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Proc.Nº 66/97
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1.- A. interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e de um despacho do seu Presidente, a primeira datada de 22 de Novembro de 1993 e o segundo de 29 do mesmo mês e ano, com fundamento em violação de lei e vício de forma.
O Tribunal Administrativo de Círculo do Porto (adiante, TACP), por decisão de 7 de Julho de 1994, rejeitou o recurso in totum ,por entender que o acto recorrido era meramente confirmativo de acto anterior pelo que era insusceptível de recurso.
Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (adiante, STA) que, por Acórdão de 4 de Junho de 1996, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Inconformada com esta decisão, a recorrente apresentou um requerimento através do qual pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional. Notificada para indicar a norma ou normas aplicadas na decisão sob recurso, cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada durante o processo, a recorrente veio informar que tinha suscitado a inconstitucionalidade em relação ao regulamento camarário datado de 22 de Junho de 1983, ao abrigo do qual tinham sido tomados os actos recorridos, regulamento esse que foi revogado em Assembleia Municipal de 30 de Abril de 1993.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho do Relator:
'Porque no acórdão de que vem interposto o recurso para o Tribunal Constitucional não se faz aplicação do regulamento camarário de 22/6/83, a que se refere o doc. de fls.86, não admito o recurso interposto para aquele tribunal ao abrigo do artº 70º,nº1 b), da Lei nº 28/82, de 15/11.'
2.- É contra esta decisão que a recorrente apresentou a presente reclamação. Nela pretende que o recurso de constitucionalidade seja admitido, uma vez que foi ao abrigo do citado regulamento que, em 21 de Abril de
1986, foi proferido o acto de licenciamento da obra de ampliação do prédio da reclamante. Esse acto veio a ser anulado por acórdão de 22 de Julho de 1987,com fundamento em que a obra licenciada não respeitava a distância mínima fixada pelo artigo 5º do mencionado regulamento camarário. A reclamante mais refere que, tendo sido requerida a demolição, foi deliberado dar execução ao acórdão, em 28 de Janeiro de 1991; mais tarde, em 20 de Julho de 1992, a Câmara deliberou que o assunto transitasse para a alçada do Presidente, vindo a ser notificada à reclamante em 1 de Outubro de 1992 uma outra deliberação de 22 de Julho de 1992 que ordenou a tomada de posse administrativa e a execução da respectiva demolição, tendo a reclamante requerido a suspensão do despacho. Em 29 de Novembro de 1993, ainda segundo a reclamante, o Presidente da Câmara proferiu novo despacho confirmativo da decisão de demolição. A reclamante, invocando que este acto não era confirmativo da deliberação que determinara a demolição porque tinham ocorrido alterações da ordem jurídica - o regulamento camarário de 22 de Junho de 1986 foi revogado em 30 de Abril de 1993 - dele interpôs recurso de anulação. Segundo a reclamante, tendo havido alteração dos pressupostos de direito entre os dois actos que ordenaram a demolição - de 20/7/92 e de 29/11/93
- o segundo não pode ser confirmativo do anterior, pelo que é acto recorrível.
Submetida a reclamação à conferência, o STA, por acórdão de 19 de Novembro de 1996, decidiu manter o despacho do relator em reclamação, não admitindo o recurso interposto.
3.- O Ministério Público teve vista dos autos e aí exarou o seguinte parecer:
'É manifesto que a decisão de que se pretendeu interpor recurso de constitucionalidade não aplicou as normas regulamentares arguidas de inconstitucionais pela ora reclamante, limitando-se a sustentar que o acto administrativo que se pretende impugnar contenciosamente não continha qualquer definição autoritária e inovadora da situação concreta da recorrente - não tendo, por isso, capacidade lesiva dos seus interesses ou direitos - e não sendo, por isso, de qualificar como acto recorrível, nos termos do nº5 do artº
268º da CRP.
Assim sendo - e, por faltar, de forma evidente, um pressuposto de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artº 70º da Lei nº 28/82 - nenhuma censura merece o despacho que o não admitiu, o que conduz à improcedência desta reclamação.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4.- O recurso contencioso de anulação interposto pela reclamante foi rejeitado na primeira instância com fundamento no facto de que o acto recorrido por ser meramente confirmatório, não era acto recorrível. O acórdão recorrido confirma esta tese ao escrever: 'o despacho recorrido de
29.11.93 que, na sequência de deliberação camarária de 22 do mesmo mês e ano e depois de efectuada a vistoria requerida, confirmou a ordem de demolição, apresenta-se como um mero acto de reiteração objectiva das definições jurídicas antes efectuadas sobre a matéria, nada tendo acrescentado ou decidido em termos inovadores, sendo apenas aquele de 29.11.93 e não a deliberação de 22 do mesmo mês e ano, o acto a que a recorrente atribui a definição da sua situação'. A decisão recorrida acrescenta ainda o seguinte elemento que torna claro o entendimento do tribunal sobre a inexistência de qualquer alteração dos pressupostos legais do acto em causa: com efeito, tal despacho baseia-se na sentença anulatória do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto a que visou dar execução, sendo certo que aquela sentença não foi revogada e mantém a sua força executiva independentemente das eventuais modificações que posteriormente tenham ocorrido na ordem jurídica.
Assim sendo, é manifesto que o acórdão recorrido não aplicou qualquer norma do regulamento camarário da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, de 22 de Junho de 1983 e entretanto revogado.
Com efeito, o acórdão para rejeitar o recurso contencioso de anulação não teve necessidade de utilizar qualquer dos preceitos de tal regulamento como seu fundamento normativo decisório: utilizou apenas as normas do artigo 25º, nº1 da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (LPTA) e o artigo 268º, nº 5 da Constituição, para concluir que o acto impugnado, sendo confirmativo de acto anterior não impugnado não tem, por si, capacidade lesiva dos seus (da reclamante) interesses ou direitos, pois não contém qualquer definição autoritária e inovadora da situação concreta da recorrente e ora reclamante, não sendo recorrível.
Aliás, se eventualmente a tese defendida pela reclamante fosse aceite e se nas instâncias se tivesse entendido que, por ter havido alteração dos pressupostos de direito, o despacho de 29 de Novembro de 1993, que impugnou, continha uma «definição autoritária e inovadora» da sua situação concreta, então, tal despacho teria sido proferido ao abrigo de legislação diferente da que vem impugnada, pois o regulamento camarário de 22/6/83 tinha sido revogado em 30 de Abril de 1993. Nessa hipótese, também nunca poderia a reclamação ser atendida uma vez que, a ter sido suscitada uma questão de constitucionalidade, ela se referia ao regulamento de 1983 que não teria sido aplicado no despacho, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade do regulamento aplicado.
Assim, não tendo a decisão recorrida aplicado o regulamento que a reclamante questionou falta um pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que a reclamação tem de improceder.
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
6 UC's.
Lisboa, 1997.05.13 Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida