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Proc. nº 420/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - M..., melhor identificada nos autos, foi condenada, por acórdão do Tribunal Colectivo do 1º Juízo de Competência Especializada Criminal de Almada, de 25 de Julho de 1997, como autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a uma pena de 6 anos de prisão.
2 - Inconformada com a decisão supra referida dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tendo invocado nas respectivas alegações a questão da inconstitucionalidade material das normas constantes dos artigos 410º nº 2 e 433º, ambos do Código de Processo Penal, por violação do disposto no art.
32º nº 1 da Constituição.
3 - O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 4 de Março de 1998, negou provimento ao recurso da arguida M..., confirmando quanto a esta, na íntegra, a decisão recorrida. Nomeadamente, no que à questão da inconstitucionalidade suscitada respeita, escreveu-se:
'Aos Tribunais comuns não cabe o conhecimento abstracto da constitucionalidade das normas jurídicas - matéria esta que é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional - mas tão-só o dever de não aplicar normas inconstitucionais nos feitos sujeitos a julgamento (art. 207º da Constituição da República). Ora, in casu, conforme aponta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta na brilhante alegação escrita, a recorrente limita-se, como flui das conclusões da motivação, maxime da conclusão 8ª), a colocar de forma a mais abstractamente possível a questão reportada à inconstitucionalidade das aludidas normas, o que, como é bom de ver, escapa aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, uma vez que confiada acha-se, em exclusivo, tal tarefa ao Tribunal Constitucional. Sempre se dirá, no entanto, que a jurisprudência que desde sempre vem fazendo vencimento neste Supremo Tribunal e no Tribunal Constitucional - de forma tão reiterada que nos dispensamos de citá-la e de aqui reproduzir desenvolvidamente a respectiva fundamentação, limitando-nos a remeter para os últimos acórdãos do Tribunal Constitucional publicados: o nº 1164/96, de 96.11.19, in DR II Série nº62, de 97.03.14, pp. 3156 e segs. sobre os artigos 410º e 433º do CPP e o nº
1165,
igualmente de 96.11.19, in DR II Série nº 31, de 97.02.06, págs. 1569 e segs., sobre o art. 127º do CPP - é unânime no sentido de que essas normas não violam quaisquer princípios ou preceitos constitucionais, quer por o princípio do duplo grau de jurisdição, reconhecido como uma das garantias de defesa asseguradas pela Lei Fundamental (art. 32º nº 1 da CRP), não abranger o reexame da matéria de facto em termos que permitam a repetição do julgamento para além dos casos elencados no citado art. 410º, quer por se entender que as garantias de defesa dos arguidos ficam suficientemente acauteladas com a intervenção do Tribunal Colectivo que, por via da sua estrutura colegial, assegura o maior rigor e empenho na apreciação da matéria de facto. Improcede, por conseguinte, também esta questão'.
4 - Não se conformando com o teor deste aresto veio a arguida, em 26 de Março de
1998, e ao abrigo da al. b), do nº 1, do art. 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), dele interpor recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional. Pretendia a recorrente ver apreciadas as normas constantes dos artigos 433º; 410; 379; 380º e 374º, todos do Código de Processo Penal, por entender que tais normas violam o disposto nos artigos 12º, 13º, 29º, 30º e 32º da Constituição e princípios constitucionais aos mesmo subjacentes.
5 - Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para apresentar alegações, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
1. No presente recurso suscita-se a questão da apreciação da constitucionalidade dos artigos 379º alínea b) e 380º, ambos do Código de Processo Penal, por violação ao disposto pelos artigos 29º e 32º da CRP, quando e se interpretados no sentido em que o foram, pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça;
2. Que o fez no sentido de se não tratar de uma nulidade da sentença - Artigo
379º alínea b) do CPP - a condenação por factos diversos dos descritos na Acusação, mas antes defendeu tratar-se de manifesto erro de escrita, lapsus calami, rectificável nos termos do artigo 380º do mesmo diploma.
3. Quando na verdade e, para se não terem como violados os princípios e normas com assento constitucional - artigos 29º e 32º da CRP - haveria de fazer uma interpretação do artigo 379º, alínea b), em tudo diferente e, no sentido de in casu se verificar a nulidade da sentença a que se refere aquele preceito legal, por se condenar a arguida por factos diversos e anteriores aos contidos na acusação;
4. Todas as considerações da presente alegação e das conclusões precedentes são válidas para o referido em D) do Douto Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, conforme alegado e que se refere à mesma interpretação dada aos mesmo preceitos legais. E;
5. Suscita-se ainda a questão da inconstitucionalidade decorrente da interpretação dada ao Artigo 374º nº 3 alínea c) do CPP, por violação dos princípios e do preceituado pelos Artigos 12º; 13º; 29º; 30º e 32º, todos da Constituição da República Portuguesa, se interpretado no sentido em que o foi. Nestes termos deverá ser proferido acórdão, declarando assim a inconstitucionalidade dos artigos 379º alínea b) e 380º do Código de Processo Penal, se interpretados no sentido de que não constitui nulidade da sentença, mas sim manifesto erro de escrita, o Acórdão Condenatório que condena por factos diversos e anteriores aos descritos e contidos na Acusação e que tal situação não configura uma alteração de factos - causa geradora de nulidade. Mais deverá ser declarada a inconstitucionalidade do Artigo 374º nº 3 alínea c) do CPP, se interpretado no sentido de que a omissão do destino a dar aos bens apreendidos não constitui causa de nulidade da sentença'.
6 - Notificado para responder, querendo, às alegações do recorrente, o Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, concluiu nos seguintes termos:
'1º - Não tendo a recorrente suscitado, durante o processo - para o que teve plena oportunidade processual - as questões de constitucionalidade reportadas às normas dos artigos 379º, 380º e 374º do Código de Processo Penal, e tendo abandonado na sua alegação a que se reportava às normas dos artigos 410º 433º do Código de processo Penal - é manifesto a falta de um pressuposto essencial do recurso interposto.
2º Termos em que não deverá dele conhecer-se'.
7 - Notificada para responder, querendo, à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, a recorrente nada disse.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Fundamentação
8 - No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que agora se julga indicou a recorrente que pretendia ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 433º; 410; 379; 380º e 374º, todos do Código de Processo Penal, por entender que tais normas violam o disposto nos artigos
12º, 13º, 29º, 30º e 32º da Constituição e princípios constitucionais aos mesmo subjacentes. Porém, mais tarde, já em sede de alegações de recurso, entendeu
a recorrente abandonar - o que fez de forma expressa (fls. 623) - a questão da constitucionalidade das normas dos artigos 410º e 433º do Código de Processo Penal. Em consequência, terá de considerar-se o recurso circunscrito à apreciação da constitucionalidade das restantes normas referidas pela recorrente: os artigos 379º; 380º e 374º, todos do Código de Processo Penal.
9 - Porém, como veremos já de seguida, é manifesto que em relação a esta parte não pode conhecer-se do objecto do recurso, por não ter sido suscitada, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade daqueles preceitos, faltando, desta forma, um dos pressupostos essenciais do recurso que a recorrente pretendeu interpor.
10 - Na realidade, dispõe a al. b), do nº 1, do art. 70º, da LTC - norma ao abrigo da qual foi interposto o presente recurso -, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Ora, constitui desde há muito jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal
(veja-se, entre muitos, os acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 94/88, in Acórdãos do T.C., 5º vol., p. 497 e 663 e BMJ 372, p. 285, respectivamente) que o pressuposto da
admissibilidade do recurso previsto naquele preceito, consistente em a inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo, deve ser tomado não num 'sentido puramente formal', tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância, mas num 'sentido funcional', tal que essa invocação haverá de ser feita em momento em que o Tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja, a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma inconstitucionalidade respeita. Em consequência, tem este Tribunal entendido de forma reiterada que, em princípio, não constitui meio idóneo para suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional bem como as respectivas alegações (cfr., entre muitos nesse sentido, o acórdão nº 160/94, in Diário da República, II Série, de 28 de maio de
1994).
É precisamente o que se passa no caso sub judicio, em que o recorrente apenas suscitou pela primeira vez - tendo tido oportunidade processual de o fazer antes
- a questão da inconstitucionalidade dos artigos 379º; 380; e 374º do Código de Processo Penal no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 608 a 610 dos autos), o que já não se pode considerar, de acordo com o entendimento antes expresso, como tendo a questão sido suscitada durante o processo. III - Decisão Assim, e pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso por não ter sido suscitada, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade das normas que constituem o seu objecto. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta. Lisboa, 29 de Julho de 1998 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Beleza Messias Bento Luis Nunes de Almeida