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Proc. nº 1140/98 Plenário Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. O Presidente da Assembleia de Freguesia de Serreleis (concelho de Viana do Castelo) requereu ao Tribunal Constitucional, por carta enviada ao seu Presidente, datada de 26 de Dezembro de 1998 e com registo de entrada neste Tribunal de 29 do mesmo mês e ano, a apreciação da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 11º nº. 1 da Lei nº. 49/90, de 24 de Agosto
(diploma a que, salvo indicação em contrário, se referem todos os preceitos citados) de uma consulta directa a nível local sobre a localização de um campo de jogos (polidesportivo).
Juntou fotocópia da proposta da consulta subscrita por quatro membros da Assembleia de Freguesia e da acta nº. 6 da sessão deste órgão autárquico onde aquela proposta foi aprovada.
D. e A . cumpre decidir.
2. Com interesse para a decisão da causa, dos autos resulta assente o seguinte:
A - Subscrita por quatro membros da Assembleia de Freguesia de Serreleis, foi elaborada uma 'proposta', datada de 18 de Novembro de 1998, nos seguintes termos:
'Considerando que:
1º A Junta de Freguesia de Serreleis pretende construir um polidesportivo (campo para a prática de diversos jogos) por detrás do Salão Paroquial de Serreleis e em terreno próprio da freguesia e contíguo a este salão;
2º A construção desse polidesportivo é uma aspiração dos jovens da freguesia de há muitos anos a esta parte;
3º A publicidade feita ao possível início das obras do polidesportivo provocou uma reacção de oposição à execução de tal obra por parte da Comissão da Fábrica da Igreja Paroquial de São Pedro de Serreleis no local escolhido pela Junta de Freguesia;
4º Em assembleia extraordinária desta Assembleia de Freguesia, convocada para se pronunciar sobre se deveria construir por detrás do Salão Paroquial, foi deliberado, por unanimidade, submetendo a questão da localização a consulta directa dos cidadãos eleitores da freguesia, ou seja, a referendo.
Assim, esta Assembleia delibera, nos termos do art. 6º nº. 1, art. 8º al. b) e 10º da Lei nº. 49/90, de 24/8, o seguinte:
1º Consultar os eleitores da Freguesia de Serreleis, através de referendo, sobre se o local escolhido pela Junta de Freguesia para a instalação do polidesportivo, por detrás do Salão Paroquial deve ou não ser mantido;
2º A pergunta a fazer aos eleitores deve ter o seguinte teor:
- Concorda com a construção de um campo de jogos para desportos diversos (polidesportivo) na parte de trás do Salão Paroquial de Serreleis? SIM______ NÃO______' B - Em 20 de Dezembro seguinte, realizou-se uma reunião ordinária da Assembleia de Freguesia de Serreleis, em que estiveram presentes todos os seus membros, à excepção de um cuja falta foi devidamente justificada, com a seguinte ordem de trabalhos:
'1 - Aprovação do plano de actividades para noventa e nove.
2 - Deliberação sobre a proposta de referendo para consulta dos eleitores de Serreleis sobre a localização do polidesportivo.
3 - Aprovação da pergunta a fazer aos eleitores.'
C - Apresentada a proposta referida em A) à votação da assembleia, foi ela aprovada por unanimidade.
D - Igualmente por unanimidade, foi aprovada a pergunta a efectuar na consulta aos eleitores, nos seguintes termos:
' Concorda com a construção de um campo de jogos para desportos diversos
(polidesportivo) na parte de trás do Salão Paroquial de Serreleis? Sim____ Não____'
3. Não se verificam irregularidades formais no processo, como se passa a demonstrar.
3.1. O requerimento foi enviado pelo Presidente do órgão competente ao Tribunal Constitucional, no prazo de oito dias a contar da deliberação, conforme estabelece o artigo 11º nº. 1, e veio acompanhado do texto da deliberação e da cópia da acta da sessão respectiva, como o exige o disposto no nº. 2 do mesmo artigo 11º.
3.2. A proposta de consulta directa foi, como se viu, apresentada por quatro membros da Assembleia de Freguesia de Serreleis, pelo que se mostra cumprido o disposto no artigo 8º alínea b). Na verdade, de acordo com os dados fornecidos pelo STAPE in 'Actualização do Recenseamento Eleitoral - 1997', a freguesia de Serreleis tinha inscritos, em Maio de 1997, 943 eleitores; nos termos do artigo 5º nº. 1 do DL 100/84, de 29 de Março, a assembleia de freguesia é composta por 7 membros quando o número de eleitores é igual ou inferior a 1000; composta, assim, a Assembleia de Freguesia de Serreleis por 7 membros, os 4 proponentes perfazem (e ultrapassam mesmo), o
'terço' exigido pelo citado artigo 8º alínea b).
3.3. Cumprido se mostra também o disposto no artigo 9º nº. 1 – a proposta apresentada contém a pergunta (única) a submeter aos eleitores.
3.4. Datada a proposta de consulta local de 18/11/98 e tomada a deliberação em
20/12/98, não terá sido cumprido o que prescreve o artigo 6º nº. 2 – a deliberação deveria ocorrer no prazo de 15 dias a contar da data da recepção da proposta para realização da consulta. De todo o modo, não parece que o desrespeito de tal prazo determine a caducidade da proposta; a consagração de um prazo entre a recepção da proposta e a deliberação representará, antes, uma medida favorável ao seguimento da proposta visando obstar a que o orgão competente protele a sua votação. Nesta medida, tomada efectivamente a deliberação com a aprovação da proposta, degrada-se em não essencial a formalidade, irrelevando o apontado incumprimento.
3.5. Por último, a deliberação da Assembleia de Freguesia foi tomada à pluralidade de votos como o impõe o artigo 10º.
4. Sobre o conteúdo da consulta e a formulação da pergunta aprovada não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade e/ou ilegalidade.
4.1. A pergunta a submeter aos eleitores da área da freguesia de Serreleis – se concordam com a construção de um campo de jogos para desportos diversos
(polidesportivo) na parte de trás do Salão Paroquial de Serreleis – permite uma resposta inequívoca, pela simples afirmativa ou negativa. Por outro lado, ela não sugere, explícita ou implicitamente, uma qualquer resposta. Cumpridos se mostram assim os comandos ínsitos nos nºs. 1 e 2 do artigo 7º.
4.2. Nos termos do artigo 240º nº. 1 da Constituição da República Portuguesa
(revisão de 97) é lícito às autarquias locais 'submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus orgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer'. O preceito corresponde ao do anterior artigo 241º nº. 3 da CRP deixando, porém, de se qualificar como exclusiva a competência onde, necessariamente, se deveriam inserir as matérias susceptíveis de serem submetidas a referendo. Teve já o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar sobre o sentido desta alteração, concluindo então que 'haverá hoje que entender que são matérias de referendo local (...) as da competência meramente consultiva dos orgãos das autarquias locais'; deixou-se, porém, em aberto a questão de saber se, em face da segunda parte do nº. 1 do artigo 240º da CRP 'se deve ter por implicitamente revogado nessa parte o nº. 1 do artigo 2º da Lei nº. 49/90 ou se, desaparecido o obstáculo constitucional, a proibição ainda se mantém' (Acórdão nº. 390/98, in DR, II Série, nº. 259, de 9/11/98, p. 15834. Também aqui, mas por outras razões, não se afigura decisivo tomar posição sobre uma tal questão já que a matéria em causa se integra nas atribuições da freguesia e invadida não é a esfera de competência de orgãos de qualquer outro ente público. Para este efeito, importa, antes do mais, deixar claro que a pergunta a colocar não visa apurar se os eleitores concordam, ou não, com a construção de um campo de jogos (e o investimento público que tal demandaria), mas tão só com a afectação de um determinado terreno - que, dando por assente o que consta da proposta, se integra no património da freguesia ('terreno próprio da freguesia')
– a campo de jogos. Nesta medida, não releva para determinar se a consulta local incide sobre matéria da competência dos orgãos da freguesia, a consideração de poderes que se reportem, nomeadamente, à realização do investimento público respeitante à construção do referido campo (cfr. v.g. artigos 1º nº. 2, 8º alínea f) nº. 4 e
11º do DL nº. 77/84, de 8 de Março), ao regime de instalação e funcionamento de instalações desportivas de uso público (DL nº. 317/97, de 25 de Novembro), ou de outros relacionados com o ordenamento urbanístico da área em causa.
É função das autarquias locais, nos termos do artigo 235º nº. 2 da CRP, a prossecução de interesses próprios das populações respectivas, interesses esses que 'radicam nas comunidades locais, enquanto tais, isto é, que são comuns nos residentes, e que se diferenciam dos interesses da colectividade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades locais' (Gomes Canotilho e Vital Moreira 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª ed. p. 882). Este princípio fundamental mostra-se concretizado no artigo 2º nº. 1 do DL nº.
100/84, de 29 de Março (LAL) que consagra como 'atribuição' das autarquias locais 'o que diz respeito aos interesses próprios, comuns e específicos das populações respectivas'. O mesmo preceito enumera, a título exemplificativo, alguns desses 'interesses', relevando, para o caso, o que respeita à 'administração de bens próprios' e à
'cultura, tempos livres e desporto'. No que concerne à 'administração de bens próprios' – poder inerente à autonomia de uma pessoa colectiva com património próprio – já o Código Administrativo, no seu artigo 253º, apontava, como atribuição das juntas de freguesia (então único orgão paroquial), deliberar 'sobre a administração dos bens próprios da freguesia' (nº. 6). No âmbito das citadas atribuições, os artigos 15º nº. 1 alínea i) da LAL confere
à assembleia de freguesia competência para estabelecer as normas gerais de administração do património da freguesia e o artigo 27º nº. 1 alínea h) do mesmo diploma atribui à junta de freguesia o poder de prover à administração corrente do património da freguesia. Com a Lei nº. 23/97, de 2 de Julho, que expressamente reforça as atribuições e competências das freguesias (artigo 1º), inscreve-se como um dos domínios das atribuições da freguesia, o da 'cultura, tempos livres e desporto' (artigo 2º alínea f)). Ora, neste quadro de atribuições e competências, a afectação de um bem próprio da freguesia a um certo fim integra-se no poder de administração dos orgãos da autarquia, e a prossecução desse fim, no caso, visando a satisfação de necessidades comuns e específicas da respectiva população na área do desporto, mostra-se legalmente legitimada pelo citado artigo 2º alínea f) da Lei nº.
23/97. A consulta local em apreço incide, deste modo, sobre matérias da competência dos orgãos da freguesia de Serreleis, sendo da competência – no caso, efectivamente exercida – da assembleia de freguesia respectiva a deliberação sobre a sua realização, nos termos do artigo 6º nº. 1.
5 – Pelo exposto, e em conclusão, decide o Tribunal Constitucional ter por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local cuja realização foi deliberada pela Assembleia de Freguesia de Serreleis, na sua sessão de 20 de Dezembro de 1998. Lisboa, 13 de Janeiro de 1999- Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vitor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Beleza Maria Helena Brito Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa