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Processo nº 781/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos , vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente o Ministério Público e são agora recorridos A..., J... e M..., todos sócios e liquidatários da sociedade M..., Ldª, a primitiva recorrida, foi proferido o acórdão nº 555/98, que julgou 'habilitados, face à prova documental, os recorridos A..., J... e M..., em substituição da sociedade M..., Ldª, para com eles prosseguirem os autos e seus legais termos' e, ao mesmo tempo, não tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público. B. Notificado o Ministério Público recorrente desse acórdão, veio 'arguir a nulidade decorrente de nele se ter julgado habilitados os sócios da Sociedade M..., Ldª, sem prévio contraditório da parte contrária', o que foi decidido pelo Relator nos termos a seguir transcritos:
'1. O ‘representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado do douto acórdão proferido nestes autos, veio arguir a nulidade decorrente de nele se ter julgado habilitados os sócios da Sociedade Mineiros Vieira, Ldª sem prévio contraditório da parte contrária’, sustentando que, ‘perante o estatuído, nomeadamente, nos artigos 3º, 371º, 372º, 517º e 526º do Código de Processo Civil – subsidiariamente aplicáveis no âmbito da fiscalização concreta – deveria ter sido facultado ao Ministério Público o contraditório, relativamente a tal pretensão e ao documento que a suportava’, sendo que a omissão do contraditório
‘determina nulidade, nos termos do preceituado nos artigos 201º, 203º e 205º do Código de Processo Civil, a qual se invoca através do presente requerimento, para todos os efeitos legais’. E acrescenta-se no respectivo requerimento:
‘7º - Não deixaremos de salientar que a razão de ser desta arguição de nulidade se prende, no essencial, com a relevância que a habilitação judicial, ora decidida, poderá ter na futura e ulterior tramitação do processo nas instâncias, facultando nomeadamente aos sócios habilitados o direito recebimento de quantias que, em princípio, se destinariam à sociedade dissolvida, enquanto parte principal nos presentes autos de expropriação.
8º - Sendo certo que se ignora – não tendo o recorrente obviamente obrigação de o saber – se existem ou não credores da sociedade e se será possível e lícita realização da imediata partilha dos respectivos bens pelos sócios.
9º - Aliás, os factos constantes da acta da assembleia geral em que se fundou a decretada habilitação – dissolução da sociedade e nomeação de liquidatários – estão sujeitos a registo comercial dependendo a oponibilidade a terceiros de tais factos de lhes ter sido dada, por essa forma, a devida publicidade no confronto dos interessados – não tendo sequer os requerentes junto aos autos documento que certificasse a realização do registo comercial.
10º - Nestes termos – e quanto ao decidido relativamente à habilitação – deverá ser facultado ao recorrente o contraditório omitido, anulando-se os termos subsequentes da causa, incluindo o segmento do acórdão em que se mostra decidida tal habilitação’.
2. Vieram os ora recorridos A..., J... e M..., em substituição da sociedade M..., Ldª, responder ao incidente de nulidade, concluindo que deve ‘o aliás douto requerido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público ser indeferido, devendo o acórdão recorrido ser mantido, com todas as suas consequências legais’.
3. Cumpre agora decidir o incidente, deduzido em tempo, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 78ºB, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção do artigo 1º da Lei nº 13º-A/98, de 26 de Fevereiro, e em conjugação com os artigos 377º, nº 1, e 700º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil. Não há dúvidas que no acórdão nº 555/98, a fls. 872 e seguintes dos autos, foram julgados ‘habilitados face à prova documental, os recorridos A..., J... e M..., em substituição da sociedade M..., Ldª, para com eles prosseguirem os autos e seus legais termos’ (alínea a) da decisão), compreendendo-se essa habilitação no
âmbito do disposto no artigo 373º do Código de Processo Civil, por se tratar de caso de a legitimidade já estar conhecida em documento, aqui, o reconhecimento em habilitação notarial da acta da assembleia geral da dita sociedade e relativamente à sua dissolução (e bastou verificar, como sucedeu, se o documento provava ‘a qualidade de que depende a habilitação’ – nº 3 do artigo). Mesmo admitindo que, no âmbito do processamento simples que está previsto naquele artigo 373º, se impunha a notificação do Ministério Público, por ser parte principal nestes autos de expropriação que pendem nos tribunais já há quase 10 anos, como representante da entidade expropriante- o Estado-Maior General das Forças Armadas -, e que, por isso, por ter sido omitido um acto de notificação para contestar o pedido de habilitação, se verifica a nulidade do acto processual que invoca o ‘representante do Ministério Público neste Tribunal’, à luz do artigo 201º do Código de Processo Civil, falta saber se ocorre o condicionalismo previsto na parte final do nº 1 daquele artigo 201º. E entendo que não. Com efeito, a omissão verificada só produz nulidade quando ‘a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa’, sendo que esta influência não se demonstra in casu.
É que, o julgamento da habilitação prendeu-se com uma prova documental – o tal reconhecimento em habilitação notarial – que o ‘representante do Ministério Público neste Tribunal’ não questiona minimamente quanto a saber se o titulo preenche ou não as condições exigidas pelo artigo 373º do Código de Processo Civil ou se ele ‘enferma de vício que o invalida’. Nenhuma dúvida se formula a tal propósito, questionando-se apenas, no essencial, a ‘relevância que a habilitação judicial, ora decidida, poderá ter na futura e ulterior tramitação do processo nas instâncias’ (sublinhado nosso), como se colhe da argumentação exposta nos nºs 7º, 8º, e 9º do requerimento respectivo e atrás transcrito. Mas, se é assim, é nessa ‘futura e ulterior tramitação do processo nas instâncias’ que caberá ao Ministério Público, como parte principal na causa, tomar as iniciativas e as providências que entender necessárias quanto ao direito a recebimento de quantias pelos sócios habilitados e que, ‘em princípio, se destinariam à sociedade dissolvida’, como se diz no requerimento. Se é essa a preocupação do ‘representante do Ministério Público neste Tribunal’
, ela há-de projectar-se no processado nas instâncias quanto à efectivação daquele direito, havendo aí que controlar ‘se existem ou não credores da sociedade’, se ‘será possível e lícita realização da imediata partilha dos respectivos bens pelos sócios’ e se há registo comercial dos factos a ele sujeitos. Nenhuma dessas realidades futuras e incertas pode agora relacionar-se com a verificação do documento como título que prova a qualidade de que depende a habilitação, já que ele, em si mesmo, não é posto em causa. Daí que não se possa concluir que a irregularidade cometida, nos termos em que é arguida, tenha influído por qualquer modo no exame ou na decisão da habilitação.
4. Termos em que, DECIDINDO, indefiro o incidente de nulidade suscitado com o requerimento de fls. 882 e seguintes.' C. Dessa decisão veio o mesmo 'representante do Ministério Público neste Tribunal (...) reclamar para a conferência, nos termos do 700º, nº 3 do Código de Processo Civil', sustentando, em síntese, o seguinte:
- 'Em primeiro lugar – e ao contrário do que se refere no douto despacho ora reclamado – não consta dos autos qualquer ‘reconhecimento em habilitação notarial’' e, sendo o documento apresentado pela parte ‘uma mera uma mera fotocópia, com valor de pública forma, da acta nº 71 de reunião da assembleia geral da sociedade expropriada, em que se deliberou a respectiva extinção', daqui decorre que 'o processo a seguir na tramitação e julgamento do incidente não será o estabelecido no artigo 373º - que pressupõe o prévio reconhecimento da qualidade que legitima o habilitando por decisão judicial transitada em julgado ou reconhecida por escritura de habilitação notarial – mas o regime normal (não simplificado) previsto no artigo 374º do Código de Processo Civil.'
('Circunstância que obviamente reforça as necessidades do contraditório da parte contrária aos habilitandos.').
-Depois, relativamente 'ao segundo argumento utilizado – o de que o Ministério Público não teria impugnado o pedido de habilitação e o documento que o suportava – é evidente que se não dispôs de oportunidade processual para tal, em consequência precisamente da invocada preterição da regra do contraditório', sendo 'evidente que o local adequado para controverter tal matéria, em termos plenamente fundamentados e desenvolvidos, não é o requerimento de arguição de nulidade, mas a oposição que se deduzirá, na sequência da notificação que for feita para exercer o contraditório no âmbito daquele incidente, regulado no artigo 374º do Código de Processo Civil'.
- 'Finalmente, parece-nos evidente que – decidida judicialmente a pretendida habilitação e formado caso julgado sobre ela – não há qualquer possibilidade de ulterior controvérsia sobre a efectiva sucessão dos sócios quanto à sociedade dissolvida'. D. Vieram os ora recorridos atrás identificados responder à reclamação, alinhando a resposta sob três epígrafes:
· '1) QUESTÃO PRÉVIA', em que verberam 'a conduta processual do Estado Português ao longo dos autos', face a uma expropriação que data de 1987 e em
1998 ainda 'não pagou aquilo que, por diversas instâncias – todas! – foi considerado como justa indemnização'.
· '2) QUESTÃO PROCESSUAL', sustentando que 'não é nulo o acórdão em causa’, pois, confrontado ele ‘com o estatuído no artº 668º do C.P. Civil', é de
'concluir que o mesmo não é nulo' e de 'indeferir aquilo a que ora se responde'.
· '3) QUESTÃO DE FUNDO', para dizerem que acompanham a decisão reclamada e acrescentando que 'estando o iter das preocupações do MINISTÉRIO PÚBLICO na defesa dos interesses dos ‘credores sociais, maxime, da Fazenda Nacional, será em sede da 1ª instância executiva que poderá – em tribunal judicial – fiscalizar o que lhe aprouver' ('Aliás, que não haja tantas preocupações: só são emitidos precatórios-cheques com a exibição ou junção de certidões negativas de dívidas fiscais' - é como terminam a resposta). E. Sem vistos, vem agora os autos à conferência, para se decidir a reclamação. Registe-se, antes de mais, que o expediente processual de que se serviu o Ministério Público reclamante situa-se no plano das nulidades dos actos processuais – e não no plano da nulidade do acórdão, como pretendem os ora recorridos -, com apelo ao 'preceituado nos artigos 201º, 203º e 205º do Código de Processo Civil'. Aí é relevante apurar se a omissão verificada, dando de barato que existe, pois que se impunha sempre a notificação do Ministério Público, independentemente da qualidade do documento em causa (e que efectivamente no acórdão nº 555/98 não se tomou em consideração), constitui ou não em concreto uma irregularidade que
'possa influir no exame ou na decisão da causa'. E parece que sim, à luz do disposto no artigo 201º, do Código de Processo Civil, que caracteriza como nulidade a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, e no artigo 374º, do mesmo Código, que rege o incidente de habilitação quando 'for parte na causa uma pessoa colectiva ou sociedade que se extinga' (nº3), o que é o presente caso, demonstrando, como faz o Ministério Público reclamante proficientemente no seu requerimento o 'típico efeito preclusivo que decorre de qualquer decisão, transitada em julgado, que defira o pedido de habilitação'. Tanto basta para concluir que, aceitando a verificação do desvio de carácter formal em causa (falta de notificação do Ministério Público), tal infracção acaba por ser relevante, porque, no quadro processual em que se inscreve, reflecte-se naturalmente no exame da causa. Com o que merece atendimento a presente reclamação. F. Termos em que, DECIDINDO, atende-se a reclamação e anula-se o processado a partir de fls. 867 dos autos. Lx. 2.2.99 Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa