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Proc. nº 828/97
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. J... e M..., LDA. foram condenados, no Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, pela prática do crime previsto e punido no artigo 22º, nº 2, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro (aquisição para consumo público de carne de animais abatidos sem a competente inspecção sanitária). Na sua decisão, o Meritíssimo Juiz da Comarca de Ponta Delgada recusou aplicação
à norma constante do artigo 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, por considerar que a condenação em 1% da taxa de justiça aplicável constitui violação do artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
2. Da decisão interpôs recurso o Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, a), e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
3. Nas suas alegações, o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que o presente recurso merece provimento, pois que a norma em causa não padece da apontada inconstitucionalidade. Os recorridos não alegaram. II
4. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, que determina que 'em todas as sentenças de condenação em processo criminal, o tribunal condenará o arguido a pagar uma quantia equivalente a 1% da taxa de justiça aplicável, a qual será considerada receita própria do Cofre Geral dos Tribunais'.
5. O Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a apreciar a constitucionalidade da norma que constitui objecto do presente recurso. Afirmou a este propósito o Tribunal que 'no que diz respeito à natureza sinalagmática, aquele adicional [o adicional de 1% da taxa de justiça aplicável] em nada se distingue da taxa de justiça propriamente dita' e que 'tudo se passa como se o Governo, com o fim de financiar este serviço criado no âmbito da justiça [...], decidisse agravar em 1% a taxa de justiça em processo penal'
(acórdão nº 377/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., p. 225 ss). Acrescentou ainda que 'a quantia equivalente a 1% da taxa de justiça aplicável em que o tribunal deve condenar o arguido em todas as sentenças de condenação em processo criminal ainda é taxa de justiça [...] não passa, de facto, de um simples adicional ou agravamento da taxa de justiça que o arguido tem que pagar por virtude da condenação [...], pois que o seu pagamento só lhe é imposto, justamente, se for condenado ? ou seja: por ter dado causa à intervenção do tribunal (e, assim, à prestação do serviço de justiça)' (acórdão nº 382/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., p. 241 ss). Conclusões semelhantes a estas são formuladas em diversos outros acórdãos que apreciaram a mesma norma (nº 379/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., p. 233 ss; nº 384/94, in Diário da República, II, nº 206, de 6.9.1994; nºs
580/94, 581/94, 582/94, 583/94, 584/94, todos inéditos). No presente processo, em que se suscita uma questão de inconstitucionalidade material, por ofensa ao artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, interessa principalmente sublinhar que um adicional à taxa de justiça não tem natureza diferente da própria taxa de justiça e não pode portanto configurar-se como um efeito necessário ou como uma sanção acessória automática da condenação. Ora, como o Tribunal Constitucional também já decidiu, a taxa de justiça é uma prestação pecuniária que os particulares pagam ao Estado como contrapartida pelo serviço que este lhes presta ? o serviço de administração da justiça (acórdão nº
412/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., tomo II, p. 1187 ss; acórdão nº 67/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., p. 241 ss). Em regra, o pagamento do serviço, isto é, o pagamento da taxa de justiça incumbe
àquele cuja conduta torna necessária a intervenção do tribunal ? a parte vencida, no processo civil, o arguido condenado, no processo criminal. Um adicional à taxa de justiça, sendo afinal 'taxa de justiça' e, portanto, contrapartida de um serviço, não é susceptível de se enquadrar na proibição do artigo 30º, nº 4, da Constituição, segundo o qual 'nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos'.
III
6. Em face do exposto, decide-se: a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro; b) conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o julgamento quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 23 de Setembro de 1998 Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Artur Mauricio José Manuel Cardoso da Costa