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Proc.Nº 491/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - M... instaurou contra 'C... E.P., em liquidação', em 27 de Janeiro de 1988, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção com processo sumário emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação da Ré a reconhecer o crédito do Autor no valor de 1 263 784$00, resultante da forma como foi feita cessar a relação laboral que o ligava àquela empresa no momento da extinção desta, determinada pelo Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio. O processo passou, entretanto, por vicissitudes sem relevo para o presente recurso, tendo sido proferido por este Tribunal Constitucional o Acórdão nº 206/95, de 26 de Abril de 1995 (inédito), no qual, em aplicação do que fora decidido no Acórdão nº
163/85, não se julgou inconstitucional a norma constante do artigo 8º, nº 1, daquele Decreto-Lei, interpretada no sentido de que a expressão 'tribunais comuns' referida na norma em questão se reporta aos tribunais de trabalho.
2. - Regressados os autos à 1ª instância, foi proferida sentença pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 24 de Novembro de 1996, que condenou a Ré, absolvendo-a porém quanto aos pedidos respeitantes a diferenças salariais e aviso prévio. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo já referido M..., do acórdão, tirado em apelação, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, dando provimento ao pedido da apelante C..., revogou a sentença da 1ª instância, a qual foi declarada nula, e absolveu a Ré, C..., dos pedidos objecto do recurso. O recorrente nas suas alegações sustentou que a decisão recorrida fez aplicação ainda que implícita da norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, tendo assim violado a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma indicada operada pelo Acórdão nº 162/95, deste Tribunal. A recorrida contra-alegou em sentido contrário. Corridos os vistos, há que apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3. - O acórdão da Relação de Lisboa sub judicio começou por entender que era nula a decisão do Tribunal do Trabalho porque 'dúvidas não há de que a Ré foi condenada na sentença recorrida de forma diversa do que vinha pedido pelo A. e além desse pedido'. Nesta parte, em que está envolvida apenas a aplicação de normas processuais, cuja constitucionalidade não vem impugnada, não há que conhecer. Todavia, o Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no artigo 715º do Código de Processo Civil, conheceu do objecto da apelação, concretamente sobre as questões da caducidade do contrato de trabalho e da remissão dos créditos. Tendo assentado em que se verificara em 7 de Maio de 1985 a caducidade dos contratos de trabalho dos trabalhadores da C... e recusando a configuração da situação como despedimento colectivo, o acórdão veio a entender seguidamente que o A. ao dar quitação das quantias recebidas e ao considerar integralmente pagos e satisfeitos eventuais direitos que tivesse sobre o património em liquidação da Ré, em virtude da cessação do seu contrato de trabalho, renunciara a uma possível e diferente indemnização que lhe pudesse ser devida por essa cessação ocorrida por força do disposto no Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio. Há que reconhecer, no entanto, que a argumentação e o desenvolvimento do raciocínio que subjazem a estas conclusões arrancam de uma premissa necessária e a esse título inarredável. É ela a premissa da cessação dos contratos de trabalho no momento e em consequência da extinção da C..., a qual decorreria da entrada em vigor da norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
137/85, sendo certo que tal extinção, por sua vez, tornou válida e eficaz a remissão abdicativa. Contudo, tal norma foi efectivamente declarada inconstitucional e os efeitos dessa declaração foram posteriormente explicitados. Não nega a decisão recorrida o direito a uma indemnização e em abstracto o direito do trabalhador a pretender o pagamento desta. No entanto, ao considerar como válida a remissão, e tem de entender-se que nos termos e pelos quantitativos pedidos pelo trabalhador (pelo menos quanto a alguns deles), o acórdão recorrido não teve em conta o sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral formulada pelo Acórdão deste Tribunal nº 162/95, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Maio de
1995 e depois explicitada no Acórdão nº 528/96, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 1996, tirado em Plenário. Aliás, a esta luz, o caso presente surge com claras similitudes com aquele que originou este
último Acórdão. De acordo com a explicitação contida no Acórdão nº 528/96, o alcance mínimo da declaração de inconstitucionalidade 'é o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas C... e CN... ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo'. Assim sendo, corresponde a uma desaplicação da declaração de inconstitucionalidade, susceptível de ser invocada como fundamento de um recurso de inconstitucionalidade interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a decisão que não reconhece o direito a uma indemnização calculada segundo parâmetros que não correspondem ao mínimo indicado. E por estas razões deve o presente recurso proceder. III - DECISÃO:
4. - Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada por forma a que nos autos se faça aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, constante do Acórdão deste Tribunal nº 162/95, com o sentido explicitado no Acórdão nº 528/96. Lisboa, 2 de Julho de 1998 Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Artur Mauricio Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis Nunes de Almeida