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Proc. nº 657/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Por acórdão de 20 de Dezembro de 1995, o Tribunal Colectivo da
1ª Vara Criminal de Lisboa absolveu o arguido e ora recorrente E... da autoria de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível nos termos das disposições conjugados dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas c) e f)
[presentemente alínea g) no que respeita à prática de crime comum] do Código Penal de 1982, de que vinha acusado pelo Ministério Público. O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Criminal de Lisboa interpôs recurso do referido acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 399º, 401º, nº 1, alínea a), e 432º, alínea c) [alínea d) na redacção actual], todos do Código de Processo Penal, sustentando, na respectiva motivação, contradição insanável na fundamentação. Em primeiro lugar, tal contradição resultaria de se ter dado como provado que o arguido teve sempre a posse e o domínio da arma que produziu a morte da vítima, mas como não provado que ele tenha sido o autor do disparo. Igualmente contraditório teria sido considerar-se provado que o arguido estava caído por terra com a arma empunhada e a vítima sobre ele inclinada, ao mesmo tempo que se deu como provado que a bala seguiu uma trajectória de cima para baixo. Finalmente, o acórdão recorrido teria ainda violado o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, enfermando pois de nulidade, por não ter fundamentado a absolvição dentro dos limites da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal). Na sua resposta, o arguido defendeu, pelo contrário, que o acórdão recorrido não padecia de vício algum e propugnou a consequente manutenção do julgado.
2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 18 de Abril de 1998, concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público e anulou o julgamento da primeira instância, determinando o reenvio do processo para novo julgamento relativo à totalidade do objecto do processo, ao abrigo das normas contidas nos artigo 410º, nº 2, alínea b), 426º e 436º do Código de Processo Penal. Realizado o novo julgamento - agora pelo Tribunal Colectivo da 2ª Vara Criminal de Lisboa (cf. artigo 436º do Código de Processo Penal), o tribunal condenou o arguido, por acórdão de 31 de Janeiro de 1997, pela autoria de um crime de homicídio negligente, cometido com negligência grosseira, na pena de prisão de
18 meses. Para tanto, aplicou o artigo 136º, nº 2, do Código Penal de 1982, por esta norma conter um regime concretamente mais favorável ao agente do que o previsto no artigo 137º, nº 2, do Código Penal de 1995 (cf. artigos 29º, nº 4, da Constituição e 2º, nº 4, do Código Penal).
3. Inconformado, o arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Na respectiva motivação, sustentou que a decisão impugnada violaria os artigos 410º, nº 2, 426º e 436º do Código de Processo Penal, por o tribunal a quo os haver interpretado no sentido de os seus poderes de cognição se estenderem para além do que seria necessário para sanar os vícios em nome dos quais fora decretado o reenvio. Por outro lado, defendeu que tais normas legais, a serem interpretadas no sentido daquela pretensa extensão dos poderes cognitivos do tribunal, violariam o princípio non bis in idem, consagrado no artigo 29º, nº 5, da Constituição. Além disso, entendeu que teriam sido violados o artigos 29º, nº 4, da Constituição e 2º, nº 4, do Código Penal, por o acórdão recorrido não haver ponderado as circunstâncias que possibilitam a suspensão da pena à luz de todos os regimes que vigoraram entre o momento da prática do facto e o momento da condenação. Ainda quanto à questão da suspensão da pena, defendeu que o tribunal a quo deveria ter especificado os fundamentos de facto e de direito da suspensão ou não suspensão da pena, sem o que teria violado os artigos 97º, nº 4, 374º, nº 2, e 375º, nº1, do Código de Processo Penal - ou, em alternativa, teria procedido a uma interpretação destas normas contrária ao estatuído nos artigos 208º, nº 2, 20º e 32º, nº 1, da Constituição. Por último, alegou que o tribunal recorrido teria cometido erro de direito na aplicação do artigo 48º do Código Penal de 1982 (artigo 50º do Código Penal de 1995), na medida em que não foram tidas em conta circunstâncias relevantes para a suspensão da execução da pena constantes do primeiro acórdão (absolutório). O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso e confirmou a decisão impugnada, por acórdão de 2 de Outubro de 1997. Na parte que interessa ao presente recurso constitucionalidade, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que, ao proceder ao reenvio do processo para novo julgamento relativo à totalidade do respectivo objecto, o seu anterior acórdão de 18 de Abril de 1996 determinara um segundo julgamento completo, inteiramente autónomo do anterior:
'neste tipo de reenvio, o novo julgamento, como a própria expressão legal inculca, é um julgamento em que o tribunal (diferente) que a ele procede não está vinculado a nenhuma das decisões (de facto e de direito) do tribunal anterior, pois essas decisões ficam inutilizáveis e inutilizadas pelo reenvio ordenado pelo tribunal de recurso'.
4. É deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que vem o presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente indica como normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada os artigos 410º, nº
2, 426º e 436º do Código de Processo Penal, tal como foram interpretados e aplicados no aresto do Supremo Tribunal de Justiça. Por outro lado, identifica como norma da Constituição violada o artigo 29º, nº 5. Por fim, afirma que suscitou a questão de constitucionalidade na motivação do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - O objecto do processo em sede de recurso da sentença final é o delimitado pela sentença recorrida, o qual pode implicar alteração não substancial daquele outro que decorria da acusação ou da pronúncia (artigo 358º do CPP);
2 - Os poderes de cognição do tribunal ad quem em sede de recurso estão limitados por tal objecto (artigos 402º, 403º e 409º do CPP), com a concomitante intangibilidade da sentença na parte não recorrida (artigo 403º), na parte em que não aproveitar aos restantes sujeitos (artigo 402º) e em que não possa suceder reformatio in pejus (artigo 409º);
3 - O reenvio (artigos 426º do CPP) é um instrumento processual actuável pelo tribunal ad quem (artigos 431º e 436º do CPP) em sede de recursos, verificando-se um dos vícios tipificados restritamente no nº 2 do artigo 410º do CPP de que resulte não ser 'possível decidir da causa';
4 - Enquanto instrumento de recurso, o reenvio está sujeito, como tal, aos limites do objecto do processo, tal como ficou consignado na sentença, que terá de respeitar;
5 - Mesmo quando o reenvio é decretado em relação à totalidade do objecto
(artigo 426º do CPP) os efeitos e projecções que se podem extrair a nível do segundo julgamento só podem ser os adequados, necessários e suficientes para que se vençam as razões que impediam o 'decidir da causa', e sem que se possa lesionar tal objecto;
6 - O tribunal que efectuar o segundo julgamento subsequente a um reenvio, ainda quando este houver sido atinente à totalidade do objecto do processo, tem os seus poderes cognitivos e decisórios limitados às causas que concretamente tiverem sido o pressuposto jurídico processual desse reenvio, as quais são tipificadas alternativamente nas alíneas do nº 2 do citado artigo 410º do CPP;
7 - A tutela constitucional do objecto do processo decorre do artigo 32º da Lei Fundamental, quando determina que o processo penal assegura todas as garantias de defesa (nº 1) e ainda quando ali se estatuiu que o processo penal tem estrutura acusatória (nº 5) e também da norma constitucional que dispõe sobre o caso julgado e a concomitante proibição do non bis in idem (nº 5 do artigo 29º da Lei Fundamental);
8 - A tutela do objecto do processo em sede de recurso decorre também daqueles normativos da Constituição, por não haver razão suficiente para restringir o seu
âmbito material de protecção; e assim,
9 - Os artigos 426º, 436º e 410º, nº 2 do CPP se estatuírem a possibilidade de o segundo julgamento pôr em causa o objecto do processo para além dos limites inerentes aos pressupostos estritos em nome e por causa dos quais o reenvio foi decretado - e que são os enunciados no último daqueles preceitos - são materialmente inconstitucionais, por violação do nº 5 do artigo 29º da Constituição e também, em relação directa, face ao estabelecido nos nºs 1 e 5 do artigo 32º da mesma Lei Fundamental.
Por seu turno, o Ministério Público apresentou contra-alegações que concluiu assim:
1 - Não tendo sido oportunamente impugnada a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que determinou que o reenvio do processo para novo Julgamento devia ser total, não é possível, em recurso interposto das decisões que se limitaram a acatar e cumprir aquela, pretender questionar se a amplitude do reenvio era adequada, necessária e suficiente para o suprimento dos vícios que o determinaram;
2 - Não implica violação dos princípios da vinculação temática e ne bis in idem a circunstância de o arguido poder ser submetido a novo julgamento quando o tribunal ad quem entenda que a decisão de facto, proferida pelo colectivo, enferma de deficiências ou erros manifestos, que a destroem internamente;
3 - Termos em que não deverá conhecer-se do presente recurso, por a decisão recorrida não ter aplicado as normas questionadas no sentido alegadamente inconstitucional - limitando-se a argumentar com a força vinculativa do acórdão que determinou precedentemente o reenvio do processo na totalidade para novo julgamento.
Em resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o recorrente veio sustentar que não pretendeu 'pôr em crise as normas jurídicas aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça quando determinou o reenvio quanto à totalidade do objecto do processo ... (mas sim) ... a constitucionalidade das normas jurídicas aplicadas pelo tribunal que efectuou o segundo julgamento - que o Supremo Tribunal de Justiça sancionou quando chamado a sindicar em recurso esse acórdão quando estas foram por ele accionadas em termos de estender os seus poderes cognitivos para além do adequado e necessário a vencer os vícios em nome dos quais o reenvio foi decretado'.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A O objecto do recurso
6. As normas jurídicas sindicadas no presente recurso são, como já se mencionou, os artigos 410º, nº2, alínea b), 426º e 436º do Código de Processo Penal, que têm o seguinte teor: Artigo 410º Fundamentos do recurso
(...)
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
(...) b) A contradição insanável da fundamentação;
(...)
Artigo 426º Reenvio do processo para novo julgamento Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo
410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificados na decisão de reenvio.
Artigo 436º Reenvio Se o Supremo Tribunal de Justiça decretar o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo.
Com a revisão aprovada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, as normas dos artigos
426º e 436º passaram a constar, sem alterações, dos artigos 426º, nº 1, e
426º-A, nº 1, respectivamente. Por seu lado, o artigo 410º, nº 2, alínea b), passou a prever a contradição entre a fundamentação e a decisão, a par da contradição insanável da fundamentação. Deste modo, o regime processual sindicado nos presentes autos mantém-se integralmente em vigor.
7. No entender do recorrente, as normas transcritas foram aplicadas pelo tribunal que efectuou o segundo julgamento e prolatou o acórdão condenatório e pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que sancionou a aplicação de tais normas pela primeira instância, em sede de julgamento de recurso. A interpretação dada às normas em crise seria materialmente inconstitucional, visto que violaria o disposto no artigo 29º, nº 5, da Constituição, que estabelece que 'ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime'. O princípio non bis in idem seria afrontado pela interpretação dada às normas sub judicio pela decisão impugnada, uma vez que, no âmbito do segundo julgamento, o tribunal se não limitou a conhecer as questões que fosse indispensável julgar para sanar os vícios que determinaram o reenvio - e isto, apesar de o reenvio se ter referido à totalidade do objecto do processo.
B A questão prévia da não aplicação das normas questionadas pela decisão recorrida
8. Nas suas contra-alegações, o Ministério Público sustenta que a decisão recorrida não aplicou as normas questionadas no sentido alegadamente inconstitucional e se limitou a invocar a força vinculativa do acórdão que anteriormente determinara o reenvio do processo na totalidade para novo julgamento. Pelo contrário, em resposta a esta questão prévia, o recorrente defendeu que o tribunal do segundo julgamento procedeu à aplicação das aludidas normas, outro tanto sucedendo relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que confirmou a decisão da primeira instância. Ora, da leitura das normas do Código de Processo Penal questionadas resulta inteiramente claro que elas não podem ter sido aplicadas nem pelo tribunal que efectuou o segundo julgamento nem, consequentemente, pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de julgamento do recurso. Com efeito, o objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça só pode ter sido a própria decisão impugnada. Ora, se esta não procedeu a uma aplicação das normas, tão-pouco o pode ter feito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Deste modo, a menção das normas e a afirmação da respectiva não inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal de Justiça apenas podem ser tomadas como obiter dicta que não vinculam o Tribunal Constitucional, ao qual compete, decisivamente, determinar que normas foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, para efeitos de prolação de um juízo de constitucionalidade. Na verdade, o artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal limita-se a indicar como fundamento do recurso - e, consequentemente, como eventual causa do seu deferimento pelo tribunal ad quem - a contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida. Deste modo, tal norma nunca pode ser aplicada pelo tribunal que efectua o segundo julgamento, após o reenvio, pois a este tribunal está subtraído o conhecimento do objecto do recurso interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça. Também o artigo 426º (actual artigo 426º, nº 1) do Código de Processo Penal identifica expressamente como seu destinatário o tribunal de recurso, ao qual prescreve o reenvio do processo para novo julgamento. Esta norma não pode ser aplicada pelo tribunal para o qual o processo é reenviado, uma vez que se limita a determinar a competência do Supremo Tribunal de Justiça para proceder ao reenvio. A admitir-se, como pretende o recorrente, que esta norma poderia ser interpretada e aplicada pelo segundo tribunal, restringindo-se ou alargando-se o objecto do reenvio, estar-se-ia a admitir que este tribunal teria a possibilidade de controlar e limitar o que lhe é determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Assim, o acórdão deste tribunal superior estaria afinal despojado da vinculatividade que lhe advém da caracterização como decisão de um recurso. A comprovação do que se afirma pode ser apresentada nos seguintes termos: atendendo à hierarquia da Ordem Judiciária, o tribunal para o qual o Supremo Tribunal de Justiça procede ao reenvio não pode recusar-se a proceder ao julgamento; aquilo que o obriga a julgar é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que tem o dever de acatar por força das normas jurídicas que regem o relacionamento vertical entre os tribunais judiciais e não, abstracta e independentemente de tal acórdão, uma norma atributiva de competência ao Supremo Tribunal de Justiça. Assim, toda a actividade jurisdicional do último tribunal que realiza o segundo julgamento pressupõe uma aplicação prévia da norma do artigo 426º do Código de Processo Penal pelo tribunal de recurso, mas não compreende, em si mesma, a aplicação dessa norma. Por último, o artigo 436º (presentemente, artigo 426º-A, nº 1) do Código de Processo Penal limita-se a identificar o órgão jurisdicional competente em caso de reenvio, especificando que se trata do tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo. Afinal, esta norma vem apenas completar a do artigo 426º, apontando o tribunal destinatário do reenvio.
9. Ante o exposto, é forçoso concluir que o acórdão recorrido não procedeu a nenhuma interpretação ou aplicação das normas sindicadas. Não está em causa , em concreto, um sentido, interpretação ou dimensão materialmente inconstitucionais, porque violadores do disposto no artigo 29º, nº 5, da Constituição. Atendendo à previsão e à estatuição das normas em crise, é impossível, na verdade, que elas hajam sido sequer aplicadas no âmbito da decisão recorrida, visto que têm como destinatário um outro tribunal e como tempo de aplicabilidade um outro momento do processo: aquele em que se procedeu ao reenvio para se proceder a um novo julgamento.
É claro que o tribunal de primeira instância, ao realizar o segundo julgamento, entendeu que os seus poderes cognitivos não estavam limitados pelo julgamento anterior - e é esta, de resto, a interpretação normativa alegadamente inconstitucional a que o recorrente alude. Porém, ainda assim, tal entendimento não implica a aplicabilidade das normas cuja constitucionalidade é questionada. E só as normas que o Tribunal recorrido aplicou, como critério desse seu entendimento, poderiam ser questionadas no presente recurso de constitucionalidade, com o eventual fundamento de o principio non bis in idem restringir os poderes cognitivos daquele Tribunal, por forma a que tivesse em conta o resultado do primeiro julgamento com ressalva da parte inquinada pelos vícios em nome dos quais o reenvio foi decretado. Deste modo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer o recurso. Falta, com efeito, um pressuposto processual - efectiva aplicação pelo tribunal a quo das normas cuja constitucionalidade é posta em crise - indispensável para o efeito, por força do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. III Decisão
10. Ante o exposto, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso, por a decisão recorrida não ter aplicado as normas cuja inconstitucionalidade foi arguida.
Custas pelo recorrente,fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs. Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999- Maria Fernanda Palma Artur Maurício Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) Declaração de voto Votei vencido por entender que o artigo 426º do Código de Processo Penal é aplicável, não só pelo tribunal de recurso, mas igualmente pelo tribunal ao qual o processo é reenviado e que realiza um novo julgamento, com o objecto mencionado nessa norma e concretizado na decisão de reenvio (consentindo tal norma mesmo, como sentido menos natural, mas possível, uma interpretação, no tocante ao âmbito deste novo julgamento, segundo a qual é de aplicar apenas por este tribunal ao qual o processo é reenviado – assim, se apenas a ele se referisse a disjuntiva 'ou'). No presente processo, o recorrente sustenta que a Constituição impõe que se interprete o referido artigo 426º no sentido de que, mesmo quando o processo é reenviado para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, não pode tal julgamento referir-se a mais do que às questões por causa das quais o reenvio foi decretado. Independentemente de qualquer (des)acerto de tal interpretação e da eventual (im)procedência da alegada inconstitucionalidade, entendi que o tribunal ao qual o processo foi reenviado aplicou ainda a norma em causa ao realizar o segundo julgamento, o mesmo tendo acontecido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do qual foi interposto recurso de constitucionalidade. Aliás, ainda que o tribunal ao qual o processo foi reenviado não tivesse aplicado o referido artigo 426º (mas tão-só a decisão do tribunal que determinou o reenvio), sempre tal norma foi aplicada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça pelo qual se decidiu o recurso da decisão proferida após novo julgamento – a questão de constitucionalidade do artigo
426º, suscitada nesse recurso com referência à decisão do tribunal ao qual o processo foi reenviado, foi, na verdade, apreciada e decidida por esse acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (v. o seu n.º 4), ora recorrido, em tal decisão assentando também a conclusão a que se chegou nesse aresto. Nestes termos, teria tomado conhecimento do recurso relativamente ao artigo 426º do Código de Processo Penal. José Manuel Cardoso da Costa (vencido, aderindo, no essencial, à declaração de voto do Exmº Conselheiro Paulo Mota Pinto).