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Procº nº 832/98
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. C..., arguido nuns autos de inquérito, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto do despacho do Juiz do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo que decidiu aplicar-lhe a «medida de coacção da prisão preventiva prevista no artigo 202º do CPP, sujeita à qual aguardará os ulteriores termos do processo». Na sua motivação de recurso, o recorrente sustentou: Ora, a prisão preventiva, a partir da revisão da Constituição da República Portuguesa, face ao disposto no art. 28 nº 2, tem natureza excepcional. Esta norma é de aplicação directa e imediata ? art. 18 da Constituição da República Portuguesa. Por isso se discorda da prisão preventiva do arguido-recorrente. Sendo a prisão preventiva uma medida de excepção, conforme prevê actualmente a Constituição, não estão reunidas as condições para manter o arguido preso preventivamente. E, nas conclusões da mesma motivação, assinalou designadamente:
(?)
3. A prisão preventiva tem natureza excepcional, conforme prevê a Constituição da República Portuguesa no art. 28 nº 2.
4. Não se verifica no caso do arguido essa excepcionalidade.
5. Ao arguido deveria ter sido aplicada a medida de coacção prevista no art. 201 do C.P.P..
6. Por isso, o Sr. Juiz do Tribunal ?a quo? violou o disposto no art. 28 nº 2 da Constituição da República Portuguesa e do art. 202 do C.P.P..
2. Tendo-lhe sido negado provimento ao recurso na Relação, veio o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, «ao abrigo do artigo 70º nº 1, al. b)» da LTC, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 202º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, «na interpretação feita pelos Srs. Juízes», a qual violaria o já referido artigo 28º, nº 2, da CRP. No requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, afirmou-se que «o arguido levantou o problema da inconstitucionalidade de tal norma na sua motivação, bem como nas conclusões 3, 4 e 6 da motivação de recurso» (para a Relação).
3. Nos termos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, o relator, no Tribunal Constitucional, decidiu não tomar conhecimento do recurso, considerando o seguinte: Acontece, porém, como resulta meridianamente do relato efectuado, que o recorrente nunca suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma do CPP que veio a impugnar no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Sendo certo que tal norma foi expressamente invocada no despacho que decretou a prisão preventiva do arguido, a verdade é que este, no recurso para a Relação, não a acusa de se encontrar ferida de qualquer inconstitucionalidade, antes invocando que o mencionado despacho a violou, assacando a esse mesmo despacho judicial o pretendido vício de inconstitucionalidade (cfr. a conclusão 6). Ora, o recurso de constitucionalidade tem sempre como objecto uma certa norma jurídica, não podendo incidir sobre actos judiciais - ou políticos, ou administrativos -, já que entre nós se não encontra consagrado o recurso de queixa constitucional ou o recurso de amparo. Para além disso, o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP e no artigo 70º, nº 1, da LTC tem como pressuposto que a questão de inconstitucionalidade normativa haja sido suscitada pela parte durante o processo, isto é, em momento e por forma a que o tribunal a quo dela tivesse podido e devesse conhecer (cfr. artigo 72º, nº
2, da LTC) No caso vertente, o recorrente não suscitou «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ? apenas a suscitou no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal. Perante o tribunal recorrido, apenas suscitou a questão de inconstitucionalidade de uma decisão judicial, o que não abre a via de recurso para o Tribunal Constitucional.
4. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78ª-A, nº 3, da LTC, entendendo que «quando o recorrente conclui que a norma do art. 28º nº 2 da Constituição da República Portuguesa foi violada, cremos que ao invocar essa norma também invocou a inconstitucionalidade do art. 202 do C.P.P.», pois que «quando o recorrente invoca a violação da norma constitucional sobre a prisão preventiva ? art. 28 nº 2 da C.R.P. ? sempre estará, ainda que implicitamente, a invocar a inconstitucionalidade da norma do C.P.P. que autoriza a prisão preventiva ? al. a), nº 1, art. 202 do C.P.P.». Em resposta a esta reclamação, o Ministério Público pronuncia-se pela sua manifesta improcedência, «já que o arguido não curou de suscitar durante o processo, podendo fazê-lo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse servir de suporte ao presente recurso», limitando-se «a sustentar que a decisão recorrida havia violado norma da Lei Fundamental e preceito de direito infraconstitucional».
5. A reclamação não pode efectivamente proceder, pelas razões constantes da decisão sumária ora reclamada, a que adere o Ministério Público.
É bem verdade que o arguido suscitou, durante o processo, uma questão de inconstitucionalidade, ao invocar a violação de uma norma constitucional. Só que sempre assacou essa inconstitucionalidade à própria decisão judicial, nunca a atribuindo ? ainda que implicitamente ? à questionada norma do Cód. Proc. Penal, que também considerava violada por aquela mesma decisão judicial.
6. Nestes termos, julga-se improcedente a reclamação, confirmando-se a decisão sumária impugnada. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta. Lisboa, 26 de Agosto de 1998 Luis Nunes de Almeida Artur Mauricio José Manuel Cardoso da Costa