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Processo nº 567/00
3ª Secção Rel.: Cons. Tavares da Costa
(Consª Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. - A, impugnou junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto a liquidação de emolumentos relativos à celebração de escritura pública de constituição de propriedade horizontal e de compra e venda de imóveis, na parte em que debita à impugnante a quantia de 9.492.000$00, a título de
'acréscimo de emolumento sobre os actos de valor determinado', nos termos do artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, na redacção do Decreto-Lei nº
397/83, de 2 de Novembro. Os fundamentos da impugnação são, em síntese, os seguintes:
'(...)
18º
No entender da impugnante, os emolumentos em causa constituem um verdadeiro imposto.
19º tratando-se de um imposto, os ditos emolumentos só poderiam ter sido estabelecidos por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo no uso de autorização legislativa (cfr. nº 2 do art. 106º e al. i) do n.º 1 do art. 168º da Constituição da República Portuguesa).
20º Ora, no caso concreto, os emolumentos notariais liquidados à impugnante foram fixados pelo Decreto-Lei n.º 397/83, de 2 de Novembro, o qual não foi precedido da necessária autorização legislativa.
(...)
22º Os mesmos emolumentos apresentam-se com características aparentemente correspondentes às das taxas, sendo sabido que, quanto a estas receitas públicas, não vigora o princípio da legalidade fiscal.
23º Reconheça-se, com efeito, que a aparência indicada resulta do facto de, em ligação com o pagamento dos emolumentos, ser prestado um serviço a um utilizador individualizado.
(...)
36º Entre nós deve também sustentar-se que o montante das taxas não pode ser fixado sem critério: haverá sempre que respeitar um mínimo de proporção entre o custo da actividade administrativa e a quantia que é exigida, em troca, ao particular.
(...)
41º Ora os emolumentos notariais encontram-se justamente entre aquelas receitas que, muito embora apresentem uma conexão com um serviço público individualizável, estão manifestamente desligadas, quanto ao seu montante, da actividade desenvolvida pela Administração.
42º Nestes casos, a desproporção entre o tributo e o serviço é tal que se pode dizer que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, em boa verdade, uma receita abstracta.
(...)
49º Reitera-se: a importância de 9. 492.000$00 é a todas as luzes excessiva, enquanto 'contrapartida' do serviço que, alegadamente, se destina a retribuir.
(...)
51º Com efeito, o art. 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. 397/83, de 2 de Novembro, enferma do vício de inconstitucionalidade,
52º porquanto se deve entender que estabelece um verdadeiro imposto sem estar habilitado por competente autorização legislativa, ofendendo por isso o n.º 2 do art. 106º e a al. i) [do nº 1] do art. 168º da Constituição e o art. 10º da dita Directiva ou
53º porque, de todo o modo – e particularmente no caso concreto da impugnante–, cria uma receita pública manifestamente desproporcionada com os custos e a natureza do serviço prestado em troca, com o que quedam violados o princípio da proporcionalidade e o princípio da proibição dos excessos (cfr.nº 2 do art. 266º da Constituição) – (...)'.
A impugnante fez juntar ao processo dois pareceres jurídicos. O Tribunal referido, após revogação, pelo Supremo Tribunal Administrativo
(acórdão de fls. 259) da sentença de fls. 194, pela qual se julgara incompetente, veio a julgar procedente a impugnação, por sentença de 27 de Fevereiro de 2000 (fls. 352 e segs.), através da qual anulou a liquidação dos emolumentos notariais na parte impugnada e ordenou a restituição da quantia paga acrescida dos correspondentes juros legais. A decisão assentou na consideração do 'acréscimo de emolumento sobre actos de valor determinado', previsto no art. 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, com a redacção do Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Fevereiro, como uma 'receita pública de natureza fiscal, sujeita ao princípio da legalidade estabelecido no artº 106º, nº 1, al. i) e nº 2, e art. 168º da C.R.P. [sic], pelo que apenas poderia ser criada por lei da Assembleia da República ou pelo Governo no uso da competente autorização legislativa emanada daquela assembleia'.
2. - Desta sentença interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por recusa de 'aplicação do artº 5 da Tabela de Emolumentos Notariais, redacção do DL 397/83, de 2/11, com fundamento em violação dos artºs 106º nºs 1 i) e 2 e 168º da CRP.'[sic]. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações. O Ministério Público concluiu do seguinte modo:
'1º A Directiva 69/335/CEE – e a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sobre a interpretação das normas que a integram – está exclusivamente coligada ao tema da liberdade de circulação de capitais no espaço comunitário, não tendo qualquer ligação com as taxas devidas pela realização de actos notariais que consubstanciam alienação por particulares de imóveis sitos em Portugal.
2º Os emolumentos notariais devidos pela realização dos serviços notariais de uma tarefa de administração pública do direito privado têm, de um ponto de vista estrutural, carácter inquestionavelmente bilateral ou sinalagmático, já que traduzem a prestação de um serviço aos utentes, consubstanciado na fé pública e segurança associada à outorga em escritura notarial de compra e venda de imóveis.
3º O carácter bilateral da taxa não implica uma estrita correspondência económica entre o valor da prestação imposta ao particular e o custo do serviço que constitui contraprestação do ente público – podendo, porém, no caso de ocorrer 'desproporção intolerável' entre ambos, resultar violado o direito fundamental que, porventura, seja actuado ou realizado mediante a prestação do serviço público em causa.
4º O carácter bilateral da taxa não impede que no seu montante possam ser repercutidos os custos globais de instalação e funcionamento dos serviços que visam a administração pública do direito privado, fazendo partilhar pelos utentes (e não pela generalidade dos contribuintes) tais custos globais, em função da relevância económica dos actos que praticam.
5º Na específica situação dos autos, não constitui 'desproporção intolerável' a liquidação de emolumentos notariais no valor de cerca de 10 mil contos, quando está em causa a celebração de uma escritura, envolvendo negócio jurídico complexo, por traduzir alienação de numerosas fracções, no valor global de cerca de 3.160.000.000$00 de escudos.
6º Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida'.
Por seu turno, a recorrida, nas contra-alegações, formulou as seguintes conclusões:
'1º A fixação do montante dos emolumentos deverá obedecer a uma justa proporção ou a um justo equilíbrio entre a prestação do particular e a contra-prestação de natureza pública fornecida;
2º A pretexto de uma relação bilateral, o Estado não pode cobrar receitas calculadas de acordo com os critérios próprios que presidem à quantificação das receitas unilaterais.
3º A justificação para a cobrança de quantias tão díspares a título de emolumentos por ocasião da celebração de uma escritura pública como a dos presentes autos, de acordo com o disposto no artº 5º da 'Tabela dos Emolumentos do Notariado', com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 397/83, reside na circunstância de o legislador ter erigido como critério para o pagamento do serviço prestado pelos notários a capacidade contributiva dos interessados, capacidade essa que é medida através de um índice revelado: o valor dos imóveis negociados;
4º As receitas públicas calculadas desta forma, de acordo com os critérios próprios de uma receita unilateral, devem ser abrangidos pelo princípio da legalidade tributária, previsto nos arts. 106º, nº 2 e 167º, nº 1, al. i), da Lei Constitucional nº 1/92 (aos quais correspondem, actualmente, os arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1 al.i);
5º A utilização do método ad valorem para a fixação do montante de uma receita pública é exclusiva dos impostos (nomeadamente, dos impostos indirectos) e não poderá, em caso algum, ser aplicada às taxas dado que o quantitativo destas não pode andar ligado ao valor dos bens;
6º A fixação da taxa de justiça obedece a uma lógica de redução da procura que não pode ser transposta para a fixação dos emolumentos cobrados pelos notários a título de serviço público que estes prestam;
7º Nos serviços do notariado, ao contrário do que se passa com o serviço da administração da justiça, não interessa ao Estado limitar a procura, dado que o recurso a estes serviços é obrigatório, importa sim, fixar taxas que assegurem as receitas suficientes para cobrir os custos do serviço;
8º O negócio jurídico em causa nos presentes autos é idêntico aos demais contratos de constituição de propriedade horizontal e compra e venda de imóveis outorgados por outras escrituras de públicas e a prestação do notário é idêntica em todos eles: certificação de forma legal e de fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais;
9º Verifica-se uma desproporção intolerável entre a prestação da recorrida e a contra-prestação fornecida pelo ente público, pois pelo mesmo serviço os cidadãos pagam montantes bastante diversos, consoante o valor dos prédios negociados;
10º A A, pagou pelo serviço público a que recorreu um montante a título de emolumentos notariais bastante mais elevado do que teria de pagar um particular que recorresse ao mesmo serviço público mas adquirisse os imóveis por um valor diferente;
11º A desproporção entre o tributo cobrado e o serviço prestado é tal que se pode afirmar que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, assim, uma receita abstracta;
12º O carácter abstracto da receita em causa é ainda reforçado pelo facto de o produto da sua cobrança reverter não apenas para os custos directos e globais do serviço do notariado, mas para uma série de despesas que nenhuma conexão com ele apresentam;
13º A norma contida no art. 5º da 'Tabela de Emolumentos do Notariado', com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 397/83, de 2/11, prevê uma receita pública de natureza fiscal, sujeita ao princípio da legalidade estabelecido no art. 106º, nº 2, e art. 168º, nº 1, al) i), da C.R.P., pelo que apenas poderia ser criada por lei da Assembleia da República ou pelo Governo no uso da competente autorização legislativa emanada daquela assembleia;
14º O D.L. nº 397/83, de 2/11, não foi emitido ao abrigo de qualquer autorização legislativa, pelo que o art. 5º da 'Tabela de Emolumentos do Notariado' enferma do vício de inconstitucionalidade, sendo ilegal a liquidação de emolumentos praticada pelo notário na situação sub judice.'
3. - Corridos os vistos da Secção, foram os autos a plenário, nos termos do nº 1 do artigo 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ocorrendo mudança de relator, por vencimento.
II
1. - O presente recurso tem como objecto a norma constante do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, aprovada pelo Decreto-Lei nº
397/83, de 2 de Novembro, que se encontrava em vigor no momento da liquidação e a qual foi efectivamente aplicada. A disposição em causa segue-se a uma outra (o artigo 4º), onde se estabelecem valores emolumentares fixos para os actos notariais. O artigo 5º tem o seguinte teor:
Artigo 5º
Se o acto que constitui objecto da escritura for de valor determinado, aos emolumentos previstos no artigo anterior acrescem, sobre o valor total do acto, por cada 100$ ou fracção: a. Até 200
000$..............................................................10$00 b. De 200 000$ a 1 000 000$.......................................... 5$00 c. De 1000 000$ a 10 000 000$........................................4$00 d. Acima de 10 000 000$, sobre o excedente....................3$00
A Tabela de Emolumentos do Notariado referida foi entretanto substituída pela Tabela aprovada pela Portaria nº 996/98, de 25 de Novembro, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 145/85, de 8 de Maio
(rectificada pela Declaração nº 22-A/98, publicada no Diário da República I-B de
2 de Dezembro e alterada pelas Portarias nºs 1007-A/98, de 2 de Dezembro e
684/99, de 24 de Agosto). Esta última mantém um regime basicamente semelhante para o cálculo dos emolumentos devidos pela prática de actos notariais de valor determinado, mas introduziu, através do seu artigo 22º, um limite máximo de emolumentos a cobrar por cada acto.
Finalmente, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro do ano em curso outro diploma, o Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 322-A/2001, de 14 de Dezembro (artigo 1º), introduzindo uma nova disciplina de tributação da actividade notarial e registral, onde, como se lê do respectivo preâmbulo, se pretende obter, a par da simplificação e da sistematização da matéria, o 'estabelecimento de uma norma de proporcionalidade'.
Confessadamente, a reforma introduzida na área da tributação emolumentar dos actos praticados nos serviços dos registos e do notariado, levada a efeito pelo novo Regulamento que o Decreto-Lei nº 322-A/2001 aprovou, teve em vista a adaptação do regime vigente à jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), na preocupação de assegurar uma actualização atempada dos montantes das taxas previstas, do mesmo passo garantindo a proporcionalidade da tributação 'pela sistemática e permanente actualização dos tipos de receita relativamente aos fluxos de despesa verificados ano a ano, bem como a avaliação da receita cessante derivada da existência de isenções ou reduções emolumentares'.
Não nos ocuparemos, no entanto, dessa nova disciplina que, por um lado, é irrelevante para a economia do acórdão e, por outro, veio dar resposta a uma questão que se insere em plano diferente do padrão normativo de controlo a ter em conta no presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
2. - O problema de constitucionalidade suscitado reside na alegada violação, pelo artigo 5º da mencionada Tabela, do nº 2 do artigo 106º da Constituição (correspondente ao artigo 103º, na redacção resultante da Revisão Constitucional aprovada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro) e da alínea i) do nº 1 do artigo 168º do mesmo texto (hoje, artigo 165º).
Das duas normas constitucionais citadas decorre a consagração do princípio da legalidade fiscal, quer na sua dimensão de reserva material de lei – directamente assente no nº 2 do artigo 106º –, quer na dimensão da reserva (relativa) de lei da Assembleia da República [alínea i) do nº 1 do artigo 168º], sendo certo que, neste recurso, está fundamentalmente em causa a circunstância de o artigo 5º da Tabela em referência constar de decreto-lei não precedido de autorização legislativa.
O texto constitucional em consideração – ou seja, a versão anterior à IV Revisão Constitucional – integrava a matéria relativa à criação de impostos e sistema fiscal na área da reserva relativa da competência legislativa parlamentar, mas já aí não inseria a respeitante ao regime geral das taxas, como passou a estar incluída após a revisão de 1997.
Deste modo, indagar da eventual incompatibilidade com a Constituição da norma que constitui o objecto deste recurso exige averiguar se o tributo nela previsto deve ser tratado como uma taxa ou como um imposto, tendo em conta a teleologia constitucional.
3.1. - O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa.
O critério básico de diferenciação com que tem operado consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático.
Assim, a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública.
Como se escreveu no acórdão nº 558/98, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Novembro de 1998, que se debruçou sobre a natureza jurídica das 'taxas de publicidade' previstas em regulamento de taxas e licenças municipais, a relação sinalagmática característica da taxa implica uma contrapartida do ente público, sendo entendimento da doutrina que 'são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares' (assim, Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, págs. 252 e segs. e 'Noção Jurídica de Taxa' in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º, págs. 289 e segs.; Paulo de Pitta e Cunha, José Xavier de Basto e António Lobo Xavier, 'Os Conceitos de Taxa e Imposto A Propósito de Licenças Municipais', in Fisco, nºs. 51/52, págs. 3 e segs.).
Mas, como então se escreveu, 'quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção – in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade – só pode configurar-se como 'taxa' se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico (v. autores por último citados e Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol. 1, p. 33, que, em vez de bens semipúblicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros)'.
E tem sido esse o entendimento do Tribunal Constitucional.
O legislador, entretanto, veio dispor, na Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro: enquanto as taxas assentam 'na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo ao comportamento dos particulares' – nº 2 do artigo 4º – os impostos 'assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património' – nº 1 do mesmo preceito.
3.2. - A exigência de uma relação sinalagmática, como pressuposto para que se possa falar de taxa, reveste-se de carácter substancial ou material, e não meramente formal.
A este propósito, Cardoso da Costa menciona 'o relevo que ao tópico da «proporcionalidade» não deixa de ser reconhecido na jurisprudência do Tribunal, como marca de uma real (e não simplesmente aparente) sinalagmaticidade das «taxas» - pese o facto de na teoria destas últimas (como se sabe) tal característica típica essencial dessa figura assumir um relevo fundamentalmente «estrutural-formal», e ser compatível, assim, com taxas de montante superior (e, porventura, até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado' (cfr. 'O enquadramento constitucional do Direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional' in Perspectivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976, II, Coimbra, págs. 404
–405).
Outro autor, Robin de Andrade, defende que a fixação da taxa deve ser feita em valores que tenham uma qualquer relação com a contraprestação proporcionada, sem o que 'seria meramente formal o seu fundamento, e a taxa facilmente poderia ser utilizada como um verdadeiro imposto, quebrando-se a própria coerência e a consistência do sistema jurídico'
(Cfr. 'Taxas Municipais – Limites à sua Fixação (Parecer Jurídico)', in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº 8, pág. 68). Mas, como também observa, o próprio fundamento da taxa como preço, autoritariamente fixado, por uma utilidade atribuída a um administrado, impõe que 'o montante da taxa se situe dentro de valores que possam ser reconhecidos como a contrapartida do uso privativo concedido, ou seja, que não excedam o valor que pode ser reconhecido pela ordem jurídica a esse uso' (loc. cit.).
Casalta Nabais, por sua vez, ao referir-se à relação entre a prestação e a contraprestação que nas taxas está em causa, escreve (O Dever Fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, págs. 263 – 264) que 'se, por um lado não exige que, na relação bilateral em que se concretiza a taxa, se verifique uma remunerabilidade idêntica à da relação homóloga dos contratos bilaterais, por outro, também não se pode bastar com a ideia de que é suficiente a existência de uma qualquer «prestação» pública individualmente imputável, para se encontrar preenchido o seu pressuposto de facto. Se o primeiro entendimento reduz directamente o campo das taxas, pois atira a generalidade delas para o domínio dos impostos, o segundo alarga-o extremamente, já que, ancorando-se num critério meramente formal, considera taxas todos os tributos que o legislador assim qualifique, desde que em relação a eles se verifique a mencionada imputabilidade individual, o que significa, nomeadamente, que nelas se incluem as contribuições e tributos especiais que [...], constituem, por via de regra, verdadeiros impostos'.
3.3. - Pode, assim, concluir-se que a qualificação como taxa de um dado tributo não depende da verificação de uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço.
De resto, assim o vem considerando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, como é o caso do acórdão nº 357/99, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Março de 2000, onde se ponderou:
'Tem ainda o Tribunal entendido que se não integra no conceito de taxa a correspondência entre o montante da prestação imposta e o custo do bem ou serviço que constitui a contraprestação do ente público (cfr. Acórdão nº 67/90, in ‘Acórdãos do Tribunal Constitucional’, 15º vol., pág. 241) salvo nos casos em que, entre aqueles montante e custo houver uma «desproporção intolerável» (Ac. nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97).'
Esta orientação foi reafirmada nos acórdãos nºs. 410/2000 e 200/2001, publicados no Diário citado, II Série, de 22 de Novembro de 2000 e de 27 de Junho de 2001, respectivamente.
O que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação – material, e não meramente formal – na percepção de um dado serviço (cfr., a este propósito, o acórdão nº 1108/96, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Dezembro de 1996). É esta a fundamentação que justifica a subtracção das taxas ao princípio da legalidade, no seu sentido mais exigente, aplicável constitucionalmente aos impostos e a outras figuras que, para este efeito, lhe têm sido equiparadas – princípio este que constitui uma garantia perante 'uma intervenção do Estado no domínio da esfera jurídico-privada, [...]' (Cardoso da Costa, Direito Fiscal, 2ª ed., Coimbra, 1972, pág. 163) em que se traduz o imposto.
Assim, não basta uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, para que ao tributo falte o carácter sinalagmático. Será necessário que essa desproporção seja manifesta e comprometa, de modo inequívoco, a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática.
Na verdade, se essa correspectividade não for posta em causa – e, com ela, o carácter sinalagmático do tributo – deve este ser tratado constitucionalmente como taxa.
Pode assim dizer-se – acompanhando, nesta parte, o que ponderado foi no acórdão nº 640/95, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Janeiro de 1996 – que o Tribunal Constitucional rejeita o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto: quando se verifica a correspectividade ou o carácter sinalagmático entre a imposição e um serviço divisível prestado não se está perante um imposto (e é o que se verifica no caso dos autos).
A clara desproporção que afecta o carácter sinalagmático de um tributo não pode relacionar-se apenas com o carácter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço; ela há-de igualmente ser aferida em função da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo (cfr. o acórdão nº 1140/96, já citado).
4.1. - O Tribunal Constitucional tem sido, no entanto, cauteloso na apreciação dos excessos indicadores de uma falta de proporcionalidade enquanto desvirtuantes da correspectividade.
Assim, no acórdão nº 410/2000, também já mencionado, teve oportunidade de ponderar, na passagem que se transcreve:
'A subordinação do imposto à reserva de lei exprime (sempre nesse plano) a exigência de um controlo democrático que tem a ver com o respeito da igualdade e da justiça tributárias, aferidas em função da capacidade contributiva de cada cidadão. Já a taxa se insere numa outra lógica, não necessariamente justificada pelo exacto custo da prestação ou do benefício, se bem que 'juridicamente estruturada através da sinalagmaticidade e correspectividade da prestação, tendo como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu pagamento'. Assim, para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais relevante a contenção da utilização de um serviço – o que significa (e a jurisprudência constitucional tem-se comprometido nesse sentido) que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do bem ou serviço prestado: a bilateralidade que a caracteriza mantém-se, mesmo na parte excedente ao custo (cfr., v. g., o acórdão nº 205/87, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987); não é, por si só, de qualificar a taxa como imposto, ou de lhe conceder tratamento constitucional de imposto, se o respectivo montante exceder o custo dos bens e serviços prestados ao utente
(cfr., v.g., o acórdão nº 640/95, publicado naquele jornal oficial, II Série, de
20 de Janeiro de 1996).'
Isto para admitir que se o valor da taxa for manifestamente desproporcionado, 'completamente alheio ao custo do serviço prestado', então pode duvidar-se se a 'taxa' não há-de ser encarada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto, porque desse modo e nessa medida se afectaria a correspectividade, como acautelara já o citado acórdão nº 640/95. A desproporcionalidade, se então verificada, lesaria o critério legitimante da taxa (cfr. o acórdão nº 1108/96, já citado).
Escreveu-se neste último aresto que sendo, embora, a taxa juridicamente estruturada 'através da sinalagmaticidade e da correspectividade das prestações, tendo como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu pagamento' não há-de ser necessariamente justificada pelo exacto custo da prestação ou do benefício.
Como, então, mais se ponderou, em termos que ora interessa reter (e reflectindo, de certo modo, o exposto precedentemente), '[a] base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe, todavia, uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos'.
Daí se retira que 'a consignação financeira de uma tal prestação económica que surge como uma elevação de um preço estabelecido em convenção poderá não afectar a natureza de taxa da referida prestação, na medida em que se entenda que a elevação do preço tem o seu fundamento (a sua causa) num determinado modo de relacionamento dos cidadãos com os custos (benefícios ou utilidades) e a própria elevação do preço seja aceitável racionalmente como contrapartida de um benefício'.
Encontra-se implícita, nesta concepção, que a aferição do montante da taxa não decorre tanto do seu 'custo' mas, essencialmente, da utilidade que do serviço se extrai.
De resto, nem sequer é necessária, na concepção que tem vindo a ser adoptada, uma efectiva utilização dos bens (quando, por exemplo, se trate de utilização do domínio público). Assim, no mencionado acórdão nº
410/2000, estando em causa uma taxa criada em face da utilização de equipamentos públicos disponibilizados por autarquia, inseridos na actividade pública de prestação de serviços desta, observou-se não só não ser indispensável a correspondência económica absoluta entre as prestações do ente público e do utente, como, inclusivamente, poder nem ocorrer essa utilização, bastando que a taxa seja devida pela simples possibilidade dessa utilização (como defende Teixeira Ribeiro, 'Noção Jurídica de Taxa' cit. pág. 243).
4.2. - O Tribunal Constitucional não pode, assim, censurar um critério de determinação das quantias emolumentares em que o legislador teve em conta não só o valor de custo do serviço em causa mas, determinantemente, o valor resultante da utilidade obtida através da prestação do serviço, em si considerada – utilidade que, em princípio, é tanto maior quanto maior for o valor do acto que lhe dá origem.
A esta luz, observar-se-á – de harmonia com o precedentemente escrito e tendo em conta o que mais adiante se acrescentará – que o facto de a tributação ser estabelecida em função de serviços prestados em regime de 'utilização obrigatória' e de fixação monopolística não altera a conclusão anterior. Por um lado, porque a utilização obrigatória assenta em razões de segurança jurídica que apenas podem justificar uma reforçada utilidade do serviço; e, por outro lado, porque a fixação monopolística de um preço não lhe retira essa qualidade, sendo certo que, em regra, lhe determina um valor mais elevado.
Entretanto, refira-se que não é decisivo, em princípio, o destino financeiro da receita, mas sim a prestação ou não do serviço (como foi salientado no acórdão nº 76/88, publicado no Diário da República, I Série, de 21 de Abril de 1988), sendo, nessa medida, irrelevante que uma sua parte seja afectada a financiar os encargos resultantes da manutenção e gestão dos respectivos serviços (e mesmo se houver excedente de serviços conexos). A natureza do tributo, ainda que a correspectividade se medisse apenas em função do custo do serviço, não seria abalada mesmo que no montante a pagar não se repercutisse apenas o custo atomizado do serviço prestado, mas também, o conjunto das despesas inerentes ao funcionamento das entidades que realizam o serviço, recaindo sobre os utentes uma percentagem dos custos globais do funcionamento da respectiva actividade da Administração Pública – sempre sob a ressalva da desproporção manifesta. III
1. - A concepção constitucional de taxa assenta, em face do exposto, em determinadas premissas: necessidade da existência de uma relação sinalagmática ; desnecessidade de uma exacta equivalência económica; aferição do respectivo montante em função não só do custo mas também do grau de utilidade prestada; exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na sua fixação.
Importa, por último, cuidar de saber se este último parâmetro se verifica no concreto caso: será através do 'crivo da proporcionalidade' (acórdão nº 640/95) que o Tribunal Constitucional se pronuncia a respeito da conformidade constitucional da opção do legislador.
2.1. - A determinação do montante emolumentar em causa implica que se conjuguem dois preceitos da Tabela dos emolumentos do notariado (de 1983) em análise: o nº 1 do artigo 1º deste texto diz-nos que o valor dos actos notariais é, em geral, o dos bens que constituem o seu objecto, enquanto, por sua vez, o artigo 5º dispõe que, sendo de valor determinado o acto que constitui objecto da escritura (como é o caso), acresce aos emolumentos previstos no artigo 4º uma quantia proporcional ao valor do bem a que se refere o acto constante da escritura pública, no seu total, nos termos aí estatuídos, em que a percentagem em função da qual é calculada essa quantia tem natureza regressiva, na medida em que o valor a pagar por cada 100$00 ou fracção vai decrescendo dos
10$00 (para escrituras de valor igual ou inferior a 200.000$00) até aos 3$00
(correspondente às escrituras de valor superior a 10.000.000$00).
Ponto será que a participação emolumentar prevista no artigo 5º da Tabela – a acumular com a quantia estabelecida pelo artigo 4º –, não proporcione uma situação de relação desrazoável com o custo previsível do serviço (incluindo o montante da comparticipação nos custos da estrutura pública do notariado) ou da sua utilidade, de modo a só se compreender no âmbito de uma lógica estritamente fiscal de obtenção de receitas públicas, descaracterizante da natureza da taxa.
2.2. - A quantia pecuniária apresenta-se como uma parcela a adicionar ao montante emolumentar fixo estabelecido no artigo 4º da Tabela devido pela realização da escritura pública, como acto notarial que é.
Dispondo o artigo 875º do Código Civil que o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública, a intervenção obrigatória do notário consubstancia um verdadeiro serviço prestado aos particulares, garantindo aos actos por eles praticados a segurança e a publicidade que, de outro modo, não teriam: não só, como actos de alienação dos bens imóveis, a intervenção notarial formalizada documentalmente concede-lhes a fé pública que explica a especial força probatória de que gozam os actos notariais, à qual se associa a força de título executivo, como, por outro lado, a dita intervenção notarial pressupõe um controlo de legalidade do acto documentado (cfr. os artigos 173º e 174º do Código do Notariado), podendo o notário 'prestar assessoria às partes na expressão da sua vontade negocial' (nº
2 do artigo 1º do mesmo Código), devendo este, em qualquer caso, 'redigir o instrumento público conforme à vontade das partes, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-as do seu valor e alcance' (nº 1 do artigo 4º do mesmo diploma legal).
Deste modo, a escritura pública não pode ser considerada apenas na perspectiva de uma mera operação material, já que nela está pressuposta a actuação de funções próprias do notário: a de controlar a legalidade dos actos das partes e a de as assessorar e aconselhar.
3.1. - Não há lugar a aplicar, por via analógica, os juízos de inconstitucionalidade já formulados por este Tribunal a situações contempladas por outros diplomas legais.
Assim, na denominada 'taxa da peste suína', considerou-se ser esta destinada à cobertura dos encargos advenientes da luta contra essa doença e sua erradicação, de modo que se pôde concluir não se estar perante um quadro contraprestacional de serviço prestado, mas sim face a uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação das necessidades públicas em geral ou, pelo menos, de uma certa categoria abstracta de pessoas (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 369/99 e 473/99, publicados no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 2000 e de 10 de Novembro de
1999, respectivamente).
Como se destaca neste último aresto, respondeu-se, então, negativamente, à questão de saber se da satisfação de um 'tributo' como esse resultava para o respectivo devedor uma vantagem ou benefício específicos, decorrentes da correspondente actividade pública.
Deste modo, o acórdão nº 96/00, a declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas que estabeleciam a
'taxa' em referência (publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Março de 2000), afastou desse tributo a sua qualificação jurídica como taxa porque esta 'não pode ser perspectivada como uma imposição pecuniária não unilateral visando tão só um encargo marcadamente de índole sinalagmática'.
E não se representa aplicação analógica uma vez que, in casu, a lógica da fixação da taxa – correspondendo à contraprestação de um serviço, moldada como preço monopolisticamente fixado em função de uma utilização obrigatória desse serviço – é ditada através da utilidade que do mesmo se retira, para além de, na cobertura dos custos serem incluídas ainda as despesas atinentes à manutenção e gestão da estrutura que presta o serviço, como caracteristicamente ocorre no direito registral, particularmente no domínio dos actos obrigatórios. Ou seja, não se está perante uma concepção parametrizada apenas pela equivalência ao valor de custo do serviço prestado, mesmo que flexivelmente entendida.
3.2. - Por outro lado, já no tocante aos tributos incidentes sobre a recolha e tratamento de lixos municipais, a jurisprudência constitucional vem considerando os mesmos como taxas, visto lhes assistir, na origem, um fundamento sinalagmático, mesmo que, na realidade, nem todos os munícipes aproveitem do serviço camarário de recolha, depósito, remoção e tratamento dos resíduos sólidos (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 76/88, já referenciado, 1139/96 e 1223/96, publicados no Diário citado, II Série, de 10 e
14 de Fevereiro de 1997, respectivamente).
O mesmo se diga quanto à taxa de justiça, ao reconhecer-se-lhe a natureza de taxa, por não estar em causa a arrecadação de receitas para o Estado como modo de lhe proporcionar os meios necessários para a prossecução dos seus encargos gerais, mas sim a prestação, em parte que seja, de contrapartida para utilização do serviço de justiça – no pressuposto adquirido que, para o conceito de taxa, não há que 'partir da equivalência económica entre o seu montante e o valor do serviço prestado' (cfr., por todos, o acórdão nº
49/92, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1992).
Ora, não há quebra do nexo sinalagmático, nesta perspectiva, quando – como é o caso – não se mostra excessiva ou manifestamente desproporcionado o preço devido ao Estado para pagamento da prestação por banda deste de actos a que se confere fé pública, praticados por serviços públicos para o efeito constituídos cuja utilização não compete dissuadir (como poderá suceder com os serviços judiciais) e que representa um encargo para quem deles retira vantagens.
E se é verdade que um limite máximo de emolumentos a cobrar por cada acto só foi posteriormente introduzido – como se deixou consignado – também é certo que a norma sindicanda proporciona o gradual desagravamento da taxa aplicável, na justa medida do aumento do valor total do acto solenizado.
4. - Em face do exposto, conclui-se pela caracterização do emolumento previsto no artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, segundo a redacção do Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Novembro, como taxa, não exigindo, por conseguinte, prévia credencial parlamentar, por não se tratar de matéria abrangida pela reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República, na versão então vigente.
IV
Consequentemente, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação em consonância da decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 12 de Março de 2002- Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Artur Maurício Guilherme da Fonseca Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma (votei a decisão com uma declaração de voto que junto, justificada pelas minhas dúvidas quanto a uma eventual existência de inconstitucionalidade material por violação do princípio de proporcionalidade
–justiça em matéria de taxas). Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) Paulo Mota Pinto (vencido nos termos da declaração de voto que junto) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto
Votei o Acórdão por concordar, essencialmente, com a aplicação e desenvolvimento que faz da jurisprudência do Tribunal. No entanto, tenho dúvidas de que, apesar de estarmos perante uma taxa, devido à sua causa e à sua essencial sinalagmaticidade, esta não seja uma taxa desproporcionada daí decorrendo a inconstitucionalidade material, por violação do artigo 18º, nº 2, da Constituição. Isto é indiciado pela afectação económica excessiva dos que recorrem aos actos notariais, através do quadro legal em questão. Desse quadro legal resulta uma afectação intensa dos dados económicos subjacentes, na perspectiva do mercado, aos negócios jurídicos. A utilidade auferida por quem procura os serviços notariais torna-se, nesta dimensão, uma utilidade desfasada dos custos económicos repercutidos no património das pessoas que se sujeitam aos actos notariais. O sistema, embora sinalagmaticamente caracterizável e, ainda assim, caracterizável no plano de uma utilidade do serviço, afectava, excessivamente, o património dos utentes do serviço e, nomeadamente por não estar sujeito às leis do mercado, permitia uma inflação dos custos ou pelo menos uma valorização excessiva dos mesmos.
A inadequação consistente numa excessiva afectação de direitos patrimoniais está, aliás, patente, na alteração legislativa tornada justificável, entre outras razões, por imperativos de justiça.
Todavia, não cheguei a votar vencida por necessitar de reflectir, mais detalhadamente, sobre esta ideia de proporcionalidade, não suficiente para indiciar uma simulação de sinalagmaticidade, mas relacionada com a análise económica do direito e com critérios de justiça na área económica.
Assim, não me coloco, essencialmente, no plano dos vencidos, que divergem efectivamente da jurisprudência do Tribunal sobre a distinção estrutural entre taxa e imposto, nem entendo que esta taxa seja um imposto de facto devido a critérios de fixação do valor que utilizo. Mas, por outro lado, entendo que o Tribunal Constitucional poderia ter-se confrontado com um plano específico de proporcionalidade-justiça, na perspectiva apontada.
Acentuo, assim, a viabilidade, no plano da fiscalização da constitucionalidade, de uma inconstitucionalidade material das taxas, por uma eventual violação da proporcionalidade e adequação dos valores que possam atingir (artigo 18º, nº 2, da Constituição), tendo em conta as consequências e repercussões em certas áreas da actividade social. Maria Fernanda Palma Declaração de voto I – No projecto que apresentei como relatora inicial, pronunciei-me no sentido de que, no contexto da distinção constitucional entre taxa e imposto, o tributo em causa deve ser tratado como imposto; concluí, portanto, pela inconstitucionalidade da norma em apreciação. Nesse projecto, após a análise conjunta da doutrina portuguesa sobre o assunto e da jurisprudência constitucional, comecei por observar que esta jurisprudência tem utilizado como critério essencial de distinção entre taxa e imposto a unilateralidade do imposto e a bilateralidade da taxa; de seguida, chamei a atenção para o significado material da exigência de uma relação sinalagmática entre a prestação pecuniária a pagar pelo utente e o serviço pretendido, que não
é quebrada pela não equivalência rigorosa de valor entre ambos, mas que exige que, juridicamente, a causa e justificação do tributo se encontrem, materialmente, no serviço recebido; continuei afirmando que, embora não seja suficiente a existência de uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, a verdade é que uma desproporção manifesta ou flagrante afecta claramente a correspectividade que a relação sinalagmática pressupõe; e prossegui da seguinte forma:
1. Tal desproporção pode resultar do carácter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço, ou da circunstância de os critérios de determinação dessa quantia serem fundamentalmente alheios ao montante desse custo, no sentido de que se pautam por factores desligados do custo real do serviço prestado (cf. o acórdão nº 640/95, Diário da República, II Série, de 20 de Janeiro de 1996, que se refere a tributos de 'valor manifestamente desproporcionado, completamente alheio ao custo do serviço prestado' e também os acórdãos nºs 1140/96, 354/98, Diário da República, II Série, de 15 de Julho de
1998 e 357/99). Para afastar a qualificação de taxa a um dado tributo com fundamento na falta do seu carácter sinalagmático não se exige que o critério de determinação do seu montante seja em si mesmo desrazoável. Pode tal critério ser justificável, tendo em vista um objectivo de obtenção de receitas públicas, desde que não haja violação do princípio da legalidade fiscal, a que esse tributo se encontrará necessariamente submetido (ou de outros princípios constitucionais aplicáveis). Ao invés, se não é posta em causa a correspectividade, e com ela, o carácter sinalagmático do tributo, este deve continuar a ser tratado constitucionalmente como taxa. Circunstância que, se afasta a aplicação da acepção mais exigente do princípio da legalidade e a verificação de uma eventual inconstitucionalidade orgânica, nem por isso permite postergar a intervenção do princípio da proporcionalidade, cuja hipotética violação determinaria já uma inconstitucionalidade material.
2. De acordo com o que fica dito, importa analisar o regime do adicional emolumentar em questão, com a finalidade de apurar se deve ser tratado constitucionalmente como uma taxa ou como um imposto. Antes de mais, cabe referir que a quantia pecuniária indicada se apresenta como uma parcela (pois que se trata de uma quantia a adicionar ao montante emolumentar fixo estabelecido no artigo 4º da Tabela) da contrapartida global devida pela realização de um acto notarial: a escritura pública. Não se diga que, sendo necessária (por expressa determinação da lei - artigo
875º do Código Civil) a realização de escritura pública para a válida celebração de um negócio de compra e venda de bens imóveis (salvo casos especiais de que aqui não há que tratar), a obrigatoriedade de tal acto notarial se configura unicamente como um obstáculo artificialmente criado à actividade do particular, de modo a permitir a obtenção de receitas públicas por ocasião da remoção desse obstáculo. Com efeito, a imposição legal da obrigatoriedade de realização da escritura pública não permite esquecer que a actividade do notário transcende significativamente a mera remoção de uma barreira imposta à actividade negocial, e que do acto notarial em questão resultam vantagens reais e individualizadas para o particular. Com efeito, e como todos sabem, por um lado, a intervenção do notário traduz-se num serviço prestado aos particulares, na medida em que confere fé pública a actos por eles praticados, garantindo-lhes por esta via segurança e publicidade que, de outra forma, não teriam. Não podemos esquecer, aliás, o relevo tradicionalmente reconhecido a tais valores quando estão em causa, como sucede no caso, actos de alienação de bens imóveis, nem que é essa fé pública, por exemplo, que explica a especial força probatória de que gozam os actos notariais, à qual se associa a força de título executivo. Por outro lado, a prática de um acto notarial contém, nos termos da lei, um controlo da legalidade do acto documentado (cf. os artigos 173º e 174º do Código do Notariado), podendo o notário 'prestar assessoria às partes na expressão da sua vontade negocial' (nº 2 do artigo 1º do mesmo Código), e cabendo-lhe, em qualquer caso, 'redigir o instrumento público conforme a vontade das partes, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-as do seu valor e alcance' (nº 1 do artigo 4º do referido Código). Assim, a escritura pública (restringindo-nos agora a este acto em particular, que é o que releva) não se reduz a uma operação material, pois implica o exercício de funções próprias do notário, como sejam o controlo da legalidade dos actos das partes e a sua assessoraria e aconselhamento. Note-se que estas funções assumem especial relevo nos sistemas de notariado de tipo latino predominantes na União Europeia, assentes num modelo que combina de forma incindível o exercício de uma profissão liberal com o exercício de poderes públicos ( ver AUGUSTO GÓMEZ-MARTINHO FAERNA, 'La función del notario en la Unión Europea (Un estudio comparativo)', Madrid, 1997, em particular, pág. 28 e segs. e, ainda, a Resolução do Parlamento Europeu de 18 de Janeiro de 1994 sobre a 'Situação e organização do notariado nos doze estados membros da Comunidade Europeia' e respectiva exposição de motivos, ali publicada a págs. 215; cf. ainda NATALINO IRTI, Ministerio Notarile e rischio giuridico dell'atto, in
'Notariato tra instituzioni e società civile', Milão, 1996, págs. 47-55 e ROBERTO TRIOLA, 'La responsabilità del notaio', Milão, 1999, págs. 31-32). Não deixam, todavia, de ser cometidas ao notário em Portugal, como se viu, não obstante ser considerado um funcionário público e ter a sua actividade disciplinada nesse pressuposto, integrando o que habitualmente se designa como umas das formas de administração pública do direito privado (cfr. a Lei Orgânica da Direcção-Geral do Registos e do Notariado, constante hoje do Decreto-Lei nº
86/2001, de 17 de Março).
3. Importa de seguida tomar em consideração o critério de determinação da quantia emolumentar em apreciação. A determinação de tal montante – cujo critério é mantido pela Tabela de emolumentos do notariado de 1998, já citada – obtém-se a partir do valor atribuído ao acto que constitui objecto da escritura, valor esse que corresponde, por seu turno, ao valor dos bens sobre que incide aquele acto (nº 1 do artigo 1º e artigo 5º da Tabela). O particular deve assim pagar uma quantia proporcional ao valor do bem a que se refere o acto constante da escritura pública, sem prejuízo de a percentagem em função da qual é calculada tal quantia ter carácter regressivo, na medida em que o valor a pagar por cada 100$ vai decrescendo dos 10$ (para escrituras de valor igual ou inferior a 200 000$) até aos 3$ (correspondente às escrituras de valor superior a 10 000 000$). Daqui resulta, portanto, que a quantia a pagar depende exclusivamente do valor do bem transaccionado, e não do custo do serviço prestado pelo notário, ou da complexidade da sua actividade. Assim, o montante devido por actos notariais semelhantes – e de idêntico custo – pode ser radicalmente diverso, em razão exclusiva do valor do objecto sobre que incidem. E, dado o modo de cálculo desse montante, o valor a pagar será, no caso concreto, 'completamente alheio ao custo do serviço prestado'. Acresce que, não havendo qualquer 'tecto' ou limite máximo aposto à quantia a pagar – limite que, tendo em conta o respectivo montante, poderia obrigar a manter alguma conexão razoável entre tal quantia e o custo do serviço –, o emolumento pode atingir valores completamente desproporcionados àquele custo.
4. Deve reconhecer-se que é aceitável, como afirma o Ministério Público nas alegações apresentadas neste Tribunal, sem que com isso se afecte a natureza de taxa de um determinado tributo, fazer repercutir no montante a pagar, não apenas o custo atomizado do serviço prestado, mas também o conjunto das despesas inerentes ao funcionamento das entidades que prestam o referido serviço. Simplesmente, o que aqui está em causa não é a possibilidade de repercutir no montante da quantia emolumentar os custos gerais de funcionamento dos serviços de notariado, mas a possibilidade de qualificar como taxa um tributo em que os custos do serviço prestado não constituem critério para a determinação da quantia emolumentar a pagar. O mesmo se diga relativamente à possibilidade de repercutir na determinação do montante emolumentar a presumível utilidade económica retirada pelo beneficiário do serviço. Não se exclui que na fixação do quantum de uma taxa possa ser tida em conta a utilidade que a pessoa obrigada ao seu pagamento retira. Já não parece de aceitar, porém, que se submeta ao regime constitucional da taxa uma figura em que a utilidade presumível – admitindo que é possível presumir a utilidade retirada a partir do valor do bem sobre que incide o acto notarial – é o único critério utilizado para a sua determinação. Lembre-se, a este propósito, que o já citado acórdão 357/99, ao pronunciar-se sobre a taxa municipal de urbanização da Câmara Municipal de Amarante, teve designadamente em conta a circunstância de o critério adoptado para o seu cálculo ser 'ditado por uma preocupação de proximidade entre o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa' para não lhe negar a natureza de taxa. Por seu turno, este Tribunal, no também já referido acórdão nº 200/2001, pronunciou-se no sentido da qualificação como taxas dos 'emolumentos devidos pela verificação de contas pelo Tribunal de Contas', considerando que o critério de fixação do montante desses emolumentos reflecte 'a intensidade da utilização do serviço de verificação das contas' sendo certo que em princípio tal verificação 'tenderá a ser tanto mais complexa, e a implicar tanto mais custos, quanto maior for aquele valor'. E acrescentou, em termos que se afiguram especialmente significativos: 'Justamente porque a aplicação, acima de determinado valor, da percentagem da receita como critério de fixação dos emolumentos – da qual, repete-se, pode resultar, num caso concreto, um montante superior ao custo do serviço – poderia já não ser justificada pela (tornar-se
'completamente alheia' à) finalidade de custeio do serviço e concomitante financiamento do Tribunal de Contas, o legislador estabeleceu um valor máximo no artigo 9º, n.º 3, que foi o aplicado no caso em apreço'. Poderia argumentar-se em sentido contrário, invocando o disposto no artigo 4º da Tabela de Emolumentos do Notariado, que prescreve o pagamento de um montante emolumentar fixo (de 600$00), para além do montante da 'rasa' relativa a cada lauda ou fracção (de 100$00). Ora – dir-se-ia – esta parcela do montante emolumentar global a pagar revelaria justamente a existência de uma relação entre o custo do serviço e a quantia a pagar. Bem vistas as coisas, porém, este modo de raciocinar não pode ser aceite. E isto, porque desta forma se permitiria com a maior facilidade defraudar o princípio constitucional da legalidade tributária: bastaria que, por ocasião da prestação de um serviço ao particular, se instituísse um tributo com duas componentes: uma fixa, ou variável em função do custo do serviço, e de montante pouco significativo; e outra, variando em função da capacidade contributiva revelada pelo particular, e de valores potencialmente muito elevados. Se esta
última componente for mais significativa do que a primeira, estará aí um indício de que se encontra afastado o carácter sinalagmático do tributo, por falta de um mínimo de proporcionalidade entre o montante do tributo e o custo do serviço prestado. Sobre esta questão pronunciaram-se XAVIER DE BASTO e LOBO XAVIER, em Parecer junto aos autos pela recorrida, afirmando que '[o] 'acréscimo de emolumentos sobre actos de valor determinado' previsto no artigo 5º do D.L. nº 397/83, de 2 de Novembro, não constitui a contraprestação de qualquer serviço público, uma vez que o custo ou valor do serviço que se encontra em causa tem já como contrapartida plena o emolumento previsto no artigo 4º do diploma citado'. Contudo, a argumentação usada só seria cabalmente procedente se fosse acompanhada da demonstração de que a quantia fixada no artigo 4º da Tabela se apresenta efectivamente como a 'contrapartida plena' (ou seja, contrapartida que inclua a comparticipação nas despesas resultantes do funcionamento global dos serviços de notariado) do serviço prestado, demonstração que não se encontra feita. Como quer que seja, a partir dos critérios de fixação dos montantes das quantias emolumentares dos artigos 4º e 5º da citada Tabela é possível concluir, tendo em conta os valores decorrentes desta última disposição, que o montante global a pagar pode ser extremamente elevado, ultrapassando de modo flagrante não apenas o custo do serviço prestado (atomisticamente considerado), mas ainda uma justa imputação dos custos globais de manutenção do serviço público do notariado.
É exemplar o caso dos autos: pela celebração de um acto notarial (uma escritura pública de constituição de propriedade horizontal e de compra e venda de imóveis) deveria a recorrida pagar, para além do montante devido nos termos do artigo 4º da Tabela, a quantia de 9.492.000$00. Este valor não revela, manifestamente, qualquer ligação razoável com o custo previsível do serviço, ou com o montante de uma justa comparticipação nos custos da estrutura pública do notariado, só podendo aceitar-se dentro de uma lógica estritamente fiscal de obtenção de receitas públicas.
5. Não procede, por outro lado, a argumentação aduzida pelo Ministério Público, no sentido de que se trata de 'fenómeno perfeitamente idêntico ao que se verifica, na área judiciária, com a parte que se vê tributada em função do valor da causa – de modo a que a taxa de justiça arrecadada sirva para suportar, não apenas o concreto serviço prestado pelo juiz e funcionários judiciais naquele concreto acto ou processo, mas uma fracção dos custos globais de instalação e funcionamento da máquina judiciária'. Na verdade – e cingindo as observações aos casos em que a responsabilidade pela taxa de justiça varia em função do valor da causa, porque só nessa zona poderia proceder a alegada identidade – apenas se pode apontar algumas semelhanças entre as duas áreas. Desde logo, há inúmeros casos em que a lei, não obstante utilizar o critério do valor da causa como elemento fundamental para o cálculo da taxa de justiça, utiliza outros critérios, fazendo desaparecer o seu carácter exclusivo. Assim, por exemplo, encontramos casos em que existe uma redução a metade ou a um quarto da taxa de justiça, designadamente por razões ligadas a uma menor complexidade ou duração do processo. É o que acontece, nas custas cíveis (cf. a regra geral sobre a responsabilidade no artigo 446º do Código de Processo Civil), respectivamente por força dos artigos 14º e 15º do Código das Custas Judiciais. Semelhante redução do montante da taxa de justiça é também estabelecida em diversas hipóteses de acções em que terminam antecipadamente (artigo 17º do mesmo Código, cuja epígrafe é 'redução da taxa de justiça segundo a fase do termo do processo'; cf. ainda o artigo 19º). Acresce que nas causas de valor superior a determinado montante 'não é considerado o excesso para efeito do cálculo da taxa de justiça inicial e subsequente' (nº 3 do artigo 27º). Para além disso, há casos em que o maior valor da causa tem efectiva repercussão na tramitação processual, cuja solenidade aumenta em função do aumento daquele valor. Finalmente, não pode esquecer-se, nem a finalidade de disciplinar a procura no recurso aos tribunais também desempenhada pela taxa de justiça, nem a existência do instituto do apoio judiciário, sem paralelo no domínio dos emolumentos notariais.
6. Resulta do exposto que a quantia emolumentar em análise deve ser tratada constitucionalmente como um imposto. A conclusão alcançada é assim independente da questão de saber se, tal como entende a recorrida, o critério do valor dos imóveis que constituem objecto dos actos notariais constitui um índice da capacidade contributiva dos interessados, revelando por essa via a utilização de uma técnica característica dos impostos. Em todo o caso, o Tribunal Constitucional tem entendido que enquanto a falta de proporcionalidade, quando desvirtua a correspectividade, 'lesaria o critério legitimante da taxa, (...) a capacidade contributiva é característica do imposto' (acórdão nº 410/00, remetendo para o acórdão nº 1108/96, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Dezembro de 1996). No sentido de que os emolumentos devidos por actos notariais relativos a instrumentos notariais de valor determinado, nos termos do nº 1 do artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, aprovada pela Portaria nº 966/98, já citada, têm natureza de impostos, porque 'são função, não dos custos do (...) serviço notarial prestado, mas sim função da capacidade contributiva revelada na solicitação desses serviços pelos respectivos requerentes', se pronunciou recentemente por forma expressa CASALTA NABAIS ('Direito Fiscal', Coimbra, 2000, pág. 39; cf. ainda MARGARIDA MESQUITA PALHA ['Sobre o conceito jurídico de taxa', in Estudos, vol. II, Centro de Estudos Fiscais - Comemoração do XX Aniversário, Lisboa, 1983, pág. 587], para quem se o montante a pagar pelo particular excede marcadamente o valor do serviço realizado, se estaria perante um verdadeiro imposto, 'pois verifica-se o seu pressuposto característico, que é o simples reconhecimento de uma determinada capacidade contributiva. Determinante não é já então a ligação ao serviço dispensado, mas a mera existência daquela capacidade. A função da capacidade contributiva em matéria de taxas parece ser só uma: a isenção ou redução da obrigação tributária relativamente às pessoas que, em princípio, estariam afastadas do acesso a serviços públicos essenciais'). Para J. XAVIER DE BASTO e A. LOBO XAVIER ('Ainda a distinção entre taxa e imposto: a inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela constituição de sociedades e pelas modificações dos respectivos contratos', Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVI, Janeiro-Setembro de 1994, pág. 26), hão-de ter-se por impostos, para o efeito da aplicação do princípio da legalidade tributária, 'as receitas coactivas que, cobradas aquando da prestação de serviços públicos individualizados, não se relacionam, na determinação do seu montante, nem com o custo nem com o valor desse serviço, antes com elementos relativos à capacidade contributiva dos utentes'. Como quer que se conclua quanto a este ponto, o critério fixado no artigo 5º da referida Tabela de Emolumentos é, ao menos, perfeitamente coerente com a lógica da determinação do montante do tributo em função da capacidade contributiva, própria do domínio fiscal. Neste sentido aponta, por exemplo, a nítida semelhança com o critério de determinação do montante do imposto de sisa.
7. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem acolhido como factor adicional de ponderação na delimitação do conceito de imposto a tomada em consideração da 'razão de ser ou objectivo das receitas em causa' (cf. CARDOSO DA COSTA, 'O enquadramento constitucional do Direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Perspectivas Constitucionais - Nos 20 anos da Constituição de 1976, II, cit., pág. 403), quer para recusar a certas receitas o carácter de imposto (idem, ibidem), quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa a uma dada prestação pecuniária coactiva. Pode ilustrar-se este último ponto a partir das decisões relativas à denominada
'taxa da peste suína'. Afirmou-se nos acórdãos nº 369/99 (Diário da República, II Série, de 9 de Março de 2000) e 370/99 (não publicado): '(...) no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa categoria abstracta de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos definidores de uma taxa, pelo que o 'tributo' em questão é um imposto ou, pelo menos, tem de ser considerado como se de um imposto se tratasse. O que vale por dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva da lei fiscal'. Por seu turno, o acórdão nº 473/99 (Diário da República, II Série, de
10 de Novembro de 1999) afirmou que constituía 'objecção de peso' à perspectivação desse tributo como uma verdadeira taxa o facto de 'uma das finalidades dessa imposição ser a de custear despesas do Estado que, directamente, não têm uma relação com vantagens imediatas dos a ela sujeitos, ou seja, as actividades ligadas à polícia sanitária, algumas despesas com o pessoal e material e investigação e produção dos meios de luta'. Na esteira das decisões anteriores, o acórdão nº 96/00 (Diário da República, I-A, de 17 de Março de
2000), que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das
'normas constantes do artº 1º do Decreto-Lei nº 547/77, de 31 de Dezembro, e do artº 1º do Decreto-Lei nº 19/79, de 10 de Fevereiro' (sobre a 'taxa' da peste suína), afastou a natureza de taxa ao referido tributo, porque este 'não pode ser perspectivado como uma imposição pecuniária não unilateral visando tão só um encargo marcadamente de índole sinalagmática, pois que destinado a pagar uma contraprestação de serviço ou uma prestação de um serviço ou de uma actividade pública ou, ainda, de uma utilidade por banda do tributado'. Acolhem a mesma perspectiva as decisões relativas à Postura sobre Sistema de Lixos e Higiene Pública de Paredes, mas recusando afastar a natureza de taxa à figura impugnada nos correspondentes processos, com a seguinte argumentação: 'Não se divisa aqui, em consequência, qualquer imposição contributiva sem fundamento sinalagmático, não se divisando igualmente qualquer imposição que vise uma destinação de receitas consignadas em princípio a qualquer outro fim que não a suportar (e, neste ponto, como já se assinalou, não se torna necessário que as taxas constituam o pagamento integral do serviço realmente proporcionado) os – ou parte dos – custos advindos da actividade de depósito, remoção e tratamento de lixos' (acórdão nº 1139/96 - Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997; v. no mesmo sentido, os acórdãos nº 1140/96 - Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997-, 1141/96 (não publicado), 1181/96 (não publicado), 1223/96 (Diário da República, II Série, de 14 de Fevereiro de 1997),
1227/96, 1228/96, 1234/96, 1235/96, 1236/96, 1255/96, 1256/96 e 1257/96, não publicados). Ora a ponderação deste aspecto – o destino a dar às receitas cobradas – parece também apontar no sentido de que o tributo aqui em análise não deve tratar-se como uma taxa, e sim como imposto. Na verdade, como refere a recorrida nas suas contra-alegações, parte das receitas do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, a favor do qual revertem os emolumentos notariais, são legalmente afectadas a diversos fins, que não se relacionam directamente com a manutenção do serviço de notariado, mas respeitam à satisfação de outras despesas públicas. É o caso de 'despesas de investimento a realizar no âmbito do Ministério da Justiça' (al. a) do artigo 148º do Código das Custas Judiciais), de 'transferências para o Cofre Geral dos Tribunais' (al. b do mesmo artigo) e de 'outras despesas autorizadas por despacho do Ministro da Justiça' (al. c) do mesmo artigo), bem como de despesas relativas ao direito à utilização, em todo o território nacional, dos transportes colectivos, terrestres, fluviais e marítimos pelas autoridades de polícia criminal, restante pessoal de investigação criminal, membros do Conselho Superior da Polícia Judiciária e restantes funcionários da Polícia Judiciária (cf. o artigo 84º do Decreto-Lei nº
275-A/2000, de 9 de Novembro).
8. Uma última palavra para referir a recente jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), através do acórdãos proferidos nos casos C-56/98 (Modelo SGPS), de 29 de Setembro de 1999, C-19/99 (Modelo Continente SGPS), de 21 de Setembro de 2000, C-134/99 (IGI), de 26 de Setembro de 2000, e C-209/99 (SONAE – Tecnologias de Informação), de 21 de Junho de 2001.
Nestes processos, foram submetidas por Tribunais portugueses determinadas questões relativas à interpretação da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de
10 de Junho de 1985). Embora tais arestos não incidam sobre os emolumentos notariais devidos pela realização de escritura de compra e venda de imóveis
(como refere o Ministério Público, relativamente ao acórdão proferido no caso C-56/98 - Modelo SGPS), e sim, respectivamente, sobre 'emolumentos notariais exigidos pela celebração de escrituras públicas de aumento do capital social e de modificação da denominação social e da sede' (caso C-56/98 – Modelo SGPS),
'emolumentos notariais exigidos pela celebração de escrituras públicas de aumento do capital social e de modificação de determinadas disposições do pacto social' (caso C-19/99 - Modelo Continente SGPS), 'emolumentos exigidos pela inscrição de um aumento do capital social' de uma sociedade no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (caso C-134/99 - IGI) e emolumentos 'cobrados pela inscrição de um aumento do capital social de uma sociedade no Registo Comercial'
(caso C-209/99 – SONAE – Tecnologias de Informação), tem interesse para o presente recurso o que neles se afirmou. E isto, mesmo que não seja aplicável ao caso dos autos a doutrina da referida directiva, que, visando 'promover a livre circulação de capitais, considerada essencial à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno' determina a supressão dos impostos indirectos que vigoravam nos Estados-Membros até à entrada em vigor da Directiva e a 'aplicação, em seu lugar, de um imposto cobrado uma só vez no mercado comum e de nível igual em todos os Estados-Membros'. Na verdade, quanto aos dois primeiros acórdãos, a regulamentação dos emolumentos notariais aí tida em conta respeita precisamente à Tabela dos Emolumentos Notariais aprovada pelo Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Novembro de 1983. Estava em causa a qualificação dos emolumentos cobrados, para o efeito da Directiva
69/335/CEE, com o fim de apurar se deveriam ser tratados como impostos indirectos (proibidos em princípio pela Directiva) e se seriam 'direitos com carácter remuneratório' (por esta permitidos). Entendendo que 'uma parte dos emolumentos em causa no processo principal, devidos por aplicação de uma regra de direito ditada pelo Estado, é paga por uma pessoa privada ao Estado para financiamento das missões desse Estado' (através do Cofre dos Conservadores, Notários e Oficiais de Justiça), o Tribunal, no caso C-56/98 – Modelo SGPS, julgou que tais emolumentos 'constituem uma imposição na acepção da directiva, em princípio, proibidos por força do artigo 10.°, alínea c), da directiva'. E acrescentou que 'não reveste carácter remuneratório, para efeitos do disposto no artigo 12.°, n.° 1, alínea e), da directiva, uma imposição cobrada pela celebração de uma escritura pública de aumento do capital social e de alteração da denominação social e da sede de uma sociedade de capitais, como é o caso dos emolumentos em causa no processo principal, cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital social subscrito'. Entre outros aspectos da fundamentação invocada, destaca-se o seguinte: 'um direito, cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital nominal subscrito, não pode, pela sua própria natureza, constituir um direito com carácter remuneratório na acepção da directiva. Efectivamente, mesmo podendo existir, em certos casos, um nexo entre a complexidade de um serviço prestado e a importância dos capitais subscritos, o montante de tal direito não tem, regra geral, qualquer relação com as despesas efectivamente feitas pela administração que prestou o serviço'. Esta orientação foi reiterada no caso C-19/99 (Modelo Continente SGPS), relativamente aos 'emolumentos notariais exigidos pela celebração de escrituras públicas de aumento do capital social e de modificação de determinadas disposições do pacto social', bem como no caso C-134/99 (IGI), sobre a Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, aprovada pela Portaria n.° 883/89, de 13 de Outubro. Neste último acórdão, embora entendendo que os Estados-Membros podem tomar em consideração, no cálculo dos direitos com carácter remuneratório, 'não apenas os custos, materiais e salariais, directamente relacionados com a execução das operações de registo de que constituem a contrapartida' mas também, em certas condições, 'a parcela dos encargos gerais da administração competente imputável a essas operações', o Tribunal de Justiça sublinhou que 'um direito, cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital nominal subscrito, não pode, pela sua própria natureza, constituir um direito com carácter remuneratório na acepção da directiva. Efectivamente, mesmo podendo existir, em certos casos, um nexo entre a complexidade de uma operação de registo e a importância dos capitais subscritos, o montante de tal direito não terá, em geral, qualquer relação com as despesas efectivamente feitas pela administração com as formalidades de registo'. Por seu turno, no recente acórdão proferido no caso C-206/99 (SONAE – Tecnologias de Informação), o referido Tribunal veio afirmar que '(...) direitos cobrados pela inscrição de um aumento do capital social de uma sociedade no Registo Comercial e cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital nominal subscrito e não é calculado com base no custo do serviço prestado, como os que estão em causa no processo principal, não têm carácter remuneratório', acrescentando que 'a existência de um limite máximo que não pode ser ultrapassado por estes direitos não é, por si só, susceptível de atribuir esse carácter remuneratório se o referido limite não for fixado de forma razoável em função do custo do serviço cujos direitos constituem a contrapartida'. Apesar de ser diferente o objecto dos referidos processos, e diverso o padrão normativo de controlo – o que leva a que as conclusões a que chegou o Tribunal de Justiça não tenham de se aceitar no plano do recurso de constitucionalidade – não deixa a jurisprudência citada de conter elementos que depõem no sentido de coonestar o juízo formulado nesta sede.
9. Conclui-se, assim, que a consideração exclusiva do valor do valor do acto para o efeito de determinação do emolumento previsto no artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, aprovada pelo Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Novembro, tem como consequência que tal emolumento deva ser considerado, para efeitos de repartição constitucional de competência legislativa entre a Assembleia da República e o Governo, como um imposto. Não tendo sido precedido da necessária autorização legislativa, o referido artigo 5º sofre de inconstitucionalidade orgânica, por versar sobre matéria que, nos termos de disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, na versão então vigente, estava abrangida pela reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República'. II – Ao que ficou dito no projecto de acórdão inicialmente apresentado, importa agora acrescentar sinteticamente o seguinte. A orientação que fez vencimento representa, se bem vejo as coisas, uma inflexão no sentido da jurisprudência que até aqui vinha sendo seguida pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, o Tribunal vinha entendendo, por forma mais ou menos clara, que não poderia ser qualificado como taxa – não podendo, por isso, beneficiar da desnecessidade de intervenção parlamentar – o tributo cujo montante fosse, no seu critério de determinação, totalmente alheio ao custo do serviço prestado. Como se referiu no projecto inicial, deve ter-se em vista 'não apenas o custo atomizado do serviço prestado, mas também o conjunto das despesas inerentes ao funcionamento das entidades que prestam o referido serviço'. Na relação entre custo do serviço (no sentido indicado) e montante da taxa assenta o necessário sinalagma, entendido em termos substanciais, e não meramente formais. A inflexão jurisprudencial traduz-se em admitir que, mesmo não existindo essa relação entre o custo do serviço e montante do tributo, este possa ainda ser qualificado como taxa partindo exclusivamente (e digo exclusivamente porque o critério de cálculo nada tem a ver com o custo do serviço) da utilidade retirada pelo obrigado ao tributo. Inflexão tanto menos razoável quanto é por demais duvidoso que se possa presumir que a utilidade retirada pela realização de uma escritura pública seja directamente proporcional ao valor do bem que constitui objecto desse acto notarial. Por outras palavras, a jurisprudência deste Tribunal permitia qualificar como taxas tributos nos quais se verificasse alguma relação (não uma rigorosa identidade) com o custo do serviço, embora a ideia de utilidade retirada pudesse ter ainda algum relevo na determinação do seu montante. Diferentemente, o presente acórdão permite, no fundo, que a relação com a utilidade do serviço prestado funcione como critério alternativo – relativamente à relação com o custo do serviço – de qualificação do tributo como taxa. Por outro lado, a argumentação utilizada no acórdão deixa um tanto na sombra a distinção entre a qualificação de um tributo, para efeitos constitucionais, e a constitucionalidade do seu montante, em função dos princípios aplicáveis aos tributos da mesma natureza. Como quer que seja, o conceito de taxa relevante para o efeito da delimitação da reserva de lei da Assembleia da República deve estar em consonância com a razão de ser da exigência da intervenção deste órgão de soberania na matéria em causa. Ora, a orientação que fez vencimento permite – a coberto da figura e do regime da taxa –, a obtenção de receitas públicas por ocasião da prestação de um serviço, partindo apenas da utilidade presumível do serviço prestado. A concluir, não posso deixar de referir a significativa alteração que o recente Decreto-Lei nº 322-A/2001, de 14 de Dezembro, que revogou a Portaria nº 996/98, de 25 de Novembro (que, por sua vez, como consta do acórdão, substituiu a tabela que continha a norma objecto do presente recurso), e aprovou o novo Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, introduziu na forma de determinar o montante devido pelos diversos actos notariais. Com efeito, depois de afirmar, no preâmbulo, o princípio de que 'sendo a função notarial e registral assente numa base prestacional, constitui elemento essencial na construção de todo o edifício tributário o estabelecimento de uma regra de proporcionalidade. Nestes termos, a tributação emolumentar constituirá a retribuição dos actos praticados e será calculada com base no custo efectivo do serviço prestado, tendo em consideração a natureza dos actos , a sua complexidade e o valor da sua utilidade económico-social'. E acrescenta, adiante, que a base de construção da nova tabela, 'de acordo com o princípio da proporcionalidade', é o 'custo efectivo de cada acto notarial e registral'. Assim, o artigo 3º do Regulamento referido consagra a regra de que 'A tributação emolumentar constitui a retribuição dos actos praticados e é calculada com base no custo efectivo do serviço prestado, tendo em consideração a natureza dos actos e a sua complexidade'; e o seu artigo 20º, que fixa os emolumentos do notariado, logicamente, estabelece um montante a pagar por cada tipo de acto, independentemente do valor do acto em causa.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Declaração de voto Votei vencido pelo essencial das razões expostas na declaração de voto da Ex.mª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, para que remeto, e a que apenas acrescentarei o seguinte: A interpretação que faço da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a distinção entre taxas e impostos leva-me também a reconhecer na orientação que fez vencimento no presente aresto uma ampliação da noção de taxa constitucionalmente relevante: deixa de se referir como critério a relação entre o montante da taxa e o custo – mesmo que apenas em termos de aquele não ser
'totalmente alheio' a este –, para se passar a conceder relevo determinante à utilidade, para o particular, do bem ou serviço. Na verdade, as considerações efectuadas na decisão sobre a possibilidade de repercussão no montante de taxa a pagar, não apenas do custo atomizado do bem ou serviço, mas dos 'custos globais do funcionamento da respectiva actividade da Administração Pública', salvo desproporção manifesta, não constituíram, manifestamente, ratio decidendi bastante para a qualificação como taxa. É o que decorre, desde logo, do facto de se não chegar a referir, nem o montante de tal
'custo atomizado', nem em quanto orçavam os custos (ou despesas) globais da actividade notarial, por forma a poder apurar se os montantes pagos (as receitas recebidas), a título de emolumentos, de acordo com as normas em causa, eram, ou não, na verdade 'manifestamente desproporcionados' a esses custos. E é mesmo o que se afirma expressamente (no final do ponto 3.1. da decisão): a 'lógica da fixação da taxa (...) é ditada através da utilidade' que do serviço se retira, não se estando perante uma 'concepção parametrizada apenas pela equivalência ao valor de custo do serviço prestado, mesmo que flexivelmente entendida.' Salvo o reconhecimento de outras finalidades políticas para a fixação do montante da taxa (como, por exemplo, a limitação da procura), que não estavam em questão no presente caso (trata-se de formalidade que a própria lei erige em condição de validade do negócio), o fundamento para a delimitação da noção de taxa, entendida como preço de um bem ou serviço público, deixa, pois, de ser um
'princípio de cobertura de custos' ('Kostendeckungsprinzip'), para passar a ser um 'princípio de equivalência' ('Äquivalenzprinzip') com a utilidade do bem ou serviço. Ora, a meu ver, a adopção deste critério de equivalência não é, em tese geral, constitucionalmente censurável, não existindo qualquer vinculação constitucional
à observância de um estrito princípio de cobertura dos custos – e isto, mesmo independentemente da questão de saber se há que distinguir 'tipos fundamentais' de taxas, cuja fixação vise uma daquelas finalidades (cobertura de custos ou compensação da utilidade proporcionada ao particular), exclusiva ou predominantemente (e eventualmente em conjugação com outros objectivos), com o correspondente relevo para o controlo à luz do princípio da proporcionalidade (a distinção destes princípios na doutrina e na jurisprudência alemãs, a possibilidade da sua combinação e o seu significado para o controlo da relação meio-fim segundo o princípio da proporcionalidade, para cada um desses 'tipos fundamentais', são postos em evidência por Klaus Vogel/Christian Waldhoff, Grundzüge des Finanzverfassungsrechts, Bonner Kommentar zum Grundgesetz, Heidelberg, 1999, p. 270). Também não considero, por outro lado, que exista obstáculo constitucional a que sejam também tomados em consideração, no montante de taxas, elementos relativos
à capacidade contributiva do particular – pelo menos, quando tal montante se situe abaixo do custo do serviço.
À adopção desse critério da utilidade como fundamento determinante para a qualificação dos emolumentos como taxa, opõe-se, porém, a meu ver, a circunstância de se eles se referirem a serviços de utilização necessária – para quem pretenda, ou tenha de, praticar validamente uma série de actos legalmente sujeitos a escritura pública (como, por exemplo, adquirir e alienar imóveis) –, e que são prestados exclusivamente (em regime de monopólio) pela Administração Pública. Julgo, mesmo, que tais circunstâncias, conjugadas com o critério adoptado na presente decisão, conduzem a diluir as linhas de fronteira da reserva parlamentar de competência legislativa em matéria de impostos. Na verdade, para se poder considerar como taxa – isto é, como preço do serviço
–, segundo o critério perfilhado no presente aresto, uma contribuição emolumentar cujo montante é fixado em termos proporcionais ao valor do objecto
(mediato) do negócio formalizado, é necessário aceitar que a utilidade que se retira do serviço prestado pelo notário é, ela mesma, directamente proporcional
àquele valor. Ora, como se sabe, a utilidade de um determinado bem ou serviço é, na generalidade dos casos, determinada por factores irremediavelmente subjectivos, e não se encontrou ainda critério mais seguro para quantificar a utilidade que os bens podem proporcionar do que o seu valor de mercado. No presente caso, não pode, porém, recorrer-se a este critério para quantificar economicamente a utilidade dos serviços em causa, pois os serviços são prestados em regime de monopólio. E não pode, sequer, iludir-se tal inexistência – ou as diferenças entre a forma como são fixados os preços em regime de monopólio, por um lado, e num mercado em que se deparem várias possibilidades de escolha (quer este se aproxime mais ou menos do modelo da concorrência perfeita), por outro lado – com a consideração, meramente formal, de que a fixação monopolística de um preço lhe não retira essa qualidade (consideração, esta, que provaria demais, pois, conjugada com a utilização obrigatória dos serviços, permitiria também considerar como 'preço' montantes 'totalmente alheios', quer ao custo, quer à utilidade do serviço para o particular). Não podendo, por outro lado, uma utilidade determinada por factores subjectivos constituir o critério decisivo, só se poderia, pois, tomar em consideração a utilidade que, normalmente, o particular extrai – rectius, poderá extrair – do serviço. Ora, pode admitir-se que, quanto maior o valor da coisa, tanto maior tenderá a ser a utilidade que se extrai da sua aquisição ou alienação. Mas trata-se aqui, não da utilidade que o particular extrai dos serviços do notário, a que se referem os emolumentos, mas do próprio negócio que o particular pretende efectuar (mais rigorosamente, da realização da prestação pela contraparte nesse negócio). A confusão entre estes dois planos, que, a meu ver, inquinou decisivamente a perspectiva que fez vencimento no presente aresto – e, portanto, a consideração de que a utilidade do serviço é, tal como a da própria aquisição ou alienação, directamente proporcional ao valor da coisa –, apenas pode, porém, resultar do facto de a própria lei impor que se recorra a tais serviços para a válida realização do negócio – ou, por outras palavras, do facto de, sob pena de nulidade, a lei proibir a realização do negócio sem recurso aos serviços do notário, os quais são, neste sentido, de utilização imperativa (tal como a norma que impõe a escritura pública como forma do negócio é uma norma imperativa). A meu ver, tal utilização imperativa não pode ser considerada na determinação da utilidade dos serviços em causa, pois, por essa via, estar-se-ia a abrir a porta a uma total liberdade de fixação dos montantes da taxa pelo Governo: este poderia fixar o montante da taxa em correspondência com a utilidade do serviço para o particular, e poderia determinar livremente a utilidade deste, através de normas imperativas que estabelecem para que actos o particular teria de recorrer a tal serviço... Como se vê, os limites da reserva parlamentar de competência legislativa tornar-se-iam, desta forma, meramente ilusórios. A aplicação de um critério de equivalência (directa, ou, pelo menos, de existência de alguma relação, em termos de o montante não ser 'totalmente alheio') à utilidade para a qualificação dos emolumentos como taxas impõe, pois, a meu ver, não só que se distinga a utilidade dos serviços notariais (a que o aresto se refere) da que pode derivar do negócio, como que se abstraia da obrigatoriedade da utilização desses serviços para realizar validamente o negócio. Aceito que, no juízo do legislador, a utilização desses serviços especializados se revista de importância suficiente, à luz do interesse geral – pelos efeitos que terá, não só sobre a ponderação das partes, a prova do negócio e o rigor de formulação da vontade negocial, como, em geral, sobre a segurança jurídica
(designadamente, imobiliária) –, para dever ser imposta como condição de validade de determinados negócios. Mas já discordo de que a utilidade que tais serviços têm, para os particulares que estão obrigados a recorrer a eles (e a pagar), seja sempre – ou, sequer, em regra – directamente proporcional ao valor da coisa que é objecto do negócio que pretendem celebrar. Pelo contrário, não se afigura descabido o argumento de que, quanto maior o valor da coisa que constitui objecto do negócio, tanto mais cautela e ponderação já tenderiam as partes a ter, e tanto mais tenderiam também a recorrer a aconselhamento jurídico especializado, por advogados, para se certificarem da legalidade do acto que pretendem efectuar, e para acertarem, logo antes da ida ao notário, a forma de expressão rigorosa da sua vontade negocial. A meu ver, não pode, pois, dizer-se, para efeitos da sua qualificação como taxa, que, na parte em que são fixados de forma directamente proporcional ao valor da coisa objecto do negócio, o montante dos emolumentos notariais obedecesse, sequer, a uma lógica de 'equivalência' (ainda que entendida num sentido muito lato) à utilidade que o particular normalmente extrai, ou pode extrair, dos serviços do notário. Paulo Mota Pinto