Imprimir acórdão
Proc.Nº 468/97 Sec. 1ª (e EXPOSIÇÃO PRELIMINAR) Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente A... e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator de fls. 189 a 193, exposição essa que obteve a concordância do Ministério Público, nada tendo dito o recorrente particular e, designadamente porque, no caso em apreço, de julgamento por juiz singular,o recorrente, na audiência da 1ª Instância, renunciou ao direito de ver reduzida a escrito a documentação da prova, valendo tal falta de declaração a que se refere o artigo 428º, nº2, do Código de Processo Penal, como renúncia ao recurso para o Tribunal da Relação em matéria de facto, assim limitando o recurso à matéria de direito, sem prejuízo, porém, do uso pelo Tribunal da Relação da faculdade reconhecida no artigo 410º, nºs 2 e 3 do mesmo Código, pelo que remetendo para os fundamentos da jurisprudência maioritária do Tribunal sobre esta matéria, se decide negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1998 Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes (com a declaração de que votei o acórdão dado o circunstancialismo nele aderente, não tendo sido aplicado as normas dos artºs.
410º, nº2, e 433º do Código de Processo Penal na dimensão que tenha sustentado ser inconstitucional) Maria Fernanda Palma (votei o acórdão por estar fora de causa a dimensão segundo a qual considero que os artigos 410º, nº2 e 433º do Código de Processo Penal são inconstitucionais) Maria da Assunção Esteves (com a declaração de voto dos Exmºs. senhores Conselheiros Ribeiro Mendes e Fernanda Palma). José Manuel Cardoso da Costa Exposição Preliminar do Relator a que se refere o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. - A... foi acusado, pelo Ministério Público do Tribunal da comarca de Montemor-O-Velho, da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 11º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 454/91 de 28 de Dezembro e do artigo 314º, alínea c) do Código Penal.
Realizado o julgamento, o arguido veio a ser condenado na pena de oito (8) meses de prisão e no pagamento de uma indemnização cível à ofendida, tendo visto a sua pena suspensa pelo período de 2 anos.
Não se conformando com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo referido logo na primeira conclusão que o Tribunal não apreciou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 427º, 428º e 410º, nºs 2 e 3 do C.P.P. violando o disposto no nº1 do artigo 32º da Constituição da República e artigo 15º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
A Relação de Coimbra por acórdão de 10 de Julho de 1997 confirmou a decisão recorrida, salvo no que respeita à tributação do pedido de indemnização civel, provendo parcialmente o recurso.
Sobre a questão de constitucionalidade suscitada na motivação do recurso pelo arguido, a Relação depois de referir que o tribunal recorrido não tinha podido pronunciar-se sobre tal matéria por ela não lhe ter sido levantada, escreveu: Mas a argumentação do recorrente neste particular é incongruente e contraditória. Com efeito, o arguido aqui recorrente, conforme consta da acta de julgamento, que não foi posta em causa e que como documento autêntico que é, tem força probatória plena - cf. Artigos 369º e 371º do C. Civil, fez em audiência uma confissão integral e sem reservas, de livre vontade e fora de qualquer actuação, dos factos que lhe eram imputados - cf. Acta de fls.139,vº. Não faz pois qualquer sentido lógico invocar a violação do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, e à míngua de outros argumentos chamar de inconstitucionais os preceitos do C P Penal que trouxe à colação, supostamente violadores do artigo 32º, nº1 da C.R.P..
E mais adiante: Durante a audiência de julgamento (o recorrente) esteve assistido pela sua mandatária judicial constituída no processo, a fls. 81, que renunciou ao direito que a lei lhe concedia, de nos termos do artigo 364º, nº1 do C.P.Penal ver reduzida a escrito a documentação da prova produzida em julgamento. De resto, tendo o arguido no início da audiência confessado os factos que lhe eram imputados tornou-se inútil o exercício de tal faculdade, pela renúncia expressa pelo arguido à discussão da matéria de facto, que livremente confessou e aceitou. Ao contrário do sustentado pelo recorrente, e no caso concreto, não houve pois violação das suas garantias de defesa que lhe estão asseguradas pelo citado nº1 do artigo 32º da C.R.P..
Notificado desta decisão, o arguido interpôs recurso de constitucionalidade nos termos constantes do requerimento de fls. 185/6, onde se escreveu o seguinte:
2.2 - O artigo 428 do C.P.P. no seu nº1 refere que As Relações conhecem de facto e de direito; e no nº2, que sem prejuizo do disposto do artigo 410º nº2 e 3, a falta da declaração referida no artigo 364, nºs 1 e 2 e no artigo 389º nº2, vale como renúncia ao recurso em matéria de facto;
3. Com o presente recurso o arguido pretende demonstrar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 427º, 428, 419º, nºs 2 e 3 do C.P.P., uma vez que denegando-se o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, viola-se o disposto no nº1 do artigo 32º da Constituição da República além do artigo 15~do Pacto Internacional sobre direitos civis e Políticos.
De acordo com a parte final do requerimento, este recurso para o Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Junho.
2. - Importa começar por referir que o artigo 15º do PIDCP não estabelece qualquer imposição de duplo grau de jurisdição. É no artigo
14º,nº5 desse Pacto que vem referido o direito de qualquer pessoa fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença. Desta norma não decorre, porém, mais do que a imposição de uma segunda jurisdição, ou seja, do que na Constituição da República é também garantido em caso de sentença penal condenatória - exigência essa que, no caso foi satisfeita uma vez que o arguido recorreu para o Tribunal da Relação, pelo que não tem aqui cabimento falar de violação do PIDCP.
Por outro lado, o presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea f) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - LTC; ora, nos termos desta alínea, ela apenas abrange os recursos das decisões cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com fundamento em violação de lei de valor reforçado ou por violação do estatuto de Região Autónoma.
No caso, é manifesto que nenhuma ilegalidade baseada em qualquer um destes fundamentos foi suscitada durante o processo em apreço, pelo que não se poderia tomar conhecimento do recurso assim interposto, por falta do pressuposto da sua admissibilidade.
Admitindo-se, porém, que tenha havido manifesto lapso de escrita do recorrente e que o recurso de constitucionalidade vem interposto ao abrigo da alínea b), então importa reconhecer que os requisitos de admissibilidade estão verificados: a questão de constitucionalidade foi suscitada durante o processo e as normas questionadas foram utilizadas na decisão, que expressamente enfrentou a questão e a resolveu no sentido da não verificação de qualquer inconstitucionalidade.
O recurso, porém, não merece provimento.
Com efeito, o que o recorrente questiona é o âmbito do recurso de revista ampliada quando actuado nas Relações. O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 427,428 e 410º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal (adiante, CPP). Ora, o artigo 427º prevê os casos em que existe recurso para a Relação; o artigo 428º estabelece os poderes de cognição das Relações (nº1) enquanto o nº 2 do preceito determina que a falta da declaração de que não se prescinde da documentação das declarações prestadas em audiência, sem prejuízo do que se dispõe no artigo 310º, nºs 2 e 3, vale como renúncia ao recurso em matéria de facto.
Assim, se até ao início das declarações do arguido
(artigo 364º, nºs 1 e 2) ou logo no início da audiência (artigo 389º, nº2) não tiver sido feita a declaração a pedir a documentação da prova, tal facto significa que as partes renunciaram ao recurso em matéria de facto, pelo que as Relações conhecem somente do direito, o que não pode prejudicar a possibilidade de usarem da faculdade concedida pelo artigo 410º, nº2 e 3 , ou seja, as Relações nestas hipóteses têm em matéria de recurso poderes semelhantes aos reconhecidos ao Supremo tribunal de Justiça nos recursos que lhe são dirigidos. Com efeito, como refere Maia Gonçalves (in Código de Processo Penal, 7ª Edição, pág. 619) nos casos em que as relações detectam vícios referidos nas alíneas do nº2 do artº 410º procedem à renovação da prova se se afigurar que a renovação perante elas permite evitar o reenvio do processo para novo julgamento (_). Quando a prova ficou documentada, por isso ter sido requerido, as relações não procedem à renovação, valendo nesse caso o que documentado ficou.
Por isso, vindo questionada pelo recorrente apenas a denegação do duplo grau de jurisdição sobre matéria de facto - questão esta sobre a qual o Tribunal Constitucional tem já elaborada uma jurisprudência maioritária no sentido da não inconstitucionalidade - entende-se que basta remeter para os fundamentos de tal jurisprudência constante dos Acórdãos nºs
322/93 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 29 de Outubro de 1993),
504/94 e 66/97, estes ainda inéditos e que se limitam a reproduzir aquela fundamentação, embora reportada ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Propõe-se, assim, que se profira acórdão no sentido de negar provimento ao presente recurso.
XXX
Notifique as partes para, querendo, responderem, no prazo legal. Lisboa, 5 de Novembro de 1997 Vítor Nunes de Almeida