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Processo n.º 176/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, em que são recorrentes o Ministério Público e A. e recorrida B., o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 152/2012, que decidiu conceder provimento aos recursos, com os seguintes fundamentos:
«(…)2. Questão em tudo idêntica à do presente recurso foi recentemente decidida no Acórdão n.º 401/2011, de 22.09.2011, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
Assim, por aplicação desta jurisprudência, fixada por maioria do Plenário do Tribunal Constitucional, cumpre dar provimento aos recursos.
5. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
b) Consequentemente, conceder provimento aos recursos, devendo o despacho recorrido ser reformulado em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade. (…)»
2. Notificada da decisão, a recorrida veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) B., Recorrida no processo identificado em epígrafe, notificada da decisão sumária n.° 152/2002, proferida nos termos do número 1 do artigo 78.°-A da LCT, e com ela não se conformando, vem pelo disposto o do número 3 do mesmo artigo apresentar a sua,
RECLAMAÇÃO, com os termos e com os seguintes fundamentos:
1
Foi interposto recurso do despacho do Tribunal Judicial de Viana do Castelo na parte em que recusou a aplicação com fundamento em inconstitucionalidade da norma do artigo 1817.° número 1 do CCIV, na medida em que estabelece o prazo de dez anos para o investigante intentar a ação de investigação de paternidade contado da sua maioridade ou emancipação.
2
Decidiu-se deste douto Tribunal por decisão sumária ao abrigo do disposto no número 1 do 78.°-A da LCT não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817°, n.º 1 do Código Civil na redação da Lei 14/2009 na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade.
3
No entanto, e conforme jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão 23/2006 com força obrigatória e geral: “O direito ao conhecimento da paternidade ou maternidade biológica, como dimensão protegida pelos direitos fundamentais que são invocados como parâmetro constitucional — nos quais se encontra também, por vezes, o direito a constituir família, consagrado, sem restrições, no artigo 36.° n.° 1, da Constituição — não é, pois, negado por este Tribunal, nos citados arestos.
Compreende-se, aliás, que seja assim, pois o direito à identidade pessoal inclui, não apenas o interesse na identificação pessoal (na não confundibilidade com os outros) e na constituição daquela identidade, como também, enquanto pressuposto para esta auto- definição, o direito ao conhecimento das próprias raízes. Mesmo sem compromisso com quaisquer determinismos, não custa reconhecer que saber quem se é remete logo (pelo menos também) para saber quais são os antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também genéticas (cfr., aliás, também a referência a uma “identidade genética”, que o artigo 26.º n.° 3, da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal aspeto da personalidade — a historicidade pessoal (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pág. 179, falam justamente de um “direito à historicidade pessoal”) — implica, pois, a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos em causa (note-se, aliás, que os exames biológicos conducentes à determinação de filiação podem ser realizados, fora dos processos judiciais, e a pedido de particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos do artigo 31.º do Decreto ?Lei n.° 11/98, de 24 de janeiro), bem como o reconhecimento jurídico desses vínculos.
Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.° 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade.”
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Decidiu assim o Doutamente o Tribunal Constitucional “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.° 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º1, 36.º, n.° 1, e 18.º, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.”
5
Os prazos de caducidade impostos ao investigante, obstando que, a todo o tempo, obtenha o reconhecimento judicial da sua ascendência biológica traduzem-se numa restrição, violadora dos princípios constitucionais consagrados nos Art.ºs 18.° n.° 2, 26.° n.° 1 e 36.° n.° 1 da C.R.P. ou, dito por outras palavras, configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade das pessoas.
6
Não se ignora que o Ac. n.° 23/2006, refugiando-se no princípio do pedido, afirmou que, no caso, “... está apenas em apreciação o prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação e não a possibilidade de um qualquer outro limite temporal para a ação de investigação da paternidade” não constituindo, por isso, objeto do recurso de constitucionalidade, “apurar se a impossibilidade da ação corresponde à única solução constitucionalmente conforme…”, acabou por não tomar posição direta sobre a referida imprescritibilidade no seu segmento decisório, deixando, assim, margem para uma interpretação restritiva a permitir a substituição do prazo previsto no preceito declarado inconstitucional, por outro ou outros prazos mais alargados, como fez a Lei 14/2009, fazendo ressurgir a questão que a final, não ficou definitivamente resolvida.
Mas, por outro lado, considerando que o referido acórdão, acolhendo a argumentação do anterior Ac. 486/2004, confrontou e rejeitou a jurisprudência constitucional que até aí vinha sendo seguida, toda no sentido da conformidade constitucional do n.°1 do Art.° 1817.º do C.C., rebatendo-a nos seus fundamentos, ponto por ponto, com argumentação utilizada pelos defensores da não caducidade ou imprescritibilidade da ação de investigação da paternidade/maternidade, parece legítima a interpretação extensiva do dito aresto constitucional. Dir-se-á, como se fez no acórdão que vimos seguindo, que o referido aresto deve ser lido no seu todo e, se interpretado em coerência, só pode concluir-se que “minus dixit” no seu, segmento final. No fundo, está implícito no referido Ac. a ideia da imprescritibilidade das ações onde esteja em causa o reconhecimento de paternidade ou maternidade, por respeito ao direito fundamental à identidade pessoal..
7
Também quanto à questão da Segurança Jurídica explanada no Acórdão Constitucional remetido, cito Acórdão do Tribunal Constitucional número 401/2011 de 22.09.2011, se adere na íntegra aos argumentos apresentados pelo Supremo Tribunal de Justiça:
“conflituando o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica com a “tranquilidade” do suposto pai (e muito menos de herdeiros a defenderem interesses puramente patrimoniais), sempre deveria prevalecer o primeiro já que, como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de abril de 2008 — 08A474 — “esse direito a conhecer a paternidade, valor social e moral da maior relevância, que se inscreve no direito de personalidade é um direito inviolável e imprescritível”. Refere ainda o mesmo aresto que “países como a Itália, a Espanha e a Áustria, optaram pela imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, por considerarem que “a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor.” Mas mais diremos quanto a esta primeira “razão”:
O Prof Guilherme de Oliveira (in “Caducidade das Ações de Investigação”, 53) refere que a garantia de segurança jurídica “tem sentido principalmente no âmbito patrimonial de onde emergiu, afinal, todo o direito civil”. (...)“Os eventuais onerados precisam, dê um ponto de vista da sua organização patrimonial de saber a que momento é que podem confiar na propriedade do bem adquirido, na disponibilidade de uma soma em dinheiro, ou a partir do momento em que já não precisam de estar financeiramente prevenidos para proceder a um pagamento, ou orçamentar uma despesa de indemnização.”
Mas não poderão privilegiar-se direitos patrimoniais perante os direitos pessoalíssimos de personalidade e de identidade e os danos eventualmente causados à reserva da vida privada e familiar do pretenso pai não ficarão agravados com o decurso do tempo.”
Termos pelos quais, tendo em conta que sempre que haja demonstração da paternidade biológica, também é do interesse do Estado e da sociedade o seu inevitável reconhecimento legal,
deve a presente reclamação ser admitida e deferida, sendo em consequência alterada a decisão sumária reclamada no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 1817.º número 1 do Código Civil, na redação da Lei 14/2009 de 1 de abril na parte que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade. (…).»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou a seguinte resposta:
«1º
Pela Decisão Sumária 152/12, de 20 de março (cfr. fls. 60-61 dos autos), o Ilustre Conselheiro Relator entendeu, no presente caso, conceder provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e por A..
2º
Reporta-se, a mesma Decisão Sumária, aos recursos de inconstitucionalidade oportunamente interpostos, para este Tribunal Constitucional, pelos mesmos recorrentes, Ministério Público (cfr. fls. 40 dos autos), e A. (cfr. fls. 48 dos autos), do despacho saneador, de 24 de janeiro de 2012, da Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial de Viana do Castelo (cfr. fls. 34-39 dos autos).
3º
No mesmo despacho saneador, entendeu, designadamente, a Meritíssima Juíza do tribunal a quo (cfr. fls. 37 dos autos):
“Em face do exposto, considerando o teor do acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 e, ainda, o teor dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça acima citados, entendemos julgar improcedente a exceção de caducidade invocada pelo Réu, por força da inconstitucionalidade material do artigo 1817º, nº 1 do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 1873º do mesmo Código”.
4º
Considerou, no entanto, o Ilustre Conselheiro Relator deste Tribunal Constitucional, na Decisão Sumária 152/12, ora reclamada (cfr. fls. 60-61 dos autos) (destaques do signatário):
“1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, em que são recorrentes o Ministério Público e A, e recorrida B., foram interpostos dois recursos, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC), do despacho daquele tribunal na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 1817.º, n.º 1, do CCiv (na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril), aplicável ao caso por força do artigo 1873.º do CCiv, na medida em que estabelece o prazo de 10 anos para o investigante intentar a ação de investigação de paternidade, contado da sua maioridade ou emancipação.
2. Questão em tudo idêntica à do presente recurso foi recentemente decidida no Acórdão n.º 401/2011, de 22.09.2011, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
Assim, por aplicação desta jurisprudência, fixada por maioria do Plenário do Tribunal Constitucional, cumpre dar provimento aos recursos.
5. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
b) Consequentemente, conceder provimento aos recursos, devendo o despacho recorrido ser reformulado em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade”.
5º
Na sua reclamação para a conferência, a ora reclamante, Autora nos presentes autos de investigação de paternidade, cita anterior jurisprudência deste Tribunal Constitucional sobre a matéria, designadamente o Acórdão 23/2006 (cfr. fls. 66-67 dos autos), acrescentando, a propósito do problema jurídico em discussão (cfr. fls. 67 dos autos) (destaques do signatário):
“Os prazos de caducidade impostos ao investigante, obstando que, a todo o tempo, obtenha o reconhecimento judicial da sua ascendência biológica traduzem-se numa restrição, violadora dos princípios constitucionais consagrados nos Arts. 18º nº 2, 26º nº 1 e 36º nº 1 da C.R.P., ou, dito por outras palavras, configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade das pessoas.”
6º
Mais adiante, conclui, assim, a ora reclamante a sua pretensão (cfr. fls. 70 dos autos) (destaques do signatário):
“Termos pelos quais, tendo em conta que sempre que haja demonstração da paternidade biológica, também é do interesse do Estado e da sociedade o seu inevitável reconhecimento legal, deve a presente reclamação ser admitida e deferida, sendo em consequência alterada a decisão sumária reclamada no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 1817º número 1 do Código Civil, na redação da Lei 14/2009 de 1 de abril na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade.”
7º
A presente reclamação para a conferência não deve, no entanto, proceder.
Com efeito, muito embora, no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão 401/2011, este Ministério Público tenha interposto recurso obrigatório, ao abrigo do art. 79º - D, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), e defendido a inconstitucionalidade da norma do art. 1817º, nº 1, do Código Civil, na redação da Lei 14/2009, com argumentos próximos dos da ora reclamante, o que é facto é que o Plenário deste Tribunal Constitucional, embora com uma votação tangencial de 7 votos a favor do acórdão e de 6 votos contra, fixou jurisprudência em sentido discordante dessa tese.
8º
Em consequência, o Ilustre Conselheiro Relator, ao prolatar a Decisão Sumária 152/12, não podia, em face do art. 78º - A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, tomar posição diferente daquela que tomou.
9º
Pelo exposto, crê-se que a reclamação para a conferência, em apreciação, não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 152/12, de 20 de março, que determinou a sua apresentação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada, por aplicação da orientação fixada no Acórdão n.º 401/2011, do Plenário do Tribunal Constitucional, julgou não inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante e, em consequência, deu provimento aos recursos de constitucionalidade.
A reclamante insurge-se contra esta decisão, citando jurisprudência anterior ao referido Acórdão n.º 401/2011 e concluindo que a demonstração da paternidade biológica também é do interesse do Estado e da sociedade.
Em relação à jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pela reclamante, cumpre salientar que os acórdãos em causa (Acórdãos n.ºs 486/2004 e 23/2006) versaram sobre a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação anterior a 2009, na qual se previa um prazo de 2 anos; enquanto que o Acórdão n.º 401/2011, tal como a decisão sob reclamação, se pronunciaram sobre a constitucionalidade de tal norma, na redação posterior a 2009, que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da ação.
A decisão sumária reclamada segue a jurisprudência fixada, por último, no Acórdão n.º 401/2011, que foi votado, por maioria, no Plenário do Tribunal Constitucional.
Assim, atendendo a que a reclamante não traz qualquer novo argumento que pudesse justificar o reponderar do problema e sendo certo que a decisão reclamada se limita a seguir a orientação mais recente deste Tribunal Constitucional sobre a mesma questão, vertida em Acórdão do Plenário do Tribunal, não pode deixar de se confirmar o sentido da decisão sob reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de maio de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.