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Proc. nº 541/97 TC Plenário Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
1- M... e J... interpõem recurso para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 19/9/97 que reformou o seu aresto de fls. em conformidade com o decidido pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 58/97 que julgou inconstitucional o Assento nº 2/93, aplicado no acórdão reformado,
?enquanto interpreta como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), mas tão só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação juridico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê quanto a ela, oportunidades de defesa, assim concedendo provimento, nesta parte, ao recurso?. Fizeram-no alegadamente ao abrigo dos artigos 70º nº 1 al. b) e g), 71º nº 1,
72º nº 1 als. b) e 2 e 75º-A da Lei nº 28/82, com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89. Invocaram a aplicação pelo STJ no acórdão impugnado de normas anteriormente julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional (o Assento nº 2/93 e a contida no artº 1º nº 1 al. f) do Código de Processo Penal (CPP), nos seus acórdãos nºs 1164/96, 16/97 e 58/97 e, com força obrigatória geral, no Acórdão nº 445/97, publicado no DR, I Série-A nº 179 de 5/8/97. Nas suas alegações formularam as seguintes conclusões:
1 ? O douto acórdão recorrido invoca, na sua fundamentação, o ?Assento nº 2/93? emergente do acórdão do Plenário das secções do STJ, publicado no DR, 1ª Série-A de 10/3/93.
2 ? Tal Assento já foi declarado inconstitucional pelo Acórdão do TC nº 58/97, de 29/1/97 e pelo Ac. 16/97 de 14/1/97.
3 ? O douto acórdão recorrido, por fazer aplicação de assento já julgado inconstitucional viola o comando do artº 204º da Lei Fundamental.
4 ? O douto acórdão recorrido, ao pôr nitidamente em causa a ?pretensa inconstitucionalidade da doutrina do Assento 2/93? (fls. 5 do citado aresto) torna a violar o comando do artº 204º da CRP (revista).
5 ? O douto acórdão recorrido faz, ainda, interpretação/valoração claramente inconstitucional do referido Assento 2 /93, ao manter o já decidido em anterior acórdão (1/2/96), violando ainda assim o disposto no artº 32º nº 5 da Constituição da República.
6 ? Dada a recente declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 1º do CPP (Acórdão do T.C. de
25.06.97 publicado no DR. 1ª Série-A de 5-8-97 ? Acórdão 445/97) o ?Assento
2/93? encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do princípio constante do nº 1 do artº 32º da Constituição Revista, sendo certo que o douto acórdão recorrido fez aplicação, no caso ?sub-judice? da citada norma (al. f) nº 1 do artº 1 da CPP).
7 Deverá, em consequência merecer provimento o recurso em tempo interposto, declarando-se a apontada inconstitucionalidade do Assento 2/93 com vista à revogação do douto acórdão recorrido. Em contra-alegações, o Ministério Público suscita a questão da admissibilidade do presente recurso, o que sintetiza em conclusões, nos seguintes termos:
?1 ? O presente recurso, interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que reformulou uma sua anterior decisão, na sequência do juízo de inconstitucionalidade formulado nestes autos pelo Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 16/97, deve considerar-se fundado na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 já que o recorrente se limita a sustentar que ocorreu aplicação da norma já anteriormente julgada inconstitucional, não curando de suscitar qualquer nova questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse fundar recurso interposto ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito.
2 ? O Tribunal Constitucional ? no Acórdão nº 445/97, proferido em sede de fiscalização, tal como nos arestos que, em fiscalização concreta o precederam ? limitou-se a formular certo juízo de inconstitucionalidade normativa, traduzido em inferir do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental a existência de um ?dever de prevenção? do arguido de uma inovatória e gravosa requalificação jurídica dos factos ? sem naturalmente ter especificado qual o âmbito e as concretas consequências procedimentais de tal prevenção, por se tratar de matéria exclusivamente respeitante à interpretação e aplicação do direito infraconstitucional.
3 ? A decisão ora recorrida não aplicou à derimição do caso ?sub juditio? o
?bloco normativo? já declarado inconstitucional ? acatando, pelo contrário, tal juízo de inconstitucionalidade e limitando-se, no estrito plano da tramitação do processo penal, a extrair determinadas consequências da inconstitucionalidade decretada.
4 ? Na verdade, tal decisão limitou-se a considerar que o dever de prevenção do arguido da requalificação jurídica dos factos se destina a facultar-lhe a discussão, no plano jurídico, do acerto e admissibilidade da pretendida qualificação, não implicando a renovação ou repetição, mesmo parcial, da audiência final.
5 ? E concluindo que a irregularidade cometida na 1ª instância ? consistente na omissão da prévia notificação ao arguido de tal possível ?convolação? ? se devia considerar sanada ou precludida, face ao ulterior desenvolvimento do pleito ? nomeadamente à possibilidade que o arguido teve de questionar tal convolação no
âmbito do recurso que interpôs da decisão condenatória proferida em 1ª instância.
6 ? Nestes termos ?não tendo a decisão recorrida aplicado o ?bloco normativo? já declarado inconstitucional com o sentido que determinou e conduziu ao juízo de inconstitucionalidade formulado por este Tribunal ? não ocorre qualquer colisão entre o acórdão recorrido e os acórdãos indicados pelo recorrente como fundamento do recurso que interpôs.
7 ? Termos em que, por falta de um essencial pressuposto, não deverá conhecer-se do recurso, reportado à alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82?. Notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, os recorrentes responderam nos seguintes termos:
? A ?questão prévia? suscitada não tem, com o decido respeito, razão de ser. Na verdade na conclusão 6ª das suas alegações os recorrentes referem que:
(transcrevem a conclusão 6ª já acima reproduzida) Como se vê toda a, embora douta e minuciosa, argumentação expendida na
?resposta? do Digno MP, não se refere a tal questão ! Tanto bastaria pois para a não procedência da invocada ?questão prévia?. Mas sem conceder sempre se dirá que o Digno PGA não tem razão, quando na sua conclusão 3ª refere que ?a decisão ora recorrida...acatou tal juízo de inconstitucionalidade?.
É bom de ver, com a devido e merecido respeito, que não foi assim ! O douto acórdão recorrido (do STJ) pôs nitidamente em causa a anterior decisão do Tribunal Constitucional ! Pondo claramente em dúvida a inconstitucionalidade do referido ?Assento 2/93?. Atente-se na transparente expressão utilizada pelo STJ:
?...a pretensa inconstitucionalidade da doutrina do Assento 2/93? (fls. 3 do citado aresto) violando assim, claramente, o comando do artº 204º da CRP. Termos em que não deve merecer provimento a invocada excepção ou ?questão prévia?, devendo os autos prosseguir a sua tramitação até final.? Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - Como se deixou relatado, suscitou o Exmo Magistrado do Ministério Público a questão do não conhecimento do recurso; em termos preliminares, considerou que, não obstante a expressa invocação do artigo 70º nº 1 al. b) da Lei nº 28/82
(LTC), o recurso vinha apenas interposto nos termos da al. g) do mesmo artigo
70º nº 1, também expressamente invocado. Considerando o teor das alegações apresentadas pelos recorrentes, há que reconhecer a pertinência desta última observação. Na verdade, o que os recorrentes substancialmente impugnam no acórdão recorrido
é a continuada aplicação do Assento nº 2/93, com uma interpretação dos artigos
1º nº 1 al. f), 120º, 284º nº 1, 303º nº 3, 309º nº 2, 359º nºs 1 e 2 e 379º al. b) do CPP, que implica a desconformidade de tais preceitos com o princípio constante do nº 1 do artigo 32º da CRP de acordo com o já decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 58/97, produzido no mesmo processo, em recurso interposto de anterior aresto do STJ. Julgado, naquele acórdão, inconstitucional o Assento nº 2/93, ?enquanto interpreta como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica
(ou convolação), mas tão só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação juridico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê quanto a ela oportunidade de defesa? ? o que veio a ser declarado com força obrigatória geral pelo Acórdão nº 445/97, publicado em DR, I Série-A, de 5/8/98 ? a discordância dos recorrentes relativamente ao acórdão recorrido centra-se, precisamente, em, segundo eles, o mesmo acórdão não ter dado qualquer relevância jurídica ao facto de, no caso, não terem sido prevenidos daquela alteração de qualificação jurídica. Por outras palavras, o STJ teria aplicado norma (ou interpretação normativa) já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, o que faz reportar o recurso à al. g) ? e não à alínea b) - do nº 1 do artigo 70º da LTC. No caso, o recurso reportado à alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC só seria, na verdade, admissível se o acórdão recorrido, para além de, segundo o recorrente, ter aplicado norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, tivesse igualmente feito aplicação de outra norma (ou daquela outra em termos interpretativos inovatórios), cuja inconstitucionalidade houvesse sido suscitada durante o processo. Ora, o que os recorrentes deixam claro quando alegam a contradição do acórdão recorrido com o Acórdão nº 58/97 do Tribunal Constitucional é que não há qualquer inovação na interpretação que conduziu ao julgamento de inconstitucionalidade feito neste ultimo aresto ? o recurso não pode assim reportar-se à al. b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
3 - Centrado, consequentemente, o recurso no âmbito do previsto na al. g), importa apreciar, antes de mais, se o acórdão recorrido aplicou a norma que o Acórdão nº 58/97 julgou inconstitucional, - e o Acórdão 445/97, já publicado à data da prolação do aresto impugnado, declarou inconstitucional com força obrigatória geral - o que nos reconduz à questão de saber se a decisão se fundou nessa mesma norma. Impõe-se uma prevenção: a resposta à questão não passa nem por argumentação obiter dicta nem por considerações laterais que o acórdão recorrido eventualmente contenha que induzam o alegado ?incumprimento? do Acórdão nº
58/97. Vale isto por dizer que as expressões respigadas pelos recorrentes no acórdão impugnado no sentido de que o Acórdão nº 58/97 nada decidira em contrário do que já resultaria do acórdão do STJ então revogado, embora o tivesse feito de forma mais explícita, relevarão apenas na medida em que a decisão traduza efectivamente o que tais expressões parecem indiciar. O mesmo parâmetro de valoração se deverá adoptar para outras expressões do acórdão recorrido que indiciem o ?cumprimento? do julgado do TC. Ora, o Acórdão nº 58/97 na sua decisão, não deixou expresso em que fase precisa do processo haveria que prevenir o arguido da plausibilidade de uma diversa qualificação jurídica dos factos imputados na acusação ou na defesa. Na verdade o trecho decisório do Acórdão nº 58/97 limita-se a julgar inconstitucional o Assento nº 2/93 nos termos já atrás transcritos. Isto não significa, porém, que o sentido e alcance desse julgamento de inconstitucionalidade não possam ser iluminadas por todo o discurso fundamentador que antecede a decisão. Neste ponto, o dito Acórdão nº 58/97 remete apenas para acórdão anterior do Tribunal Constitucional nº 16/97, considerando ?inteiramente transponíveis para o caso em apreço? ? as razões que estiverem na base de tal decisão?. O Acórdão nº 16/97 adere ao julgado no Acórdão nº 279/95 que extensamente se transcreve e onde a determinado passo se diz:
?As limitações quanto à possibilidade de conhecimento de novos factos (artigos
358º e 359º do CPP) visam precisamente impedir que o arguido seja confrontado com uma subsunção diversa daquela em função (na previsão) da qual preparou a sua defesa. Ora, é diverso ? e num processo após a acusação ou pronúncia é novo ? tanto o modelo de subsunção que recaindo sobre novos factos leva a uma incriminação diversa, como o modelo que baseando-se nos mesmos factos tem como ponto de chegada uma incriminação diversa. Sendo mais gravosa para o arguido esta nova incriminação, não pode deixar de se lhe facultar, com a comunicação da eventualidade da sua ocorrência, uma sequência processual, situada na fase de julgamento, em que sendo possível essa nova incriminação, o arguido possa discuti-la e adaptar a sua defesa a essa alteração?. (sublinhado nosso) Também o Acórdão nº 445/97, publicado no DR, I Série-A, de 5/8/97, que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da ?norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal em conjugação com os artigos
120º, nº 1, 303º nº 3, 309 nº 2, 359º nos 1 e 2 e 379 alínea b) do mesmo Código, quando interpretada nos termos constantes do Acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 (...) no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do crime em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa? deixa entender que a prevenção se deve situar antes da decisão do julgamento, evidenciando que ?diferente pode ser a estratégia de defesa consoante a qualificação jurídico-criminal dos factos cujo cumprimento é imputado ao arguido? e que a alteração da qualificação ?pode vir a ter, e até por vezes acentuadamente, repercussão nos objectivos pelos quais aquela estratégia foi delineada?. (sublinhados nossos)
Na mesma linha, no já citado Acórdão nº 279/95 ? um dos três arestos que constituíram o pressuposto do pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que deu lugar ao Acórdão nº 445/97 ? depois de se referir o modelo de subsunção constituído pelos factos imputados ao arguido na acusação ou na pronúncia como correspondendo a um específico crime, escreveu-se:
?Tal modelo serve de referência à fase do julgamento ? destinando-se esta, aliás, à sua comprovação ? e é em função dele que o arguido organiza a respectiva defesa. Importa aqui sublinhar que o conhecimento pelo arguido desse modelo, tornando previsível a medida em que os seus direitos podem ser atingidos naquele processo, constitui, como se disse, um imprescindível ponto de referência na estratégia de defesa, funcionando, assim, como importante garantia de exercício desta?. Por todo o exposto, não parece ousado concluir que os anteriores julgados de inconstitucionalidade ? e, em particular, o que consta do Acórdão nº 445/97 ? têm um sentido e um alcance mais extensos do que o que o Exmº. Magistrado do Ministério Público pretende, pois eles acabam por apontar, como momento processual adequado ao cumprimento do dever de prevenção do arguido, aquele que se situa antes da decisão que opera a convolação , de modo a permitir, se o arguido assim o entender, a modificação da ?estratégia de defesa?. Por outras palavras, não se subtrai ao juízo de inconstitucionalidade das normas citadas na interpretação que lhes foi dada pelo chamado e revogado ?Assento
2/93, nem uma interpretação que situe em momento ulterior o dever de prevenção do arguido, nem a que tenha como válida, ou convalidante, uma eventual resposta do arguido à nova qualificação jurídica dos factos, em fase processual onde já não seja viável a modificação da ?estratégia de defesa? no que esta pode comportar - usando as expressões do Acórdão nº 279/95 - de ?escolha deste ou aquele advogado, a opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros etc?. Ora, o acórdão recorrido, na sequência do julgado de inconstitucionalidade por este Tribunal, parece querer deslocar a resolução da questão em causa para o campo das nulidades, o que, afinal se traduziria, como se disse já, na tese defendida pelo Exmº. Magistrado do Ministério Público, na não aplicação da
?norma? julgada inconstitucional e, consequentemente, na falência de um dos pressupostos do recurso prescritos na al. g) do artigo 70º nº 1 da LTC. Diz-se naquele acórdão:
?Do que atrás ficou exposto, porque, como se referiu no local próprio, no caso concreto destes autos, o Tribunal Constitucional expendeu a doutrina, que se não discute e que resultava também do que foi decidido por este Supremo no acórdão de 1 de Fevereiro de 1996, proferido nestes autos e que foi objecto de apreciação do Tribunal Constitucional, de que a convolação para crime mais grave, da qual resulte a aplicação de uma pena mais grave do que a poderia resultar da submissão dos factos ao crime acusado (ou constante da pronúncia), implica o dar-se conhecimento dessa circunstância ao arguido, para que ele se possa defender de tal matéria, e porque a decisão da primeira instância aplicou penas que se situam dentro da moldura prevista na lei para o crime que constava da acusação, não se pode concluir haver lugar a uma determinação de repetição da parte final do julgamento da primeira instância, para ser dado um prazo até cinco dias para que os arguidos preparassem as suas defesas em relação a uma alteração do enquadramento jurídico dos factos, tanto mais que tal acabaria por se traduzir na prática de um acto inútil, uma vez que o assunto veio a ser por eles amplamente discutido nos seus recursos, e foi também amplamente apreciado na decisão deste Supremo, bem como nos recursos interpostos pelos arguidos para o Tribunal Constitucional. Isto é, se alguma falha tivesse existido na efectivação do julgamento da primeira instância, a mesma, atento a que dos autos consta e o que veio a ser objecto de discussão jurídica nos recursos, teria passado a ter a natureza de uma irregularidade, sanada pelo posterior processado, no qual o direito de defesa dos arguidos foi vincadamente exercido, aliás com muito brilho. Assim não há lugar a ordenar-se, por esses factos, uma repetição da fase final do aludido julgamento da primeira instância?. O que se pode concluir desta decisão? Em primeiro lugar, que o aresto se aproxima do sentido e alcance do julgamento de inconstitucionalidade feito por este Tribunal no ponto em que aponta para a prevenção dos arguidos de uma nova qualificação jurídica dos factos em termos de eles poderem preparar a sua defesa. Em segundo lugar, que a justificação para assim se não proceder no caso reside, fundamentalmente, na não condenação dos arguidos em pena mais grave. Por ultimo, acresceria a essa justificação o facto de uma eventual falha na efectivação do julgamento de primeira instância (?se alguma falha tivesse existido...?) ter passado a irregularidade sanada em virtude de a questão da nova qualificação jurídica dos factos ter sido discutida pelos arguidos nos recursos da sentença condenatória para o STJ e do acórdão deste para o Tribunal Constitucional. O decidido nestes termos não deixa de transparecer a contradição com o julgado de inconstitucionalidade e a repetida aplicação da ?norma? declarada inconstitucional com força obrigatória geral. Na verdade e, antes de mais, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 58/97, proferido neste processo, perderia todo o sentido se tivesse pressuposto uma situação relativa à gravidade das penas impostas tal como a configura o STJ ? ele apenas se compreende na base de uma diversa interpretação dos factos, que o TC necessariamente fez, ou seja, que a condenação fora mais gravosa para os arguidos em função da nova qualificação dos factos, sendo irrelevante que as penas impostas se situassem dentro da moldura abstracta das penas correspondentes às infracções imputadas na acusação, pois, movendo-se numa outra moldura (menos grave), menos graves seriam também as penas concretamente impostas. Por outro lado, mais do que a qualificação ? aliás, não muito claramente explicitada ? do ?eventual? vicio do julgamento da primeira instância, importa ponderar a concreta ocorrência processual que o STJ valorou nos termos apontados. Ora, como vimos, ela consubstancia-se na defesa que os arguidos teriam apresentado em momento posterior à condenação em 1ª instância onde se operara a convolação para crimes mais graves dos que a acusação imputara aos arguidos. Mas isto significa que o acórdão recorrido implicitamente continua a aplicar as normas inconstitucionalizadas por força dos Acórdãos nºs. 58/97 e 445/97, no ponto em que incidiu o juizo de inconstitucionalidade deste Tribunal, pois, no essencial, ele acaba por acolher a doutrina de que o arguido não tem que ser prevenido da alteração da qualificação dos factos, entendido o dever de prevenção e o seu cumprimento nos termos em que a declaração de inconstitucionalidade os pressupõe considerando os seus correctos sentido e alcance. Também aqui, se o sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade fosse o que o STJ em concreto supõe ? contrariamente ao que, em abstracto e justamente, interpreta ? decerto que este Tribunal se não teria pronunciado no sentido da inconstitucionalidade. Pode, assim, dizer-se que o julgamento de inconstitucionalidade, tal como no caso foi feito, implicou ? se é que não mesmo explicitou, por o Assento nº 2/93 se referir ao artigo 379º alínea b) do CPP ? a irrelevância jurídica de uma qualquer ?resposta? à nova qualificação dos factos, expendida em fase posterior
(designadamente a de recurso) àquela em que se impunha o cumprimento do dever de prevenção do arguido. E nestes termos não é de acolher a tese de que o acórdão recorrido decidiu ao abrigo de uma normação infraconstitucional que, no caso, estaria fora dos poderes de cognição deste Tribunal. Improcede, em suma, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
4 ? O que se deixa dito é bastante para decidir o mérito do recurso, no ponto em que se considerou que o acórdão recorrido aplicou o bloco normativo, interpretado nos termos constantes do ?Assento 2/93?, declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão nº 445/97.
5 ? Pelo exposto e em conclusão decide-se:
desatender a questão prévia suscitada pelo Ministério Público; e, em aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante no Acórdão nº 445/97 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 5 de Agosto de 1997), revogar o acórdão recorrido, a fim de ser reformulado em conformidade com essa declaração de inconstitucionalidade, com respeito por todo o seu sentido e alcance, supra explicitado. Lisboa, 15 de Julho de 1998 Artur Mauricio Vitor Nunes de Almeida Bravo Serra Messias Bento Luis Nunes de Almeida Maria Helena Brito José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa