Imprimir acórdão
Procº nº 515/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Da sentença proferida pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa e que absolveu os arguidos J. L. e A. M. recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este, por acórdão de 23 de Abril de 1996, concedeu provimento ao recurso, declarando nula a sentença impugnada. Vieram então os arguidos interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, invocando estar aquele aresto em oposição com um outro, prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça. No requerimento consubstanciador desse recurso extraordinário, disseram os arguidos a dado passo:-
'.................................................. ..
................................................... .. E não se diga que por os acordãos em oposição serem emanados por Tribunais hierarquicamente diferentes - o dos presentes autos, do Tribunal da Relação e o de 28.01.93, do Supremo Tribunal de Lisboa - não está preenchido um dos requisitos de admissão do presente recurso.
................................................... ..
................................................... .. Um eventual entendimento do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 437º do C.P.P., segundo o qual a oposição entre acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça não seria susceptível de fundamentar um recurso de fixação de jurisprudência obrigatória, colocaria em posição de desigualdade constitucionalmente inadmissível os cidadãos afectados por cada uma as decisões.
................................................... ..
................................................... .'
2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19 de Junho de 1997, rejeitou o recurso, por entender que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência unicamente podia 'ser requerido havendo oposição entre dois acórdãos do Supremo ou entre dois acórdãos das Relações; nunca entre um acórdão do Supremo e um acórdão da Relação'.
É deste aresto que, pelos arguidos, vem interposto, fundado na alínea b) do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o vertente recurso, por intermédio do qual se visa apreciar a (in)constitucionalidade 'DAS NORMAS DO ARTº 437º, NºS 1 E 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A INTERPRETAÇÃO COM QUE FORAM APLICADAS NA DECISÃO RECORRIDA'.
3. Determinada a feitura de alegações, remataram os recorrentes a por si produzida com as seguintes conclusões:-
'1. Os recorrentes interposeram recurso para fixação de jurisprudência obrigatória, por oposição entre um acórdão da Relação de Lisboa e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
2. O recurso foi rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por entender que as normas dos nºs 1 e 2 do artº 437º do Cód. Proc. Penal não admitirem o recurso em causa quando a oposição se verifique entre acórdãos de diferentes graus de jurisdição.
3. O artº 437º do Código de Processo Penal, nos seus nºs 1 e 2, deve ser interpretado de forma a permitir a admissão de recursos de fixação de jurisprudência obrigatória quando, encontrando-se verificados todos os demais requisitos, ocorra oposição de julgados entre um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e um acórdão de um Tribunal de Relação, só assim se respeitando o princípio da igualdade e o princípio da legalidade.
4. Isto porque, se a certeza e a segurança jurídicas, enquanto elementos fundamentantes da figura do trânsito em julgado, são factores importantes para a estabilidade da vida social, eles não se impõem, em absoluto, a outros valores fundamentais que a Lei entendeu, quando em confronto com aqueles, deverem sobrepôr-se-lhes ou, pelo menos, equiparar-se-lhes.
5. Não foi uma questão de ordem material ou substantiva que fundamentou a rejeição, mas de natureza processual: os acórdãos não foram emanados de tribunais do mesmo grau hierárquico.
6. Não existe qualquer elemento essencial que fundamente esta diversidade de regime e que, nomeadamente, leve à rejeição do recurso, quando a oposição ocorra entre decisões de tribunais de graus hierárquicos distintos.
7. Com efeito, a verdadeira igualdade de tratamento resulta da materialidade dos casos e não das suas cicunstâncias meramente processuais. Sobretudo quando se está perante matéria exclusivamente de direito.
8. Os elementos essenciais da admissibilidade dos recursos extraordinários são a definitividade da decisão do tribunal, por dela não ser possível recurso ordinário, e que a mesma tenha sido proferida por um trinual superior.
9. Não tem justificação material-constitucional impedir a uniformização da jurisprudência em casos como o dos autos. Pelo contrário, permitir que uma decisão de um tribunal de relação, contraditória com outra proferida por tribunal de hierarquia superior, como é o Supremo Tribunal de Justiça, fique sem o controlo extraordinário dos recursos de fixação de jurisprudência, é caminhar precisamente em sentido oposto ao pretendido e consagrar a liberdade do desrespeito pela jurisprudência do Supremo Tribunal, desde que praticada por tribunal inferior.
10. Por outro lado, o princípio pelo qual todas as autoridades devem proceder de modo igual na aplicação da lei impõe que casos iguais sejam tratados de forma igual.
11. Estamos perante matéria exclusivamente de direito, a qual, por questões meramente acessórias e não essenciais (de índole casuística), pode ser aplicada de modo distinto em dois casos idênticos, apenas diferenciados por meras questões de competência de composição do tribunal (colectivo ou singular).
12. Do ponto de vista material-constitu- cional esta diversidade de regime não pode ser aceitável, pois dela decorre uma desigualdade de tratamento do que é materialmente igual.
13. Finalmente, o Estado, os Tribunais, o sistema judicial e o próprio legislador, estão sujeitos às normas ou princípios constitucionais, não podendo actuar em desconformidade com os ditâmes da Lei Fundamental.
14. O Supremo Tribunal de Justiça é, no dizer da própria Constituição, o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais e os tribunais da Relação são, em regra tribunais de segunda instância.
15. As normas dos nºs 1 e 2 do artº 437º do Cód. Proc. Penal aparecem em desconformidade com a hierarquia dos referidos tribunais, por permitirem o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em caso de incompatibilidade entre decisões das Relações e entre decisões do Supremo, mas já não se a contradição acontecer entre uma decisão de grau inferior (da Relação) e uma de grau superior (do Supremo).
16. Pelo exposto, a interpretação dada às normas dos nºs 1 e 2 do artº 437º do Cód. Proc. Penal, por não admitir o recurso para fixação de jurisprudência obrigatória em virtude dos acórdãos em oposição terem sido emanados de tribunais de graus diferentes está ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artºs 13º, e 3º e 266º da Constituição da República Portuguesa'.
De seu lado, o Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa rematou a sua alegação dizendo:-
'1º - Só existe, em termos próprios, um conflito de jurisprudência, susceptível de desencadear os meios processuais especificamente adequados a solucioná-lo, uniformizando a jurisprudência, nos termos do artº 437º do Código de Processo Penal, quando as decisões em conflito provenham de Tribunais situados no mesmo plano da hierarquia judiciária.
2º - Não padece de inconstitucionalidade a solução legislativa traduzida em não outorgar ao arguido o direito ao recurso, relativamente a acórdão proferido, em
última instância, pela Relação, quando esta não acolha o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, noutro processo, acerca de idêntica questão de direito, no
âmbito de um 'normal' recurso ordinário (e não de um recurso 'extraordinário' de uniformização da fixação de jurisprudência).
3º - Termos em que deverá ser julgado improcedente o presente recurso'.
Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II
1. Rezam do seguinte modo os números 1 e 2 do artº 437º do Código de Processo Penal:-
1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer, para o plenário das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, e dele não for admissível recurso ordinário.
Tendo em conta o teor dos transcritos preceitos e a postura dos ora recorrentes, dever-se-á concluir que, verdadeiramente, o que estes põem em causa é o normativo constante do nº 2, num entendimento segundo o qual não é admissível o recurso previsto no nº 1 quando um tribunal de relação proferir acórdão, que não admita recurso ordinário, e que esteja em oposição com outro prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça. E, sendo assim, é com este âmbito que o presente aresto deve encarar a questão de constitucionalidade que lhe é colocada.
2. Ora, sobre o aludido normativo teve já este Tribunal oportunidade de se pronunciar. Fê-lo por intermédio do seu Acórdão nº 247/97 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 17 de Maio de 1997), aí se tendo concluído que a norma ínsita no nº 2 do falado artº 437º do Código de Processo Penal não padecia de inconstitucionalidade. Nesse aresto, disse-se, inter alia:-
'................................................. ..
.................................................. ... Começando pelo plano da pretensa violação do princípio constitucional das
'garantias de defesa do arguido em processo penal', consagrado em toda a sua extensão no artigo 32º da Lei Fundamental, não se vê como ele dê cobertura a um eventual direito do arguido a interpor e a 'esgotar sistematicamente todas as vias de recurso em abstracto existentes no ordenamento jurídico', incluindo a ora questionada e não prevista expressamente no Código de Processo Penal .... Com efeito e de acordo com a jurisprudência reiteradamente afirmada por este Tribunal Constitucional, e no quadro das garantias de defesa do arguido, o que se vem afirmando é a garantia de um segundo grau de jurisdição relativamente a decisões condenatórias em pena privativa de liberdade, para que fique assegurado ao arguido o direito a uma reapreciação de tais decisões (cfr., v.g. os acórdãos nºs 31/87 e 265/94, publicados no Diário da República, II Série, nºs 76, de 1 de Abril de 1987, e 165, de 19 de Julho de 1994, respectivamente). Só que isso não significa que seja necessariamente o Supremo Tribunal de Justiça, a assegurar essa reapreciação - no caso isso poderia ser conseguido através do recurso para fixação de jurisprudência -, podendo perfeitamente atingir-se esse objectivo com o tribunal de relação, como aqui, aliás, aconteceu
(...).
5. Passando agora ao plano da ofensa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição (...), também não se alcança como se possa ver aí uma solução materialmente infundada, porque baseada em motivos subjectivos ou arbitrários, sendo este aspecto o que releva para aferir a violação do princípio da igualdade, como é jurisprudência corrente deste Tribunal Constitucional. Enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio, não é o princípio da igualdade violado pela norma questionada do artigo 437º, nº 2, quando exclui da sua previsão certo fundamento possível do recurso extraordinário para fixação da jurisprudência. Sem necessidade de entrar na caracterização teórica desse recurso - podendo dizer-se sempre que ele visa 'obstar à sedimentação e cristalização de correntes jurisprudenciais contraditórias no âmbito dos tribunais a que compete dirimir, em última instância, certa questão de direito' (...), e encurtando razões, tem de reconhecer-se em todo o caso que a tal possibilidade de que fala a recorrente de se formarem 'conceitos opostos', relativamente à mesma questão fundamental de direito, não é motivo bastante para que se imponha ao legislador a previsão de um recurso extraordinário para a fixação da jurisprudência abrangendo todas as hipóteses possíveis, a nível de tribunais superiores, de oposição de decisões quanto à mesma questão fundamental de direito. Na verdade, a oposição de decisões, em tais circunstâncias, é uma constante do mundo judiciário, seja em processo penal, seja em processo civil, para a qual a lei pode ou não prever modos de 'remediar', mas eles não têm necessariamente de passar pela última palavra de um recurso extraordinário, cabendo ao legislador, no quadro da discricionaridade legislativa, arrumar as hipóteses em que tem cabimento esse recurso, sem que se possa falar em violação do princípio da igualdade. Exactamente porque não se descortinam motivos subjectivos ou arbitrários na arrumação dessas hipóteses.
.................................................. ...
.................................................. ..'
3. De outro lado, em situações que, de certo jeito, apresentam similitudes com a presente, este Tribunal teve ocasião de emitir juízos de não desconformidade constitucional relativamente à norma constante do artº 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº
129/84, de 27 de Abril, e num entendimento segundo o qual não é possível o recurso para os plenos das secções do Supremo Tribunal Administrativo nos casos de oposição entre acórdãos por estas proferidos e acórdãos prolatados pelos próprios plenos (cfr. Acórdãos números 673/95, in Diário da República, 2ª Série, de 20 de Março de 1996, e 365/97, ainda inédito). Releva, para o caso, transcrever o que, no primeiro daqueles arestos, foi, por entre o mais, dito tocantemente a uma eventual violação dos princípios do acesso ao direito e aos tribunais (hoje, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, designado acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) e da igualdade. Com efeito, disse-se ali:-
'................................................. ...
.................................................. ... Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente do seu nº 1, da Constituição -... -, é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas por este Tribunal Constitucional, apoiando-se na doutrina e na sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos tribunais postulado pelo artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental não garante, necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no nº 1 do artigo
32º da Constituição. E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete-se, imposta pelo nº 1 do artº 32º). Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a Constituição prevê 'a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais' - o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativas e fiscais - e que lei infra-constitucional, designadamente os diplomas adjectivos fundamentais e os que regem a organização judiciária, ..., também prevêm esses
órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário
'suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos' ou 'ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos' (as expressões em itálico são extraídas da obra Recursos em Processo Civil de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa 1992, 100, 101 e 102; cfr., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e com mais recente publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão nº 447/93, no Diário da República, 2ª Série, de 23 de Abril de 1994). A norma em questão, seguramente, não vem prescrever aquela supressão em bloco ou uma solução de onde decorra que, na prática, ficaram, com o sistema por ela estabelecido, suprimidos os recursos no que tange às decisões proferidas em processos de contencioso administrativo instaurados na respectiva secção do Supremo Tribunal Administrativo. Daí que, havendo-se de reconhecer ao legislador uma liberdade de conformação quanto ao estabelecimento de requisitos condicionadores dos recursos ou para 'alterar pontualmente as regras sobre a recorribilidade das decisões', ampliando ou restringindo, designadamente, e aqui, os recursos por oposição de julgados, 'e a existência de recursos', respeitados que sejam os limites acima focados, ter-se-á de concluir que a aplicação que é feita da norma do artigo 22º, alínea a) do ETAF pelo acórdão em crise não viola o disposto no artigo 20º da Constituição, nomeadamente o seu nº
1.
9. Num outro enfoque, não se divisa que tal norma, aplicada do modo como o foi, postergue o princípio da igualdade que deflui do artigo 13º do Diploma Fundamental,.................................
.................................................. ...
É bem sabido que aquele princípio não aponta no sentido de que igualdade corresponda a igualitarismo, antes correspondendo a uma igualdade proporcional, ou seja, exige que se tratem por igual situações substancialmente iguais, e que situações substancialmente dissemelhantes sofram diverso tratamento, embora proporcionadamente diferente.
.................................................. ...
.................................................. ..'
4. Reitera-se aqui, por ser aplicável in casu, a argumentação carreada aos citados Acórdãos deste Tribunal, acrescentando-se que a fundamentação utilizada pelos recorrentes para justificar a possibilidade de desencadear um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência também levaria a que, tratando-se de uma decisão proferida por um tribunal de 1ª instância não passível de recurso ordinário (verbi gratia por razões de alçada) que, quanto a uma dada questão de direito, viesse a acolher determinada solução contrária a uma outra decisão tomada por um tribunal de superior hierarquia, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, se devesse admitir uma tal sorte de recurso extraordinário. Convenha-se que, se assim fosse, isso implicaria a «banalização» dessa espécie de reapreciação de decisões judiciais, que, de modo necessário, só deve ser admitida a título excepcional. De outro lado, a fixação de jurisprudência obrigatória vinculativa para os tribunais das várias ordens judiciárias não é algo que a Lei Fundamental imponha, sabido como é que, inclusivamente, vários entendimentos doutrinais são perfilhados no sentido de que uma tal figura pode contender com a independência que deve ser reconhecida, porque constitucionalmente imposta, a esses orgãos de administração de justiça.
5. Igualmente não divisa este Tribunal - nem os recorrentes, de modo fundado, o indicam - qualquer violação do nº 2 do artigo 3º e do nº 2 do artigo 266º, um e outro da Constituição, por banda do normativo sub specie. Ne realidade, a submissão do Estado ao Diploma Básico e à legalidade democrática não implica, por qualquer forma, que um tribunal de hierarquia inferior, na sua decisão, tenha de perfilhar precisamente nos mesmos termos uma solução jurídica anteriormente defendida por tribunais de superior hierarquia em decisão que não foi proferida em via de recurso quanto ao caso pelo primeiro decidido. E, concernentemente à alegada violação do nº 2 do artigo 266º, deve notar-se, em primeira linha, que o comando constante dessa disposição se dirige à Administração Pública e não, desde logo, aos tribunais [cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 921, que sustentam que o Título IX abrange 'desde logo a Administração central do Estado, a administração regional (das regiões autónomas) e a administração local', acrescentando que 'em qualquer dos casos fica incluída tanto a administração directa como a administração indirecta', 'a administração autónoma de base institucional (...) ou corporativa (...)', não ficando de fora 'a administração levada a cabo por autoridades administrativas independentes, que, embora órgãos do Estado, não estão sujeitos a direcção, superintendência ou tutela governamental', e 'as entidades privadas, quando disponham de poderes administrativos por delegação das autoridades administrativas competentes']. Numa outra perspectiva, haverá que sublinhar, talqualmente se fez em relação ao nº 2 do artigo 3º, que do disposto no nº 2 do falado artigo 266º não se poderá extrair um princípio de obediência estrito por parte dos tribunais de inferior hierarquia às decisões de índole jurídica anteriormente tomadas pelos tribunais de superior hierarquia e que o não foram em via de recurso quanto aos casos a decidir em concreto por aqueles. Aliás, do denominado princípio da legalidade, em que se estribam os recorrentes, visto nas suas dimensões de prevalência e de precedência da lei, igualmente se não pode fazer semelhante extracção. Não se lobriga, assim, que o normativo em análise ofenda preceitos ou princípios
ínsitos na Constituição. III Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 7 de Outubro de 1998 Bravo Serra Luis Nunes de Almeida Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza José Manuel Cardoso da Costa