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Proc. nº 130/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça , em que figura como reclamante I... e como reclamada F..., Lda., o ora reclamante impugnou o despacho do Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso para julgamento ampliado da revista, a que se referem os artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil.
O Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 6 de Julho de 2001 decidiu indeferir a reclamação, com os seguintes fundamentos: O artº 678º, nº 4, do CPC, dispõe que «é sempre admissível recurso a processar nos termos dos artºs 732º-A e 732º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro,. dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho
à alçada do Tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça». Se é verdade que, como sustenta o reclamante, não Se trata «nesta fase» de entrar no mérito do recurso para se decidir pela sua admissão ou não, também é certo que, para este efeito, se deve proceder a um exame perfunctório com vista
à necessária aferição da existência dos requisitos de admissibilidade do recurso. Isto é, há que averiguar da seriedade e da verosimilhança quer da identidade da questão fundamental de direito, quer da alegada oposição de acórdãos. Ora, atentando nos dois arestos postos em confronto (fls. 17-22 e fls. 27-33 destes autos de reclamação) verifica-se efectivamente o não preenchimento dos necessários requisitos previstos naquele nº 4 do artº 678º do CPC, tanto pela ausência de contradição, como pela diferença de situações factuais e jurídicas em presença. Por outro lado, a restrição do recurso, nestes casos, apenas a um grau, imposta pelo artº 1º da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, aliás já antes defendida por um largo sector da jurisprudência, deve ser encarada como interpretativa do artº
39º do Decreto-Lei nº 387-B/87), de 29 de Dezembro. E, integrando-se esta interpretação autêntica na lei interpretada, retroactivamente, de harmonia com o artº 13º do Código Civil, também por esta via se revela inadmissível o recurso.
2. I... interpôs recurso de constitucionalidade da decisão de 6 de Julho de 2001, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas do artigo 678º, nº 4, do Código de Processo Civil, e do artigo 1º da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, sustentando não ter tido oportunidade para suscitar a questão de constitucionalidade normativa durante o processo, dado o carácter inesperado da decisão recorrida.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
11 de Dezembro de 2001, uma vez que não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa.
I... reclamou do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º, da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação.
Cumpre decidir.
3. O fundamento da decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade que o reclamante pretende ver admitido foi a não suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa.
O reclamante sustenta, porém, que a interpretação acolhida no despacho do qual interpôs recurso de constitucionalidade foi objectivamente imprevisível e inesperada.
Ora, não consubstancia de modo algum uma interpretação do artigo
678º, nº 4, do Código de Processo Civil, objectivamente imprevisível a que permite rejeitar de imediato o recurso a processar nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil, quando manifestamente não existe conflito jurisprudencial.
De resto, o despacho proferido no Tribunal da Relação de Lisboa foi confirmado pelo despacho do Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (e o reclamante expressamente admite a coincidência de fundamentos, ao sustentar que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça enferma do mesmo vício processual que surpreendentemente foi censurado ao Tribunal da Relação de Lisboa).
Não se vislumbra, pois, qualquer fundamento para sustentar o carácter inovador da interpretação impugnada.
4. Alcançada esta conclusão, afigura-se inútil averiguar se o reclamante teve ou não oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade reportada à norma do artigo 1º da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro. Na verdade, ainda que o Tribunal Constitucional viesse a apreciar a conformidade à Constituição de tal norma, a decisão de não admissão do recurso a processar nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil sempre subsistiria por outro fundamento, a saber, por não se verificarem os requisitos do artigo 678º, nº 4, do mesmo diploma.
Não obstante, sempre se dirá que a interpretação que o reclamante pretende impugnar na perspectiva da constitucionalidade também não se afigura inesperada, em face das divergências jurisprudenciais existentes relativas à aplicação do artigo 1º da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro (como é sublinhado no despacho de 11 de Dezembro de 2001).
5. Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 14 de Março de 2002- Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa