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Procº nº 136/98 Plenário Rel. Consº Luis Nunes de Almeida
(Cons. Messias Bento)
Acordam, em sessão Plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A empresa T. T.P. A P., SA interpôs, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, recurso da sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa (3º Juízo), para apreciação da constitucionalidade do artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, que a sentença desaplicou, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
A recorrente apresentou alegações neste Tribunal, nelas formulando as seguintes conclusões:
1. A limitação estabelecida pelo art. 6º, nº 1, alínea e) do DL nº 519-C1/79, de 29.12, bem como pelo DL nº 887/76, de 29.12, é de interesse e ordem pública pois visa manter o emprego através da preservação do tecido empresarial já fustigado com elevadíssimos encargos sociais.
2. O legislador dos DL nº 887/76 e DL 519-C1/79, ao limitar a fixação, pela via da negociação colectiva, de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de Segurança Social, não violou o direito fundamental à liberdade de negociação colectiva.
3. Com efeito, no art. 59º da CRP, na versão de 1982, fixa positivamente e em concreto o âmbito dos contratos colectivos.
4. A fixação e regulação de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de Segurança Social através da negociação colectiva de trabalho, ultrapassa o âmbito positivo e em concreto do art. 59º da CRP e constitui intromissão através da contratação colectiva em matérias alheias às relações de trabalho.
5. Assim, as limitações impostas pelo DL nº 887/76 e pelo art. 6º, nº 1, alínea e) do DL nº 519-C1/79, de 29.12 não são inconstitucionais.
6. A sentença recorrida violou, assim, os arts. 59º e 63º da CRP.
O recorrido P. não alegou.
2. Submetidos os autos a apreciação em plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, nº 1, da LTC, não obteve o projecto de acórdão elaborado pelo primitivo relator (que, em parte, agora se reproduz) integral vencimento, pelo que o processo mudou de relator.
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
3. A norma sub iudicio
3.1. O contrato de trabalho - ou seja, o contrato pelo qual 'uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta' (cf. artigo 1152º do Código Civil e artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969) - está sujeito, não apenas às 'normas legais de regulamentação do trabalho', como também às convenções colectivas de trabalho (cf. o artigo 12º do mesmo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho).
Existe, assim, no tocante à regulamentação do contrato individual de trabalho, um domínio aberto à negociação colectiva - é dizer à autonomia da vontade.
É, de resto, a Constituição que, no n.º 3 do artigo 56º, prescreve que
'compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei', acrescentando, no n.º 4 do mesmo artigo, que 'a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas'.
Pois bem: o Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, era a lei que continha a regulamentação das relações colectivas de trabalho. O Decreto-Lei n.º
887/76, de 29 de Dezembro, veio dar nova redacção a vários artigos daquele diploma legal. Entre os preceitos alterados, conta-se, justamente, o artigo 4º, que tratava - e continuou a tratar - dos limites dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Assinalou-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 887/76 que 'o regime contido no Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, apareceu claramente orientado pelo propósito de assegurar o máximo de garantia à livre expressão da vontade negocial dos sujeitos colectivos'. E acrescentou-se que, com as alterações introduzidas, se pretendia 'criar condições indispensáveis à eficácia e ao equilíbrio dos processos de contratação colectiva' e esclarecer 'melhor o âmbito de aplicação geral do regime geral das relações colectivas de trabalho'.
Assim, o artigo 4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, passou a dispor:
Artigo 4º (Limites)
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:
(...)
e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência.
O Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro (com as alterações introduzidas, num primeiro momento, pelo referido Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, e, mais tarde, também pelo Decreto-Lei n.º 353-G/77, de 29 de Agosto) veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
Neste Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, depois de, no artigo
5º, se indicarem as matérias que as convenções colectivas de trabalho podem regular, elencaram-se, no artigo 6º - cujo nº 1, alínea e), aqui está sub iudicio - as que esses instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem versar, ou seja, os limites à negociação colectiva.
Reza assim o referido artigo 6º, n.º 1, alínea e):
Artigo 6º
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:
(...)
e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência.
3.2. Abre-se aqui um parêntesis para dizer que este Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro - maxime, a alínea e) do n.º 1 do artigo 6º aqui sub iudicio - foi, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro.
No preâmbulo deste último diploma legal, destaca-se nos termos seguintes a alteração introduzida no ordenamento jurídico com a nova redacção da mencionada alínea e):
[...] prevê-se expressamente que as convenções colectivas também podem ser sede própria para os acordos respeitantes ao estabelecimento e disciplina de regimes profissionais complementares de segurança social ou de regimes equivalentes e, até, a sede natural, quando enquadrados em acordos de rendimentos em que se contratualiza a poupança de uma parte desses rendimentos.
Depois da alteração introduzida por este Decreto-Lei n.º 209/92, a alínea e) do n.º 1 do artigo 6º Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, ficou assim redigida:
Artigo 6º
Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:
(...)
e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.
A partir da publicação do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho passaram, pois, a poder abrir-se a esquemas complementares de segurança social. No entanto, tais esquemas complementares, produto da autonomia colectiva, continuaram, a ser proibidos, se estabelecidos para serem geridos pelos respectivos outorgantes, ou seja, se a responsabilidade pela atribuição das prestações complementares for assumida pela própria empresa empregadora. Esses esquemas complementares de segurança social só podem ser estabelecidos e regulados pelas convenções colectivas de trabalho, se o forem 'ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes' ou quando 'a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras'. Concretizando um pouco mais: esses esquemas complementares de segurança social podem ser objecto de negociação colectiva, mas hão-de ficar sujeitos à legislação que regula os fundos de pensões [Decretos-Leis nºs 323/85, de 6 de Agosto, 396/86, de 25 de Novembro,
216/87, de 29 de Maio, 205/89, de 27 de Junho, e 415/91, de 25 de Outubro (este
último revogou o Decreto-Lei n.º 396/86)] ou à que regulamenta os regimes profissionais complementares de segurança social (Decreto-Lei n.º 225/89, de 6 de Julho). É dizer que a responsabilidade pelo pagamento das prestações complementares de segurança social (maxime, das pensões complementares de reforma) há-de ser assumida por entidades vocacionadas - e aptas - para gerir esquemas de seguro.
A disciplina assim introduzida pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, está, de resto, em consonância com o que se dispõe na Lei n.º 28/84, de
14 de Agosto (Lei de bases da segurança social), que - a par do regime estadual de segurança social - passou a admitir 'esquemas complementares das prestações garantidas pelo regime geral', 'instituídos por iniciativa dos interessados'
(cf. artigo 62º, n.º 1) e 'geridos por associações de socorros mútuos, empresas seguradoras ou por outras pessoas colectivas criadas para o efeito' (cf. artigo
64º), maxime, por instituições particulares de solidariedade social (cf. artigo
66º).
Como decorre do que preceitua o artigo 63º da Constituição, a segurança social, constituindo, embora, incumbência do Estado, pode ser prosseguida, sob a forma de prestações complementares, por instituições privadas. Ou seja: o sistema estadual de segurança social tem que socorrer os cidadãos nas várias situações de desprotecção e necessidade em que possam encontrar-se (doença, velhice, invalidez, viuvez, orfandade, etc.), acudindo-lhe com as necessárias prestações. Os cidadãos podem, porém, contratar prestações complementares com sistemas privados de segurança social.
De facto, ao Estado cumpre 'organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social' - sistema que deve ser universal (isto é, abranger todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional); integral (isto é, deve protegê-los em todas as 'situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho', como sucede nos casos de doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade); unificado, orgânica e funcionalmente, em termos de abranger todo o tipo de prestações capazes de socorrer o cidadão nas várias situações de desprotecção; descentralizado - e, portanto, autónomo em relação à administração central directa; e participado, pois que deve contar com a colaboração das associações sindicais, das outras organizações representativas dos trabalhadores e, bem assim, das associações representativas dos demais beneficiários. Mas, ao lado do sistema estadual de segurança social, cujas características se deixam apontadas, podem existir outros sistemas, complementares dele. As instituições particulares de solidariedade social
(associações, fundações, mútuas) - cujo Estatuto consta do Decreto-Lei n.º
119/83, de 25 de Fevereiro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 402/85, de 11 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 29/96, de 19 de Fevereiro) e ainda do Decreto-Lei n.º 519-G2/79, de 29 de Dezembro - e outras instituições de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo podem também prosseguir objectivos de segurança social (cf. o citado artigo 63º, n.º 5).
3.3. Do teor da sentença recorrida, resulta, porém, que aqui não está em causa a norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º
209/92, de 2 de Outubro. Sub iudicio está apenas a norma que constava, inicialmente, da alínea e) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de
28 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, e que, posteriormente, passou a constar da versão originária da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro. Só esta foi, na verdade, desaplicada.
Assim sendo, o que aqui se questiona é se a norma que constava do artigo
4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na versão originária (segundo a qual os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência) ? norma que, aliás, já constava anteriormente do artigo 6º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro - é ou não inconstitucional.
Para decidir tal questão de constitucionalidade, haverá que ter em conta que, no caso sub iudicio, o subsídio complementar de reforma tem que ser pago pela entidade empregadora (a T., por sucessão da RN-EP), e não por qualquer das entidades referidas na mencionada alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 209/92; que o mesmo subsídio foi estabelecido pela cláusula 88ª do Acordo de Empresa da RN-EP, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 45, de 8 de Dezembro de 1983; e que o recorrido é reformado da RN-EP, desde 6 de Fevereiro de 1993.
4. A norma sub iudicio e o direito à contratação colectiva
4.1. Já atrás se disse que a Constituição, no n.º 3 do artigo 56º, prescreve que 'compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei'. E no n.º 4 do mesmo artigo acrescenta-se que 'a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas'.
O direito à contratação colectiva é um direito que os trabalhadores apenas podem exercer através das associações sindicais. É, além disso, um direito que se acha colocado sob reserva da lei: a Constituição garante-o, de facto, 'nos termos da lei'.
Isto, porém, não significa que a lei possa esvaziar de conteúdo um tal direito, como sucederia se regulamentasse, ela própria, integralmente as relações de trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções colectivas. Significa apenas que a lei pode regular o direito de negociação e contratação colectiva ? delimitando-o ou restringindo-o -, mas deixando sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei há-de 'garantir uma reserva de convenção colectiva'.
A este propósito escrevem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página
307):
É certo que este direito é garantido apenas 'nos termos da lei' (n.º 3, in fine), estando, portanto, sob reserva de lei. Todavia, a lei não pode deixar de delimitá-lo de modo a garantir-lhe um mínimo de eficácia constitucionalmente relevante [...], havendo sempre de garantir uma reserva de convenção colectiva, ou seja, um espaço não vedado à contratação colectiva. A lei não pode aniquilar o direito à contratação colectiva ocupando-se ela mesma da regulamentação das relações de trabalho em termos inderrogáveis por convenção colectiva.
4.2. Este Tribunal já confrontou a norma aqui sub iudicio com o referido direito à contratação colectiva. Fê-lo no Acórdão nº 966/96 (publicado no Diário da República, II série, de 31 de Janeiro de 1997). Concluiu, então, mas com vozes discordantes, que a norma constante do artigo 6º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (versão originária), é inconstitucional, pois que - disse - viola os artigos 56º, nºs 3 e 4, 17º e 18º, n.º 2, da Constituição da República.
4.2.1. As razões em que assentou um tal juízo de inconstitucionalidade são, em síntese, as seguintes:
(a) o direito à contratação colectiva é um dos direitos dos trabalhadores enunciados no Capítulo III do Título II da Constituição, a que, por força do disposto no artigo 17º, se aplica o regime dos direitos, liberdades e garantias previsto na Lei Fundamental, designadamente no seu artigo 18º;
(b) o n.º 2 deste artigo 18º 'faz depender a limitação ou restrição de direitos, liberdades e garantias da expressa previsão constitucional e da observância de requisitos de necessidade, adequação e proporcionalidade: as limitações ou restrições devem confinar-se ao mínimo requerido para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos';
(c) sendo certo que 'o direito de contratação colectiva é um direito cujo exercício carece da interpositio legislatoris', pois que depende 'da regulação legal do processo de negociação, das condições de legitimidade das associações sindicais e da eficácia das convenções', a verdade é que, no ?entanto, a possibilidade de conformação ou regulação do direito de contratação colectiva conferida ao legislador não se confunde com a sua limitação ou restrição, sempre subordinada às exigências do artigo 18º da Constituição';
(d) ora, no caso, ?está em causa uma efectiva limitação ou restrição de um direito fundamental. Não se trata, simplesmente, de criar condições para o exercício desse direito (conformação ou regulação), mas sim de o negar no âmbito das prestações previdenciais';
(e) só que, do facto de o artigo 63º, n.º 2, da Constituição impor ao Estado que organize, coordene e subsidie um sistema de segurança social unificado e descentralizado não decorre, 'implícita ou explicitamente, uma proibição de prestações previdenciais privadas. O legislador constitucional não pretendeu excluir, nesta matéria, a regra do favor laboratoris';
(f) e, daí, que não se vislumbre, ?consequentemente, um direito ou interesse que imponha a limitação ou restrição, em prejuízo dos trabalhadores, do direito de contratação colectiva, em matéria de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência'.
Subjacente à posição que fez vencimento no citado Acórdão n.º 966/96, está, pois, a ideia de que o direito à contratação colectiva não é um direito colocado sob reserva da lei. A Constituição não comete à lei a delimitação das matérias que as convenções colectivas de trabalho podem versar; comete-lhe apenas a regulamentação do exercício desse direito de negociação colectiva, designadamente do respectivo processo. E, então, como todas as matérias atinentes à relação laboral se encontram constitucionalmente abertas à negociação colectiva, a lei só pode subtrair alguma delas à contratação quando se verifiquem os requisitos do artigo 18º, n.º 2, da Constituição; ou seja: apenas quando a Constituição previr expressamente a possibilidade de restrição e esta se mostrar necessária, adequada e proporcionada à salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, caso em que a mesma se deve limitar ao mínimo requerido para essa salvaguarda, o que não aconteceria na situação em análise (neste sentido se pronunciara já José Barros Moura, A Convenção Colectiva entre as Fontes de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra,
1984, págs. 143/144).
4.2.2. Diferente foi a posição dos juízes vencidos nesse aresto. Para estes, o direito à contratação colectiva - nas palavras do Consº Cardoso da Costa - está 'sujeito, na definição do seu preciso âmbito, a uma interpositio legislatoris'. Ou seja: 'as normas do artigo 56º, nºs 3 e 4, da Constituição estabelecem uma reserva de conformação legislativa: o direito de contratação colectiva só tem existência completa na modulação que o legislador lhe confere'
(Consª Maria da Assunção Esteves). E, por isso, 'ao excluir da regulamentação colectiva de trabalho matéria respeitante a benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência [...], o legislador não introduz qualquer espécie de restrição do direito de contratação colectiva. Muito simplesmente, procede à delimitação negativa do âmbito material da contratação colectiva' (Consº Vítor Nunes de Almeida).
Esta mesma posição viria a ser sufragada, em anotação ao mesmo acórdão, por Bernardo Xavier, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (Pensões Complementares de Reforma ? Inconstitucionalidade da versão originária do art.
6º, 1, e) da LRC, separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro/Setembro ? 1997, Ano XXXIX, nºs 1-2-3), que consideram que o artigo 56º da Constituição 'legitima a intervenção do legislador ordinário no traçar da fronteira entre as matérias que ficam reservadas para a lei e aquelas que podem ser objecto da contratação colectiva'.
4.2.3. Resulta do que se disse atrás que a conclusão pela não inconstitucionalidade da norma em apreço se impõe, desde logo, para quem entenda que a melhor interpretação do artigo 56º, nºs 3 e 4, da Constituição é a que, no citado acórdão n.º 966/96, foi feita pelos juízes vencidos, apesar de o citado artigo 56º, nºs 3 e 4, garantir o direito à contratação colectiva 'nos termos da lei', e não 'nos casos e termos da lei'.
É que poder-se-á dizer, neste entendimento das coisas, que isso não significa que a Constituição apenas cometa à lei a definição das condições de exercício do direito, e não também, e antes de mais, a definição do âmbito do próprio direito de negociação, das matérias que dela podem ser objecto. Na verdade, se fosse aquele, e não este, o sentido do preceito constitucional, mal se compreenderia - dir-se-á - que o n.º 3 tivesse a preocupação de consignar que o exercício desse direito, que é 'garantido nos termos da lei', compete às associações sindicais; e que o n.º 4 acrescentasse que cabe à lei estabelecer
'as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como a eficácia das respectivas normas'. Tudo já estaria na locução 'nos termos da lei'.
Nesse mesmo entendimento, a Constituição remeterá, pois, para a lei a definição das matérias que podem constituir objecto de negociação e contratação colectiva.
A norma sub iudicio não conterá, por isso, qualquer restrição do direito de contratação colectiva. Limitar-se-á a proceder à 'delimitação negativa do âmbito material' de um tal direito.
No mesmo entendimento, o legislador ter-se-á, então, limitado a proceder à 'delimitação negativa' do 'âmbito material' do direito de contratação colectiva, sem que tenha ultrapassado os seus poderes de conformação.
É que, e desde logo, a matéria das prestações complementares de segurança social não faz parte do núcleo duro do direito de contratação colectiva, pois que, como bem resulta do confronto do artigo 59º (que trata dos direitos dos trabalhadores) com o artigo 63º da Constituição (atinente à segurança social), o direito a prestações da segurança social (maxime, o direito
à pensão de reforma) não é, de facto, um direito exclusivo dos trabalhadores, mas, antes, um direito dos cidadãos. A isto acresce que existe fundamento material para excluir da contratação colectiva a matéria respeitante às prestações de reforma, complementares das asseguradas pelas instituições estaduais de segurança social. De facto, atento o elevado esforço financeiro que implica a montagem de esquemas complementares de segurança social, os trabalhadores só verdadeiramente terão a garantia de que essas prestações complementares (maxime, a prestação complementar de reforma) lhes serão pagas, se o seu pagamento for posto a cargo de entidades com aptidão e capacidade (designadamente financeira) para gerir um esquema de seguro. É que, quando por esse pagamento fica responsável a própria empresa empregadora (como no caso acontece), pode acontecer que, em dado momento, esta deixe de ter disponibilidades financeiras para satisfazer os respectivos encargos. E, para além disso, a empresa empregadora, ao assumir essa obrigação, pode ir afectar grandemente os seus activos financeiros, desse modo pondo em risco a sua subsistência e os direitos dos credores.
4.2.4. Mas a idêntica conclusão deverá chegar também quem entenda que a matéria de prestações complementares de segurança social, por estar intimamente conexionada com a das relações laborais, se encontra ainda naturalmente no
âmbito da contratação colectiva. E que, para além disso, o direito de contratação colectiva, por se enquadrar no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, está sujeito ao regime do artigo 18º, pelo que apenas pode ser restringido ?nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos? e não ?diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial? do direito (cfr., a propósito da alteração da norma constitucional atinente ao direito de contratação colectiva, em 1982, a intervenção do Deputado Luis Nunes de Almeida, em plenário, Diário da Assembleia da República, I Série, nº 106, pág. 4362).
É que, mesmo num tal entendimento, o artigo 56º, nº 3, da Constituição, ao remeter para a lei, constitui credencial bastante para que a lei possa restringir o referido direito de contratação colectiva. Questão é que, como no caso sucede, se não atinja o seu conteúdo essencial e que as restrições se apresentem necessárias para a salvaguarda de outros direitos e interesses.
Com efeito, muito embora se considere que o âmbito da contratação colectiva abrange naturalmente as prestações complementares de segurança social, forçoso se afigura reconhecer que tal matéria não constitui o cerne do objecto da negociação das condições da prestação de trabalho, sempre se apresentando como questão lateral, já que é ao Estado que incumbe, em primeira linha, garantir o direito à segurança social. Não pode, pois, como acima se referiu, ser tida como pertencendo ao núcleo duro do direito, ou seja, como fazendo parte do seu conteúdo essencial.
Por outro lado, existem fortes interesses em presença que permitem considerar como necessária, adequada e proporcionada a restrição em causa:
(a) o interesse das empresas e do aparelho produtivo, já que, perante uma negociação complexa, facilmente aquelas podem ser levadas, por imediatismo, a ceder em aspectos que, não implicando custos imediatos, se virão a traduzir em custos elevados e incomportáveis no futuro, pondo em causa a própria sobrevivência a médio prazo;
(b) o interesse dos próprios trabalhadores, uma vez que, renunciando a vantagens imediatas, podem ver, no futuro, inviabilizadas as esperadas compensações financeiras de tipo previdencial, por impossibilidade de cumprimento por parte das respectivas empresas;
(c) o interesse público, pois que o incumprimento dos compromissos em matéria de prestações complementares pode criar graves problemas de ordem social, que o Estado, em última análise, acaba por ser chamado a resolver.
4.3. Concluindo este ponto: a norma sub iudicio não viola, pois, os artigos 56º, nºs 3 e 4, 17º e 18º, n.º 2, da Constituição da República.
5. A norma sub iudicio e a reserva parlamentar
5.1. Nalgumas declarações de voto apostas ao citado Acórdão n.º 966/96, apontou-se um outro motivo de inconstitucionalidade, a saber: invasão pelo Governo, sem autorização legislativa, da reserva parlamentar atinente aos direitos, liberdades e garantias [alínea c) do artigo 167º da Constituição, na sua versão originária], uma vez que - argumentou-se -, sendo o direito à contratação colectiva um direito fundamental dos trabalhadores, já na versão originária da Constituição, por força do artigo 17º, estava o mesmo sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias - regime que incluía a necessidade de a sua regulamentação constar de lei parlamentar ou parlamentarmente autorizada.
Atente-se, neste sentido, a declaração de voto da relatora, Consª Maria Fernanda Palma:
1. A classificação do direito de contratação colectiva como direito fundamental implica a inclusão da sua disciplina jurídica na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Com efeito, a alínea b) do nº 1 do artigo 168º da Constituição determina que a matéria de direitos, liberdades e garantias é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo.
Na perspectiva da análise desta reserva de competência em três níveis, segundo um grau de exigência decrescente (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 1993, pp. 670-1), dir-se-á que toda a regulamentação do direito de contratação colectiva é reservada à Assembleia da República (ou ao Governo, mediante a emissão da indispensável credencial legislativa). A reserva não se limita ao regime geral
[alíneas d), e), h) e p) do nº 1 do artigo 168º] ou, de modo ainda menos exigente, às bases gerais do regime [alíneas f), g), n), v) e x) dos mesmos número e artigo].
A esta luz se devem entender os números 3 e 4 do artigo 56º da Constituição, que determinam, respectivamente, que o direito de contratação colectiva é garantido nos termos da 'lei' e que a 'lei' estabelece as regras de legitimidade para a celebração das convenções e de eficácia das respectivas normas.
2. Sendo certo que a inconstitucionalidade orgânica de uma norma se afere pelas normas constitucionais vigentes ao tempo da sua aprovação, importa averiguar se a reserva de competência precedentemente referida abrangia o direito de contratação colectiva aquando da emissão pelo Governo do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro. E esta questão há-de ser esclarecida ante o texto originário da Constituição de 1976, que então vigorava.
Como se viu, o direito de contratação colectiva já era contemplado na versão originária da Constituição de 1976. Todavia, era classificado, sistematicamente, como direito económico, incluído no âmbito dos direitos (e deveres) económicos, sociais e culturais. Assim, não estava inserido no Título II, mas sim no Título III da Parte I (Capítulo II, artigo 58º, nºs 3 e 4).
Simultaneamente, porém, o artigo 17º da Constituição estendia então o regime dos direitos, liberdades e garantias aos 'direitos fundamentais dos trabalhadores'. Impõe-se, por conseguinte, determinar se o direito de contratação colectiva se deveria considerar um direito fundamental dos trabalhadores na versão originária da Constituição de 1976.
3. O conceito de 'direitos fundamentais dos trabalhadores' suscitava então duas interrogações:
a) Todos os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição deveriam ser qualificados como fundamentais?
b) Para além desses (ou independentemente até da resposta a dar à questão anterior), deveriam ser qualificados como fundamentais, numa perspectiva material, direitos dos trabalhadores não previstos na Constituição?
Verdadeiramente, apenas a resposta à primeira pergunta interessa agora para a decisão da causa. Com efeito, a Constituição previa, na sua versão originária, o direito de contratação colectiva. Também não é razoável duvidar de que se tratava de um direito dos trabalhadores, embora o seu exercício fosse cometido às associações sindicais. Subsiste apenas a dúvida sobre a sua qualificação como fundamental.
4. Na vigência da versão originária da Constituição, degladiavam-se, sobre este problema, duas teses:
a) Sustentava a primeira que nem todos os direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição seriam fundamentais, atendendo à sua 'estrutura'. Apenas os direitos com estrutura 'análoga' à dos direitos, liberdades e garantias seriam fundamentais. E a analogia só existiria quanto a direitos fundamentais subjectivos de tipo clássico, negativos, directamente invocáveis e aplicáveis. Assim se explicaria, alegadamente, que a alínea e) do artigo 290º da Constituição, na sua versão originária, se referisse, a propósito dos limites materiais da revisão, ao conceito mais amplo de 'direitos dos trabalhadores'
[cf. os Pareceres nºs 7/78, 10/78 e 18/78, Pareceres da Comissão Constitucional, vols. 4º, 5º e 6º, pp. 329, 43 e 3, respectivamente, o Parecer de 9 de Fevereiro de 1977 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, vol. I, p. 203 e ss., e, na doutrina, Jorge Miranda, A Constituição de 1976, 1978, p. 169, e Direito Constitucional - Direitos, liberdades e garantias, 1980 (pol.), pp. 18 e 316, e Vieira de Andrade, Direito Constitucional, 1977 (pol.), p. 170].
b) A tese contrária, expendida, na jurisprudência constitucional, pelo Conselheiro Luís Nunes de Almeida, e, na doutrina por Gomes Canotilho, Vital Moreira e João Caupers, propugnava a identificação de todos os direitos dos trabalhadores como direitos fundamentais, chamando a atenção, decisivamente, para a circunstância de a interpretação restritiva já referida tornar incompreensível a referência autónoma a 'direitos fundamentais dos trabalhadores', na versão originária da Constituição. Efectivamente, tal referência seria inútil, nessa visão restritiva, porque os direitos dos trabalhadores classificados como fundamentais de acordo com uma 'analogia estrutural' caberiam, invariavelmente, nos conceitos de 'demais liberdades' e
'direitos de natureza análoga', de que o texto constitucional também se prevalecia (cf. Pareceres da Comissão Constitucional,
vol. 6º, pp. 47-9, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª ed., 1978, pp. 157 e 75, e João Caupers, Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição, 1985, p. 118 e ss.).
5. O direito de contratação colectiva deveria ser entendido, na verdade, como um direito fundamental dos trabalhadores, no âmbito da versão originária da Constituição de 1976. Tal direito caracteriza, decisivamente, o trabalho subordinado como trabalho prestado por pessoas livres, numa sociedade essencialmente liberal e fundada na dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição). A autonomia colectiva representa, efectivamente, uma particular forma de autonomia privada (cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho,
1991, p. 321).
Mesmo admitindo que outros direitos dos trabalhadores se não devessem então classificar como fundamentais, o direito de contratação colectiva haveria de incluir-se nesse domínio, não, propriamente, atendendo à sua estrutura, mas tendo em conta a sua importância relativa. Não faria sentido, ante o princípio democrático, incluir direitos subjectivos menos relevantes, mas imediatamente exercíveis por trabalhadores, na reserva de lei e reconhecer, quanto ao direito de contratação colectiva, a competência própria do Governo.
Aliás, a primeira revisão constitucional viria a reforçar este entendimento, ao incluir o direito de contratação colectiva no âmbito dos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da Parte I (artigo 57º, nºs 3 e 4), na sequência de uma diferenciação entre 'direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores' e 'direitos e deveres económicos' (que englobam outros direitos dos trabalhadores).
6. Conclui-se, por conseguinte, que a norma sub judicio padece de inconstitucionalidade orgânica, ante o disposto nos artigos 167º, alínea c),
58º, nºs 3 e 4, e 17º da Constituição, na sua versão originária, visto que está inserida num decreto-lei aprovado pelo Governo, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição (versão originária), no exercício de competência legislativa alegadamente própria.
É certo que este fundamento não foi invocado, na decisão recorrida, para fundamentar a recusa de aplicação da norma. Todavia, o Tribunal Constitucional pode julgar inconstitucional a norma em crise com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada, por força do disposto no artigo 79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
É esta posição que ora aqui inteiramente se sufraga, pois que o direito de contratação colectiva, embora, então, indubitavelmente se remetesse para a lei a sua delimitação, já se encontrava expressamente previsto na versão originária da Constituição, não podendo, assim, ser a contratação colectiva tida apenas, à época, como mera garantia institucional, como se chegou a sustentar numa das declarações de voto juntas ao citado Parecer nº 18/78 da Comissão Constitucional.
5.2. Concluindo este ponto: a norma sub iudicio viola, pois, a alínea c) do artigo 167º - conjugada com os artigos 58º, n.º 3, e 17º - da Constituição
(versão originária).
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a) não julgar inconstitucional a norma constante da versão originária da alínea e) do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, com fundamento em violação dos artigos 56º, nºs 3 e 4, 17º e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa;
(b) julgar inconstitucional a mesma norma, com fundamento em violação da alínea c) do artigo 167º - conjugado com os artigos 58º, nº 3, e 17º - da Constituição da República Portuguesa (versão originária);
(c) consequentemente, negar provimento ao recurso, assim se confirmando a sentença recorrida, embora com diferentes fundamentos.
Lisboa, 15 de Julho de 1998
Luís Nunes de Almeida
Maria Helena Brito (vencida quanto à alínea a) pelos fundamentos constantes do acórdão nº 966/96)
José de Sousa e Brito (vencido quanto à alínea a), pelos fundamentos do acórdão nº 966/96)
Alberto Tavares da Costa (vencido quanto à alínea a) pelos fundamentos constantes do acórdão 966/96)
Guilherme da Fonseca (vencido quanto à alínea a) e pelos fundamentos constantes do acórdão nº 966/96)
Maria Fernanda Palma (voto a decisão quanto à matéria da inconstitucionalidade orgânica- alíneas b) e c)-,mas voto vencida no que se refere ao não julgamento da inconstitucionalidade material - alínea a) da Decisão -,com fundamento nas razões expendidas no Acórdão nº 966/96 (publicdo no Diário da República, II Série, de 31 de Janeiro de 1997), de que fui relatora.
Artur Mauricio (vencido quanto à alínea a) da decisão por perfilhar a tese que fez vencimento no Acórdão nº 966/96)
Messias Bento (vencido quanto às alíneas b) e c) da decisão, nos termos da declaração de voto que junto)
Paulo Mota Pinto (vencido, quanto às alíneas b) e c) da decisão, pelas razões constantes da declaração de voto do Exmº Conselheiro Messias Bento, no sentido da manutenção da orientação adaptada, há duas décadas, pela Comissão Constitucional)
Vítor Nunes de Almeida (vencido, quanto ás alíneas b) e c) da decisão, nos termos da declaração de voto que se junta)
Maria dos Prazeres Beleza (vencida quanto às alíneas b) e c), pelas razões constantes da declaração de voto do Exmº Conselheiro Messias Bento)
Bravo Serra (vencido, quanto às alíneas b) e c), da decisão, pelo essencial das razões insertas na declaração de voto do Exmº Conselheiro Messias Bento)
José Manuel Cardoso da Costa( vencido, quanto às alíneas b) e c), em conformidade com a posição assumida no Acórdão nº 966/96, e em consonância com o essencial das razões do voto do Exmº Cons. Messias Bento).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Em meu entender, a norma sub iudicio não viola a alínea c) do artigo 167º - conjugada com os artigos 58º, nº 3, e 17º - da Constituição, na sua versão originária.
É certo que, não obstante a Constituição, na sua versão originária - que é aquela que há-de servir para avaliar a validade constitucional da norma sub iudicio - incluir no capítulo dos direitos económicos (capítulo II do título III) os direitos dos trabalhadores (maxime, o direito de contratação colectiva, consagrado no artigo 58º, n.º 3), havia quem sustentasse, tanto na doutrina, como na jurisprudência constitucional, que todos os direitos dos trabalhadores tinham a natureza de direitos fundamentais para efeitos do artigo 17º da Constituição [cf. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª edição, Coimbra, 1978, páginas
75 e 157) e declaração de voto do Vogal LUÍS NUNES DE ALMEIDA, aposta ao parecer n.º 18/78 da Comissão Constitucional (Pareceres da Comissão Constitucional, volume 6º, páginas 47 a 55)]. Qualificando-se o direito à contratação colectiva como um direito fundamental dos trabalhadores para efeitos do artigo 17º da Constituição, entendia-se que lhe era aplicável o regime do artigo 18º e que caía na reserva parlamentar atinente aos 'direitos, liberdades e garantias' a que se reportava a alínea c) do artigo 167º.
A jurisprudência constitucional, que aqui se reitera, não foi, no entanto, por aí. Antes considerou como direitos fundamentais dos trabalhadores apenas aqueles que têm uma estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias - ou seja, os direitos em que pode reconhecer-se um radical subjectivo. Direitos que, como se escreveu no citado parecer n.º 18/78, são 'direitos fundamentais subjectivos de tipo clássico, negativos, directamente invocáveis e aplicáveis' [cf., identicamente, o parecer nº 10/78 (Pareceres citados, volume 5º, páginas 21 e seguintes)].
Ora - concluiu-se no parecer n.º 18/78 -, o direito de contratação colectiva não pode ser configurado como um dos 'direitos fundamentais dos trabalhadores a que se refere o artigo 17º da Constituição'. Nele, não se descortina um radical subjectivo 'de defesa e de delimitação perante o Estado'. Através da contratação colectiva, os trabalhadores não podem negociar um 'qualquer conteúdo e efeitos das condições de trabalho'. 'A contratação colectiva só pode existir, como fenómeno jurídico-social, depois do Estado lhe emprestar o seu jus imperium, eficácia normativa (externa)'. Mas isso só será lícito ao Estado quando ele previamente crie 'pressupostos de reconhecimento', condições de existência, adequadas ao seu funcionamento, quando fixe condições objectivas 'institucionais' (garantias-condições), dentro das quais se mova. Através da normatividade derivada da lei ordinária desprende-se na convenção colectiva uma força que transcende o direito subjectivo de exercer a contratação a que está ligada a função social da convenção'.
Na doutrina, também VIEIRA DE ANDRADE [Direito Constitucional. Direitos Fundamentais (lições policopiadas), Coimbra, 1977, páginas 170 e 171] sustentava que nem todos os direitos dos trabalhadores eram 'direitos fundamentais dos trabalhadores para efeitos do artigo 17º, já que (...) essa expressão deve ser interpretada restritivamente, em termos de só englobar aqueles direitos dos trabalhadores que sejam análogos aos direitos, liberdades e garantias. Só para esses se justifica (...) o respectivo regime'. E indicava como sendo direitos 'só formalmente fundamentais' os dos artigos 56º e 58º da Constituição.
Também JORGE MIRANDA (A Constituição de 1976, Lisboa, 1978, páginas 339 a 341) afirmava que nem todos os direitos dos trabalhadores podiam qualificar-se como direitos fundamentais para efeitos do artigo 17º da Constituição, apenas merecendo esse qualificativo os que tivessem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Incluía, porém, neste artigo 17º, embora 'não sem dúvidas', 'o direito de, pelos trabalhadores, exercerem a contratação colectiva as associações sindicais (artigo 58º, n.º 3)'.
A norma sub iudicio não viola, pois, a alínea c) do artigo 167º
- conjugada com os artigos 58º, n.º 3, e 17º - da Constituição (versão originária).
Messias Bento
DECLARAÇÃO DE VOTO
No voto de vencido que exarei no Acórdão nº 966/96, entendi que o direito à contratação colectiva está sujeito ao regime dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores na medida em que incidir sobre direitos que constitucionalmente devam ser tratados como direitos dos trabalhadores. O direito à segurança social era, na versão originária da Constituição, um direito social, sistematicamente separado dos direitos e deveres económicos, tal como hoje continua a ser. Também, em minha opinião, numa perspectiva material que tenha em conta a razão de ser dos institutos, subsistiam e continuam a subsistir bons fundamentos para manter a distinção entre os dois tipos de matérias.
Nessa ordem de ideias, mantenho as conclusões que então formulei. Em síntese, na situação presente, o legislador governamental não legislou sobre direitos fundamentais dos trabalhadores nem restringiu ou sequer limitou algum desses direitos. Legislou sim sobre matéria de segurança social, não abrangida pela reserva de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na alínea c) do artigo 167º da Constituição da República Portuguesa.
Não havendo invasão de poderes legislativos da Assembleia da República, não posso subscrever as conclusões das alíneas b) e c) da decisão, devendo por isso, em minha opinião, conceder-se provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Vítor Nunes de Almeida