de fls. 1052 a 1057, apurou-se que a morada do arguido seria a constante dos autos.
Só então se ordenou o prosseguimento dos autos, procedendo-se à notificação do defensor oficioso, nos termos do artigo 352º do Código de Processo Penal de 1929. Deste modo, o Tribunal de Instrução Criminal realizou as diligências necessárias à localização do arguido. Se a notificação pessoal da acusação não foi possível, tal deveu-se unicamente ao facto de o arguido não ter informado o tribunal do seu novo paradeiro.
Conclui-se, nessa medida, que a norma impugnada, tal como foi interpretada e aplicada pelo tribunal a quo, não viola o disposto no artigo 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição.
3. - A questão da constitucionalidade dos artigos 22º, 99º e
100º do Código de Processo Penal
3.1. - A segunda questão de constitucionalidade suscitada tem por objecto as normas contidas nos artigos 22º, 99º e 100º do Código de Processo Penal de 1929.
É a seguinte a redacção das normas impugnadas: Artigo 22º
(Intervenção pessoal do réu. Assistência de advogado) O réu tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que essa assistência é obrigatória.
§ 1º Quando a lei determinar que o réu seja assistido de advogado, o juiz lho nomeará oficiosamente, se ele o não tiver. Neste caso, o advogado nomeado ficará a representá-lo nos actos posteriores do processo.
(...) Artigo 99º
(Regime de arguição e conhecimentos das nulidades) As nulidades a que se refere o artigo anterior que se não deverem considerar sanadas podem ser arguidas em qualquer estado da causa e os tribunais de qualquer categoria devem conhecer delas, independentemente de reclamação dos interessados, salvo o disposto nos parágrafos seguintes.
§ 1º A nulidade do nº 2, quando consista no emprego de uma forma de processo comum mais solene em vez de outro menos solene, só pode ser arguida até ao dia em que se realize a audiência de julgamento.
§ 2º As nulidades dos nºs. 5º e 6º só podem ser arguidas até o interrogatório do réu na audiência de julgamento.
§ 3º Os tribunais superiores poderão sempre julgar suprida qualquer nulidade que não afecte a justa decisão da causa. Artigo 100º
(Irregularidades no processo) Qualquer irregularidade do processo, não compreendida no artigo 98º, só poderá determinar a anulação do acto a que se refere e dos termos subsequentes que ela possa afectar, quando tenha sido arguida pelos interessados no próprio acto, se a ele estiveram presentes ou devidamente representados ou, se não estiveram, no prazo de cinco dias, a contar daquele em que foram notificados para qualquer termo do processo ou intervieram em algum acto nele praticado, depois de cometida a nulidade.
§ 1º O juiz só deverá atender a arguição das nulidades a que este artigo se refere, quando tenha havido reclamação no próprio acto em que se praticaram ou se, tendo sido posteriormente arguidas, puderem influir no exame e decisão da causa; mas poderá oficiosamente mandar suprir qualquer falta ou irregularidade, quando o processo lhe for concluso pela primeira vez depois de cometida.
§ 2º Às nulidades a que se refere este artigo é aplicável o § 3º do artigo anterior.
O recorrente considera que tais normas, interpretadas no sentido de o advogado que, por indicação expressa do arguido, o assistiu no primeiro interrogatório não o passa a representar nos termos ulteriores do processo, podendo, consequentemente, considerar-se suprida a irregularidade consistente da falta de notificação da acusação e da querela definitiva do Ministério Público a esse advogado, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, nº 3, da Constituição, e 6º, nº 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3.2. - Não se subscreve a invocada tese de inconstitucionalidade.
O arguido tem, na verdade, o direito de escolher defensor e de ser por ele assistido em todos os actos do processo, o que constitui umas das vertentes fundamentais das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas, nos termos do nº 3 do artigo 32º da Constituição, que, no entanto, remete para a lei ordinária a especificação dos casos e fases em que essa assistência é obrigatória.
No caso vertente, o arguido ora recorrente foi apresentado à magistrada judicial para interrogatório, tendo declarado que pretendia responder às perguntas que lhe iam ser feitas na presença do seu advogado, que identificou (fls. 673 dos autos), e, com efeito, como se vê do auto de fls. 681, veio a prestar declarações com a assistência do dr. José Roque, com escritório nesta cidade, 'que oportunamente juntará procuração forense', o qual assinou juntamente com o arguido o respectivo auto (fls.
682-v.).
Certo é que, efectuada a diligência em 12 de Fevereiro de 1988, nunca a procuração prometida foi junta e, assim, no despacho em que se declarou aberta a instrução contraditória, a 12 de Julho de 1994 (fls. 1048), nomeou-se defensor oficioso o dr. José Arrais, que passou a ser notificado dos trâmites processuais, vindo o arguido, entretanto notificado editalmente e contra quem tinham sido emitidos mandatos de captura, pedir a substituição da medida de coacção que lhe fora imposta, em requerimento subscrito por outro advogado, dr. Octávio Ramires, que protesta juntar procuração, como efectivamente veio a fazer (fls. 1128 e 1161), mais tarde subestabelecendo no dr. Paulo Guerra (fls. 1184).
Este apontado factualismo não permite afirmar que o arguido conferiu mandato judicial a quem o assistiu no primeiro interrogatório, por via de um dos meios legalmente admissíveis para o efeito, nem tão pouco que pretendia ser representado e assistido nos termos processuais subsequentes por esse mesmo causídico de modo a legitimar-se a afirmação de que foi contrariado o seu direito à escolha de advogado.
Na verdade, a interpretação adoptada compagina-se com a necessidade de nomeação de um defensor oficioso, uma vez que se tratava de acto para o qual era obrigatória a sua assistência - primeiro interrogatório judicial de arguido detido [artigo 64º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal).
Não houve constituição de mandato judicial por instrumento público, nos termos previstos na alínea a) do artigo 35º do Código de Processo Civil e dos artigos 116º e seguintes do Código do Notariado, na ocorrência ou em momento posterior (como veio a suceder em 28 de Julho de 1995, a fls. 1161), nem tão pouco por declaração apud acta, como prevê a alínea b) daquele artigo 35º ('por declaração verbal da parte no acto de qualquer diligência que se justifique no processo'). Com efeito, não só nenhuma declaração nesse sentido foi exarada - e a ter havido, ficaria, de qualquer modo, sujeita à liquidação da quantia devida pelo acto, nos termos do artigo 90º do Código das Custas Judiciais então em vigor (hoje no artigo 109º do texto actual), o que não teve lugar - como a figura do chamado 'mandato implícito', consistindo na assinatura do mandante após a do mandatário, admitida, condicionalmente, outrora (cfr., Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, pág. 116), não é configurável face aos modos taxativamente prescritos no artigo 35º do Código de Processo Civil (cfr., v.g., Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra,
2ª ed., 1985, pág. 193, nota (3), e Álvaro Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, Lisboa, 1997, pág. 119).
Sendo assim, nem houve qualquer interpretação normativa lesiva do preceito constitucional em causa [ou do artigo 6º, nº 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , cuja convocação desinteressa ponderar, em face da conclusão a que se chega], nem sequer é configurável uma irregularidade de mandato, sanável por via do disposto no artigo 40º do Código de Processo Civil.
Os parâmetros da questão não invadem a esfera das garantias constitucionais da defesa: a assistência de defensor foi sempre assegurada e efectiva; a sua escolha, quando o arguido se compromete a conferir mandato judicial e não o faz, não decorre da lógica garantística constitucional.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999- Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helene Brito Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma (vencida em parte, nos termos de declaração de voto junta) Declaração de voto
1. Tendo sido a primeira relatora do presente processo, propugnei no projecto de Acórdão então apresentado a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 22º, 99º e 100º do Código de Processo Penal de 1929, tal como foram interpretadas na decisão recorrida. Tal entendimento não obteve, porém, vencimento. Nessa medida, voto vencida o presente Acórdão, na parte em que decide não julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 22º, 99º e 100º, do Código de Processo Penal de 1929, pelas razões constantes do projecto inicial, que passo a descrever.
2. O direito à escolha de advogado (no processo, em geral, e no processo penal, em particular) constitui uma vertente essencial das garantias de defesa , uma vez que o defensor desempenha um papel fundamental na definição e execução da estratégia a adoptar pelo arguido no processo. Nessa medida, uma qualquer afectação de tal direito só será legítima se se fundamentar em valores constitucionalmente relevantes.
No presente processo, o arguido declarou expressamente que só prestaria declarações na presença do seu advogado (fls. 673 e 681). No primeiro interrogatório, o referido advogado, cujo domicílio profissional já constava do processo, acompanhou o arguido, assinou o auto de declarações e protestou juntar procuração.
Tal actuação, porém, não foi considerada pelo tribunal como modo adequado de conferir mandato judicial, previsto na alínea b) do artigo 35º do Código de Processo Civil. Com efeito, o tribunal, em virtude de não ter sido apresentada a procuração forense, nomeou defensor oficioso no despacho que declarou aberta a instrução contraditória (fls. 1048), a quem passou a incumbir o patrocínio do arguido e a quem foram endereçadas as subsequentes notificações.
Contudo, resulta claro dos elementos dos autos que o arguido pretendia ser representado e assistido nos ulteriores termos do processo por advogado por si escolhido.
3. Assim, o tribunal, em face das circunstâncias descritas nos autos, ao interpretar as normas contida nos artigos 22º, § 1º, 99º e 100º do Código de Processo Penal de 1929, no sentido de a falta de procuração forense implicar, por si só e necessariamente, a inexistência de advogado constituído, devendo, consequentemente, nomear defensor oficioso, e podendo, concomitantemente, considerar-se suprida a irregularidade consistente na falta de notificação da acusação e da querela definitiva do Ministério Público ao advogado indicado pelo arguido, violou o direito à escolha de advogado, constitucionalmente tutelado (artigo 32º, nº 3, da Constituição), na medida em que não existe qualquer fundamento que legitimamente justifique a irrelevância conferida à vontade expressa do arguido manifestada no primeiro interrogatório.
Ainda que se tivesse considerado que a declaração do arguido constante do auto de interrogatório não envolveria a clara intenção de conferir mandato judicial ao advogado que então o assistiu, sempre se deveria entender que a falta da procuração forense consubstanciaria tão somente uma mera irregularidade de mandato, a sanar pela via prevista no artigo 40º do Código de Processo Civil: notificação do advogado indicado pelo arguido para juntar a procuração que protestara juntar.
Concluo, por conseguinte, que a interpretação das normas em apreciação feita pelo tribunal recorrido viola o direito à livre escolha de advogado, afectando, por essa via, as garantias de defesa do arguido (artigo
32º, nºs 1 e 3, da Constituição). José Manuel Cardoso da Costa