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Processo n.º 247/2001
2ª Secção Relator– Cons. Paulo Mota Pinto
(Cons. Maria Fernanda Palma)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrente o Ministério Público e como recorrido A ..., o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 27 de Junho de 2000, recusou a aplicação da norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, quando interpretada no sentido de se considerar equiparado a 'solo para outros fins' o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal da Maia classifica como
área florestal de produção condicionada, onde não é admissível a construção urbana, expropriada com vista à construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio (da LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Tratamento de Lixos da Região do Porto) e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração. Interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a relatora no Tribunal Constitucional, considerando a questão 'simples', por já ter sido objecto de decisão deste Tribunal, proferiu Decisão Sumária no sentido de julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações (fls.
711 e ss.). Na sequência de reclamação do Ministério Público para a Conferência, veio a ser determinado o prosseguimento dos autos. Nas alegações apresentadas, o Ministério Público concluiu :
'1º O princípio constitucional da justa indemnização visa obviar a que aos expropriados manifestamente possam ser arbitradas indemnizações insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, claramente desajustadas do montante que derivaria da aplicação da ‘teoria da diferença’, prevista na lei civil, e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.
2º Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao ‘jus aedificandi’ - resultante da inserção em terrenos especialmente adequados à actividade florestal, nos termos do PDM - e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da ‘justa indemnização’, de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.
3º Na verdade, destinando-se a expropriação exclusivamente à construção de equipamentos sociais incompatíveis com a edificação pelos particulares, na sua proximidade - e não à transformação de prédio até então legalmente ‘rústico’ em
‘urbano’ situado em zona perfeitamente urbanizável - verifica-se que a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo a especial afectação de parcela à construção de infraestruturas viárias destinadas a servir equipamentos sociais - necessariamente distanciados dos núcleos urbanos - absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.
4º Na situação ‘sub juditio’ não ocorreu qualquer prévia desafectação da parcela de terreno expropriado, situada em área reservada pelo PDM a uso florestal, pelo que - nesta medida inexiste qualquer analogia com o caso versado no acórdão n.º
267/97.
5º Não se vislumbra, no caso dos autos qualquer actuação preordenada da Administração, traduzida em ‘manipulação das regras urbanísticas’, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado a fins rústicos, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público, o que afasta decisivamente a aplicação da jurisprudência firmada no acórdão n.º 267/97.
6º Termos em que deverá proceder o presente recurso.' O recorrido contra-alegou, sustentando a inconstitucionalidade da norma em apreciação. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos O presente recurso tem como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de se considerar equiparado a 'solo para outros fins' o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal da Maia classificava como área florestal de produção condicionada, expropriada para construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração. Essa norma foi considerada pela decisão recorrida inconstitucional, tendo sido recusada a sua aplicação, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, invocando-se para tal o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 21 de Maio de
1997), e considerando-se que a situação não era idêntica à do Acórdão n.º
20/2000 (DR, II série, de 28 de Abril de 2000), pois a expropriação não foi motivada apenas pela construção da via de acesso, mas visou a construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário. O artigo 24ºdo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro; e entretanto já revogado pelo artigo 3º da Lei n.º 168/99, de
18 de Setembro, que aprovou um novo Código das Expropriações), depois de, no seu n.º 1, estabelecer que, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo se classifica em 'solo apto para a construção' e 'solo para outros fins', indica, no seu n.º 2, o que considera 'solo apto para construção'. Preceitua este n.º 2
'2. Considera-se solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações desocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública.' O n.º 3 do referido artigo estabelece o que se considera equiparado a 'solo apto para a construção' para efeitos de aplicação do dito Código: a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da
área de logradouro até ao dobro da primeira. No n.º 4 considera-se 'solo para outros fins' o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores. Segundo o n.º 5 do referido artigo 24º, em causa no presente processo, 'para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção' (esta
última norma desapareceu no artigo 25º Código das Expropriações de 1999, existindo agora apenas um n.º 3 que, a seguir à descrição, no n.º 2, das situações que determinam a qualificação como 'solo apto para construção', considera 'solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior'). No presente caso está, mais precisamente, em questão a conformidade constitucional da norma contida naquele n.º 5, se interpretada por forma a impor a exclusão da classificação como 'solo apto para construção' o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal classificava como área florestal de produção condicionada, expropriada para construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração. Convém recordar, a este propósito, que a consideração da aptidão do solo para construção como critério para calcular o valor da indemnização a pagar aos expropriados resultou já de condicionantes constitucionais, tal como decorriam da jurisprudência deste Tribunal a este respeito. Escreveu-se, a este respeito, no citado Acórdão n.º 20/2000:
«6. A introdução, como critério de cálculo do valor da indemnização a pagar aos proprietários de prédios expropriados, da distinção entre 'solo apto para construção' e 'solo para outros fins', ocorreu já na sequência de jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), e, em particular, à norma do seu artigo 30º, n.º 1 – vejam-se os Acórdãos n.ºs 341/86, 442/87, 3/88 e 5/88 (publicados no DR, II série, respectivamente de 19 de Março de 1987, 17 de Fevereiro e 14 de Março de 1988), bem como o Acórdão n.º 131/88 (DR, I série, de 29 de Junho de 1988), que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação dos artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição da República. Essa norma do Código das Expropriações de 1976 impunha que o valor dos terrenos situados fora de aglomerados urbanos fosse calculado em função dos rendimentos efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústico. Impedia, assim, que factores de outra natureza, que não os rústicos, embora susceptíveis de alterar o valor do prédio (entre eles o da
'potencial aptidão de edificabilidade'), fossem considerados no cálculo da indemnização por expropriação. Logo então teve este Tribunal ocasião de realçar que o jus aedificandi deveria ser
'considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.' Tal jurisprudência relativa à consideração da potencialidade edificativa na avaliação da justa indemnização por expropriação conduziu, depois, igualmente ao julgamento de inconstitucionalidade de normas do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização por expropriação – assim, no Acórdão n.º 184/92 (DR, II série, de 18 de Setembro de
1992) e no Acórdão n.º 259/94 (DR, II série, de 30 de Julho de 1994), bem como nos Acórdãos n.ºs 359/94 (DR, II série, de 3 de Setembro de 1994), 111/97,
286/97 (inéditos) –, repetindo-se, então, que, como se observara nos citados Acórdãos n.º 341/86 e 131/88, apesar da imposição, pela Administração, de vínculos aos particulares que lhes diminuam a utilitas rei sobre certos bens, deverá o direito a edificar, em princípio, constituir factor de fixação valorativa, 'ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa'. Em relação ao Código das Expropriações de 1991, concluiu-se, no Acórdão n.º
194/97 (DR, II série, de 27 de Janeiro de 1999), que as normas das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º não são inconstitucionais, não violando, designadamente, nem o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da Constituição) – no mesmo sentido, o Acórdão n.º 671/98. Salientou-se nesse Acórdão n.º 194/97, fazendo a história da evolução legislativa e jurisprudencial a este respeito:
'5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, os n.ºs 1 e 2 do artigo 30º daquele Código. Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora
– frisou –, nos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados – com o que se violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (cf. acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente). Claro é que – como nessa jurisprudência se acentuou – a Constituição não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém – sublinhou-se no acórdão n.º 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1987) e repetiu-se no citado acórdão n.º 131/88 – parece que, ‘mesmo naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos pressupostos’. E mais: o ius aedificandi ‘deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa’. A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela (cf., sobre isto, Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533). Há, pois – como se sublinhou no acórdão n.º 184/92 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992) –, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa, exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública – que é imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público – coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos. Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’ (cf. o citado acórdão n.º 52/90 e o acórdão 381/89, publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula. O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma ‘onerosidade forçada e acrescida’ sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado acórdão n.º
131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, ‘em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.ºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente’ (cf. o acórdão n.º 109/88, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Setembro de 1988). O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado. Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir – acentuou-se no já citado acórdão n.º 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de
9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra. Depois de citar expressamente os acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, acima referidos, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
‘partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição), entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.’ O legislador começou por acentuar que a indemnização ‘não visa compensar o benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação’, e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa indemnização o valor do bem expropriado, ‘tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública’ (cf. artigo 22º, n.º 2). Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigo 6º e 7º). No artigo 24º, n.º 2 [...], passou o legislador a definir o que é um solo apto para construção.
[...] O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou ‘um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa’ sublinha Fernando Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992. O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção, teve, na verdade, em conta como refere o mesmo Autor (loc. cit.) – ‘elementos certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infraestruturas urbanísticas [artigo 24º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24º, n.º 2, alínea d)]’.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito fundamental do expropriado a uma justa indemnização? Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente, considerado ‘como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’? A resposta tem que ser afirmativa. Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem ‘uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’, quando, no mínimo, estejam destinados a ser dotados de infraestruturas urbanísticas, ‘de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz’ [alínea c) do n.º 2 do artigo 24º] ou, pelo menos, quando possuam ‘alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública’ [alínea d) do n.º 2 do artigo 24º]. Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para construção por um ‘plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz’ ou a existência de um ‘alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública’, o resultado seria, muito decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se reconhecer aptidão construtiva ‘por parâmetros objectivos e naturais’ como, aliás, parece inculcar a sua afirmação ‘havendo sempre lugar à indemnização, no caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão construtiva de um terreno expropriado’.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º
196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido alterado pela Lei n.º 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho). Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’ (cf. citado acórdão n.º 381/89) e ser ‘desproporcionada à perda do bem expropriado’ (cf. acórdão n.º 184/92, citado). Ora, só quando os terrenos expropriados ‘envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’ (cf. o citado acórdão n.º 131/88) é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção. A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º
2 do artigo 24º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei Fundamental. Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação –, e, por isso, não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica, não violam a igualdade entre os expropriados.
6. Concluindo, pois: as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo
24º do actual Código das Expropriações não são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da Constituição).'» No presente processo, como vimos, está, porém, em causa a constitucionalidade, não do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, mas do seu n.º 5. E o Tribunal Constitucional teve já ocasião de se pronunciar, mais do que uma vez, sobre a constitucionalidade do artigo 24º, n.º 5, desse Código das Expropriações. Fê-lo, primeiro, no referido Acórdão n.º 267/97, no qual foi julgada inconstitucional 'enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de
‘solo apto para a construção’ os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola', num caso em que estava em causa a expropriação de um prédio integrado na Reserva Agrícola Nacional , para construção de um quartel de bombeiros, após desafectação daquela reserva. No Acórdão n.º 20/2000, também citado, decidiu-se, porém, 'não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação.' Posteriormente, no Acórdão n.º 243/01 (ainda inédito), o Tribunal Constitucional veio novamente a não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional expropriado com a finalidade de nele se construir uma auto-estrada. No presente caso, verifica-se que a parcela de terreno expropriada, cuja indemnização está em causa, estava integrada numa área que o Plano Director Municipal da Maia classificada como área florestal de produção condicionada, na qual não é admissível a construção urbana. Assim, quem – e mesmo em casos como o decidido pelo Acórdão n.º 267/97 – considerar que a Constituição da República, pela determinação do pagamento de uma 'justa indemnização', não impõe a qualificação como 'solo apto para construção' de terrenos nos quais se não podia construir, mesmo que expropriados para neles se edificar construções urbanas – isto é, quem não concorde com o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou nesse aresto –, sempre chegaria, no presente processo (por identidade ou mesmo maioria de razão), igualmente a uma conclusão de inexistência de inconstitucionalidade. E esta posição poderia, designadamente, basear-se na circunstância de o expropriado não ser titular, anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas relativas à potencialidade edificativa do terreno, já que bem sabia (ou devia saber) que, segundo o Plano Director Municipal, já nele não podia construir. Não tendo o proprietário expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar. Quer a decisão recorrida, quer a decisão sumária lavrada neste Tribunal pela relatora – em que se negava provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público – concluíram, porém, que havia, no presente caso, que repetir o julgamento de inconstitucionalidade, com fundamentação semelhante a esse Acórdão n.º 267/97. Isto porque, segundo tal entendimento,
«A situação agora em apreciação é substancialmente semelhante à situação em apreciação no processo no qual foi proferido o Acórdão n.º 267/97. Na verdade, em ambos os casos os particulares proprietários não podem, por força das respectivas classificações das áreas geográficas, edificar nos terrenos expropriados, e as expropriações, nas duas situações, destinam-se precisamente à construção de edifícios nos quais se instalarão serviços de utilidade pública
(num caso, um quartel de bombeiros, no outro, uma central de incineração de resíduos urbanos). A dimensão normativa agora em apreciação é, pois, substancialmente idêntica à apreciada no Acórdão n.º 267/97. O que acaba de se dizer não é infirmado pela circunstância de a parcela expropriada se destinar especificamente à construção de uma via de acesso à central incineradora a construir. Sendo o terreno expropriado composto por várias parcelas e destinando-se a área global à construção da referida central de incineração e respectivas infra-estruturas, a expropriação que incide sobre a parcela para a qual está prevista, no plano geral, a construção da via de acesso
à central ainda se destina, funcionalmente, à construção da referida central. Trata-se, portanto, de uma situação diferente da que estava em causa no processo onde foi proferido o Acórdão n.º 20/2000, onde o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações, interpretado no sentido de 'excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação'. Com efeito, nesse aresto estava em causa a mera construção de uma via de comunicação (uma auto-estrada); nos presentes autos, trata-se da construção de uma central de incineração e respectivas infraestruturas. A autonomização da parcela que se destina especificamente à construção da via de acesso à central de incineração é tão artificial quanto o seria a hipotética autonomização da parcela que se destinasse ao parqueamento das viaturas que transportam os resíduos ou das viaturas dos trabalhadores da central ou das parcelas referentes às áreas que imediatamente circundam as instalações da central onde naturalmente nenhuma construção existirá. No caso dos autos, diferentemente do decidido no Acórdão n.º 20/2000, a via de acesso só é construída por necessidade e em função da edificação da central incineradora, não tendo nessa medida autonomia. A expropriação realiza-se, portanto, porque vai ser construída uma central incineradora e não para a construção de uma via de comunicação.» Ora, como é sabido, a formulação de um juízo de semelhança ou de dissemelhança jurídica entre duas hipóteses de facto depende do ponto de vista que se deva considerar normativamente relevante para um determinado efeito jurídico – no caso, para o reconhecimento da aptidão edificativa para efeitos indemnizatórios. No presente caso, o termo de comparação entre as duas situações de facto há-de buscar-se, pois, para tais efeitos, na(s) ratio(nes) decidendi da jurisprudência segundo a qual, em determinadas circunstâncias, a equiparação a 'solo para outros fins' – ou seja, a não qualificação como 'solo apto para a construção' – de solo que, por lei ou regulamento, não podia ser utilizado na construção, viola os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade. Importa, por isso, recordar a distinção que se fez entre o que se considerou ter sido o fundamento decisivo no Acórdão n.º 267/97 e as situações julgadas pelos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01. Pode ler-se neste último aresto a este respeito:
«Do julgamento de inconstitucionalidade feito no citado acórdão n.º 267/97 não decorre, porém, que o dito n.º 5 do artigo 24º também seja inconstitucional quando [...] a parcela expropriada é destacada de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com vista à construção de uma auto-estrada, em vez de, como aconteceu no caso sobre que incidiu aquele aresto, o destino da parcela expropriada ter sido a edificação de um quartel de bombeiros: desde logo, porque, embora em ambos os casos se tenha dado ao terreno expropriado uma utilização não agrícola, na presente situação, a expropriação não pressupôs a libertação do terreno daquela Reserva Agrícola, enquanto que, na hipótese julgada naquele aresto, foi necessário proceder à sua desafectação da referida Reserva. Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada, não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava integrado na Reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a não a revelar. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça ou se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado, se não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno: esta, pura e simplesmente, não existia, nem decorre da expropriação. Como se sublinhou no acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de 2000) – que concluiu não ser inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
'interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação' –, a ratio decidendi daquele acórdão n.º
267/97 baseou-se 'não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na Reserva Agrícola Nacional, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração de ‘solo apto para a construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles se construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás acompanhada de desafectação da Reserva Agrícola Nacional – ser efectuada para edificação de construções urbanas'. E acrescentou-se nesse aresto: Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como ‘solo apto para a construção’, a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante. O que interessa, para efeitos de ‘justa indemnização’, não é o facto de o terreno deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada -, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como ‘solo apto para a construção’. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção. Um pouco mais adiante, o mesmo aresto n.º 20/2000 insistiu: Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como ‘solo apto para a construção’, pois não baseia a existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de construções urbanas, relevante para a qualificação como ‘solo apto para a construção’, como resultaria se a expropriação, com desafectação da Reserva Agrícola Nacional, fosse para construção de um prédio urbano. Por sua vez, FERNANDO ALVES CORREIA – que dá nota da dissemelhança entre os casos que estiveram na origem dos citados acórdãos nºs 267/97 e 20/2000 – sublinha que o 'sentido profundo' do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 'é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação situacional
(Situationsgebundenheit) da propriedade que incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas –, venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção'. 'Na verdade – acrescenta –, se o Tribunal Constitucional coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, na referida interpretação, estaria a legitimar a ‘manipulação’ das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na integração de um terreno na RAN, desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar, para nele construir, adquirindo-o, por expropriação, e pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção' (cf. A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, página 52).» Ou seja, e por outras palavras: o que fundou o juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para a construção' para efeitos indemnizatórios não foi a circunstância de o terreno deixar de ter utilização agrícola ou florestal, nem a circunstância de nele se vir a construir uma via de comunicação ou um acesso a um equipamento público, ou, mesmo, de tal acesso dever ser considerado ainda funcionalmente integrado neste equipamento. Foi, antes – como, aliás, se disse já nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, para os quais se remete – a circunstância de a inexistência de uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, pressuposta na qualificação do solo como apto para outros fins (que não a construção), ser contrariada pelo próprio destino que o expropriante concretamente lhe dá, ao utilizá-lo para construção. E isto é assim porque, caso se não considerasse esta utilização, e se admitisse a indemnização do expropriado como se o solo não fosse apto para construção se estaria a coonestar a possibilidade de 'manipulação' das regras urbanísticas por parte da Administração. Revertendo ao presente caso, verifica-se, de forma decisiva, que, no que, conforme se explicou (e resultava já dos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01), interessa para a apreciação jurídico-constitucional (designadamente, à luz dos critérios da 'justa indemnização' e da igualdade) da norma em crise, este caso, tal como os decididos nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, não pode considerar-se semelhante ao subjacente ao Acórdão n.º 267/97. Na verdade, está agora em causa a expropriação de uma parcela de terreno no qual o Plano Director Municipal não permitia a construção e que a entidade expropriante destinou à implantação, nele, de um acesso (uma via de comunicação)
às instalações da central de incineração, e não à edificação ou construção de qualquer prédio urbano. Se esta última utilização poderia infirmar a negação da qualificação como 'solo apto para construção', o mesmo não pode dizer-se, porém, da utilização que foi dada ao prédio.
É certo que, em ambos os casos, o prédio expropriado deixa de ter a utilização a que estava destinado. Porém, como se salientou no Acórdão n.º 20/2000
'(...) no caso de expropriação para edificação de prédio urbano, a expropriação visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava subjacente à exclusão da classificação como ‘solo apto para construção’. Isto, enquanto no caso de implantação de uma auto-estrada [ou, no caso, de uma via de acesso] não se vem a verificar, pelo destino dado ao prédio expropriado, que este tivesse qualquer muito próxima ou efectiva aptidão edificativa de prédios urbanos, ou que fosse assim ‘solo apto para construção’, sequer para o expropriante. Apenas no primeiro caso pode dizer-se que a exclusão de uma indemnização como
‘solo apto para construção’ se apresenta ofensiva dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade – apenas nesse caso a não consideração do valor do terreno como ‘solo apto para construção’ é injusta e conduz a uma desigualdade (em relação a outros expropriados), por ser desmentida desde logo pela utilização visada com a expropriação. Deve, pois, entender-se que a ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 se baseou
(...) na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como ‘solo apto para construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás, acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificação de construções urbanas.' Já se vê, pois, que não pode considerar-se relevante para conduzir a um juízo de inconstitucionalidade o argumento de que a via de acesso construída no terreno expropriado o foi por necessidade e em função da edificação da central incineradora, não tendo autonomia, e realizando-se a expropriação porque ia ser construída uma central incineradora e não para a construção de uma via de comunicação. Na verdade, repete-se, a fundamentação dos Acórdãos n.ºs 267/97, 20/2000 e
243/01 assenta, como se deixou claro nestes dois últimos arestos, no destino concretamente dado ao solo pela entidade expropriante, que contraria a qualificação sustentada por essa entidade para efeitos indemnizatórios – e não na circunstância de o motivo da expropriação estar na implantação de um equipamento noutro terreno, ou de ele se destinar a uma via de comunicação ao serviço desse outro equipamento, circunstância, essa, que é irrelevante para aferir a legitimidade da qualificação do solo no qual se veio a implantar a via de acesso como solo 'apto para construção' ou 'apto para outros fins'. Como se escreveu no Acórdão n.º 20/2000,
'(...) estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a construção de uma auto-estrada) [no caso de uma via de acesso à central de incineração].' Aliás, conforme notou o Ministério Público, não se detecta, no caso dos autos, qualquer indício de actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas, para desvalorizar artificiosamente um terreno e mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público. Sendo, pois, que também neste aspecto o presente caso se afigura distinto do decidido pelo Acórdão n.º
267/97 (e isto, já mesmo sem considerar o diferente destino das edificações, num caso e outro), onde se notou que a Administração classificou o terreno, 'bem ou mal (...) como terreno de utilidade pública agrícola e, por isso, integrou-o na RAN' e que 'desvalorizado, a Câmara de Chaves adquire-o, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção (e note-se que a sua apropriação ocorreu apenas a uma semana da publicação da Portaria n.º 380/93, que veio libertar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela).' III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, interpretada por forma a excluir da classificação de
'solo apto para a construção' solos integrados em área reservada pelo Plano Director Municipal a uso florestal, expropriados para construção de acessos a uma central incineradora; b. Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 14 de Março de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta). Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto da Exª.Consª. Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa Declaração de voto
Votei vencida por entender que existe uma analogia essencial entre a questão de constitucionalidade em apreciação e o decidido no Acórdão nº 267/97. Na verdade, em ambos os casos os particulares proprietários não podem, por força das respectivas classificações das áreas geográficas, edificar nos terrenos expropriados, e as expropriações, nas duas situações, destinam-se precisamente à construção de edifícios nos quais se instalarão serviços de utilidade pública
(num caso, um quartel de bombeiros, no outro, uma central de incineração de resíduos urbanos). A dimensão normativa agora em apreciação é, pois, substancialmente idêntica à apreciada no Acórdão n.º 267/97. O que acaba de se dizer não é infirmado pela circunstância de a parcela expropriada se destinar especificamente à construção de uma via de acesso à central incineradora a construir. Sendo o terreno expropriado composto por várias parcelas e destinando-se a área global à construção da referida central de incineração e respectivas infraestruturas, a expropriação que incide sobre a parcela para a qual está prevista, no plano geral, a construção da via de acesso
à central ainda se destina, funcionalmente, à construção da referida central. Trata-se, portanto, de uma situação diferente da que estava em causa no processo onde foi proferido o Acórdão nº 20/2000, onde o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, nº 5, do Código das Expropriações, interpretado no sentido de 'excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação'. Com efeito, nesse aresto estava em causa a mera construção de uma via de comunicação (uma auto-estrada); nos presentes autos, trata-se da construção de uma central de incineração e respectivas infraestruturas. A autonomização da parcela que se destina especificamente à construção da via de acesso à central de incineração é tão artificial quanto o seria a hipotética autonomização da parcela que se destinasse ao parqueamento das viaturas que transportam os resíduos ou das viaturas dos trabalhadores da central ou das parcelas referentes às áreas que imediatamente circundam as instalações da central onde naturalmente nenhuma construção existirá. No caso dos autos, diferentemente do decidido no Acórdão n.º 20/2000, a via de acesso só é construída por necessidade e em função da edificação da central incineradora, não tendo nessa medida autonomia. A expropriação realiza-se, portanto, porque vai ser construída uma central incineradora e não especificamente para a construção de uma via de comunicação.
O Ministério Público sublinha que não houve qualquer desafectação da parcela do terreno expropriado, situado em área reservada pelo PDM a uso florestal, não adquirindo tal parcela qualquer capacidade edificativa, uma vez que nela será construído equipamento incompatível com a construção urbana.
No entanto, a expropriação visa a realização de uma construção e o terreno envolvente não adquire qualquer capacidade edificativa precisamente por causa da natureza da construção que a entidade expropriante pretende realizar.
De resto, as considerações do Ministério Público não ponderam, conforme resulta do acórdão recorrido, que 'o terreno em causa (...) é precisamente uma das parcelas de terreno que foram expropriadas com vista à construção da central de incineração (...) parcelas essas que, na sua quase totalidade, se encontravam integradas em zona classificada no PDM da Maia como
área de equipamento estruturante, em relação à qual o artigo 26º do respectivo regulamento prevê, para além da construção de instalações e edifícios de equipamento de interesse colectivo, a construção de edifícios residenciais, comerciais e de serviço'. Maria Fernanda Palma