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Procº nº 140/95 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Nos autos de expropriação litigiosa, em que figuram como expropriante o Estado Maior General da Forças Armadas - CEIOTAN, representado pelo Ministério Público, como expropriado V., enquanto proprietário do terreno objecto de expropriação, e como interessado J., na qualidade de rendeiro do mesmo terreno, foi proferida decisão arbitral, em 20 de Julho de 1987, fixando em 2 286 120$00 o montante da indemnização.
Desta decisão apenas recorreu para o Tribunal Judicial da Comarca de Almada o arrendatário do terreno objecto de expropriação, sustentando que lhe pertencia o direito à indemnização por determinadas benfeitorias e frutos pendentes, considerados na avaliação, mas incorrectamente atribuído ao proprietário do terreno, por constar indiscriminadamente do quantitativo indemnizatório a este destinado.
Após algumas vicissitudes processuais, foi admitido aquele recurso, tendo o Mmº Juiz daquele tribunal proferido, em 13 de Outubro de 1991, sentença, na qual fixou a indemnização devida ao proprietário do terreno objecto de expropriação em 11 554 000$00 e ao arrendatário em 1 894 000$00.
2. Desta decisão recorreu o expropriante, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 10 de Novembro de 1992, confirmou a decisão recorrida, apenas corrigindo um lapso respeitante ao montante da indemnização atribuída ao arrenda- tário, estabelecendo para este o quantitativo de 1 794 000$00.
O expropriante, o expropriado e o arrendatário interpuseram recurso do aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este, por Acórdãos de 29 de Setembro de 1993 e de 11 de Outubro de
1994, decidiu não tomar conhecimento, respectivamente, dos recursos do arrendatário e do expropriado. O primeiro por não ser possível o recurso, nos termos da regra geral das alçadas, constante do nº 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil, e o segundo por não ser admissível, tanto no domínio do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, como do actual Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, recurso das decisões da Relação que tenham por objecto o valor da indemnização para o Supremo Tribunal de Justiça.
3. Do recurso interposto pelo expropriante - o qual sempre sustentou, ao longo do processo, que a não interposição atempada de recurso da decisão arbitral por parte do proprietário do terreno expropriado originou a formação de caso julgado sobre a indemnização que lhe era devida - conheceu o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão de 18 de Janeiro de 1995, decidiu conceder-lhe provimento, fixando a indemnização a atribuir ao expropriado em 2
286 120$00. Para chegar a esta solução, o Supremo Tribunal de Justiça, depois de considerar que no recurso do expropriante não se reage contra a indemnização atribuída ao rendeiro e que, relativamente ao expropriado, se pretende que a respectiva indemnização não ultrapasse o montante fixado na decisão arbitral, entendeu que, não tendo o expropriado recorrido da decisão arbitral, esta transitou em julgado quanto a ele, pelo que o montante da indemnização nela fixado não poderia sofrer qualquer alteração.
4. Do mencionado acórdão interpôs V. o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional
(Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), indicando como objecto a questão da constitu- cionalidade das normas constantes dos artigos 1525º e seguintes, 671º e 683º do Código de Processo Civil e dos artigos 72º e 73º do Código das Expropriações de
1976, normas estas a que o recorrente imputa a violação do artigo 62º da Constituição, e cuja inconstitucionalidade, segundo o mesmo, foi suscitada durante o processo.
O recorrente conclui as alegações produzidas neste Tribunal do seguinte modo:
1. O formalismo processual cego e estreito é constitucionalmente condenável por ofender a solução que mais corresponde e satisfaz os anseios da VERDADEIRA JUSTIÇA.
2. A fixação do valor real dos terrenos é questão de facto alheia à competência do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. STJ, de 23.1.73: BMJ, 223º-137).
3. Donde, o STJ não podia diminuir o valor indemnizatório fixado pela 2ª Instância, muito menos interpretando inconstitucionalmente ao arts. 671º, 683º e
1525º e ss. do CPC e os arts. 72º e 73º do DL 845/76, de 11 de Dezembro, com violação dos arts. 18º/2 e 62º/2 da Lei Fundamental.
4. O STJ não se pronunciou sobre se a decisão arbitral era nula e inconstitucional, omitindo pronúncia relativamente a essa questão relevante, o que influiu na decisão da causa, diminuindo drasticamente o valor indemnizatório fixado pela 2ª Instância (artº 668/1/d/ do CPC; e artº 18º/2 e 62º/2 da Lei Fundamental; Acórdãos nºs 131/88 e 52/90 do TC).
5. O STJ ao não reconhecer juros legais ao expropriado agiu ilegal e inconstitucionalmente (artº 23º do DL 438/91 de 9 de Novembro e arts. 18º/2/ e
62º/2/ da Lei Fundamental).
6. O Acórdão em crise é a antítese do Acórdão de Fls. 302 a 303, de 11.10.94.
(artº 675º do CPC).
7. A aderência do expropriado ao recurso do rendeiro e o teor da avaliação dupla aceite pela 2ª Instância são questões de facto insidicáveis pelo STJ.
8. A delimitação artificial do objecto do recurso atinge directamente o valor indemnizatório fixado pela Relação, pelo que é ilegal e inconstitucional.
9. Tendo transitado o Despacho proferido em 3.12.90, de fls. 128, é extemporâneo recolocar qualquer questão de ilegitimidade das partes.
10. O recurso do rendeiro é extensivo e não restritivo, não podendo o rendeiro movimentar o processo expropriativo sozinho, pois se os autos estivessem findos então o rendeiro teria de ser remetido para os meios comuns: apenas em litisconsórcio passivo é que os autos expropriativos podiam reactivar-se e, a prosseguir, tinha que ser com o expropriado e o rendeiro, doutra forma este carecia de legitimidade para o efeito a nível deste processo.
11. Era inadmissível processualmente uma peritagem expropriativa com exclusão do expropriado.
Por seu lado, o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções no Tribunal Constitucional apresenta nas suas alegações o seguinte quadro conclusivo:
1º- São constitucionalmente admissíveis os tribunais arbitrais necessários, pelo que não padecem de qualquer inconstitucionalidade as normas constantes dos artigos 1525º e seguintes do Código de Processo Civil.
2º- A instituição arbitral, prevista nos artigos 72º e 73º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, integra um verdadeiro tribunal arbitral necessário, legalmente previsto, constituindo a decisão dos árbitros verdadeira decisão judicial, susceptível de formar, nos termos gerais decorrentes do artigo 671º do Código de Processo Civil, caso julgado no confronto dos interessados que a não impugnem adequada e tempestivamente.
3º- A delimitação dos casos e condições em que ocorre extensão de um recurso cível aos compartes não recorrentes constitui matéria de estrito direito
(processual) ordinário, não sendo legítimo inferir da Lei Fundamental quaisquer regras ou exigências em tal sede.
4º- Nada na Constituição impõe que deva aproveitar ao proprietário do terreno expropriado, que não impugnou a decisão arbitral, o recurso interposto pelo respectivo rendeiro, em que este se limita a invocar a titularidade do direito à indemnização por certas benfeitorias e frutos pendentes existentes no prédio expropriado, pretendendo a separação das indemnizações a que um e outro teriam direito, sem questionar o montante global daquela.
5. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
6. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que a sua apreciação exige a verificação prévia dos seguintes pressupostos específicos
(além dos pressupostos gerais do recurso):
a) A suscitação durante o processo da inconstitu- cionalidade de uma ou mais normas jurídicas;
b) A aplicação dessa norma ou normas pela decisão recorrida;
c) A inadmissibilidade de recurso ordinário dessa decisão, por a lei o não prever ou por se terem esgotado os que ao caso cabiam.
In casu, todos estes pressupostos específicos estão preenchidos em relação
à norma do artigo 671º do Código de Processo Civil, já que a sua inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (conclusões de fls. 228v-299v), isto é, durante o processo, tendo ela sido aplicada pelo acórdão recorrido.
Já quanto ás normas dos artigos 1525º a 1528º e 683º do Código de Processo Civil e dos artigos 72º e 73º do Código das Expropriações de 1976 - normas também aplicadas pelo acórdão recorrido - a sua inconstitucionalidade foi suscitada, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, isto é, quando já se esgotara o poder jurisdicional do tribunal a quo para apreciar tal questão e, portanto, num momento em princípio já não idóneo para se poder ter peenchido o primeiro requisito a que se aludiu - requisito esse entendido não num sentido puramente formal ('tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância'), mas num sentido funcional (tal que 'essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão').
Segundo a jurisprudência deste Tribunal, este entendimento do pressuposto da suscitação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica durante o processo sofre restrições em casos excepcionais, nos quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar atempadamente a questão (cfr., inter alia, os Acórdãos deste Tribunal nºs. 90/85, 94/88, 318/90 e 266/94, o último ainda inédito, e os três primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1985, de 22 de Agosto de 1988 e de 15 de Março de 1991, respectivamente).
No caso dos autos, uma vez que o expropriante sempre sustentou, em várias peças processuais, que a não interposição atempada de recurso da decisão arbitral por parte do proprietário do terreno expropriado originou a formação de caso julgado sobre a indemnização que lhe tinha sido atribuída, é seguro não estarmos perante uma dessas situações excepcionais, em que a aplicação das normas acima indicadas fosse de todo imprevisível e não fosse exigível a suscitação da sua inconstitucionalidade antes da prolação do acórdão recorrido.
O objecto do presente recurso de constitucionalidade circunscreve-se, por isso, à norma do nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil, que dispõe o seguinte:
'Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro. Têm o mesmo valor que esta decisão os despachos que recaiam sobre o mérito da causa'.
7. O acórdão aqui sob recurso alicerçou a solução nele alcançada nos seguintes termos:
'II - DELIMITAÇÂO DO OBJECTO DO RECURSO
Decidido já nos autos não conhecer dos recursos do Expropriado e do Rendeiro, resta-nos apurar o recurso do Expropriante. E quanto a este último recurso importa ter presente que nele não se reage contra a indemnização atribuída ao Rendeiro: e que relativamente ao Expropriado unicamente se pretende que a respectiva indemnização não ultrapasse o montante fixado na decisão arbitral. Está deste modo delimitado o objecto deste recurso: saber se a indemnização do Expropriado se tem de cingir ao montante fixado na arbitragem, ou se, pelo contrário e como vem decidido no Acórdão recorrido, ela pode ter um valor superior.
III - CASO JULGADO RELATIVAMENTE AO
EXPROPRIADO
É nosso entendimento que no processo de expropriação a arbitragem equivale a uma decisão arbitral, e como tal susceptível de transitar em julgado - artº 1525º e segts. do Código de Processo Civil. Aliás é a própria lei a inculcar essa ideia quando admite recurso para Tribunal da decisão arbitral - arts 72º e 73º do Código das Expropriações (Código anterior ao actual, e que é o aplicável ao caso em apreciação), sendo ainda certo que na ausência desse recurso tal decisão torna-se definitiva e insusceptível de voltar a ser discutida pelas Partes em Tribunal, passando portanto a revestir-se de força obrigatória dentro e fora do processo - artº
671º do C.P.C.. Ora é ponto assente que o Expropriado não recorreu da referida decisão arbitral, pelo que esta transitou em julgado quanto a ele. Isto apesar de entendermos que o despacho de fls. 83 - acima transcrito parcialmente - não está totalmente correcto. Na verdade, na hipótese de proceder o recurso do Rendeiro então, em rigor, deveria diminuir-se correspondentemente a indemnização do Expropriado, e por esta razão sempre a este devia ser reconhecido o direito de refutar, em contra-alegações, os fundamentos do recurso do Rendeiro; ou seja, devia ser-lhe reconhecida a qualidade de recorrido. Mas não obstante ter transitado em julgado tal despacho de fls. 83, o Expropriado acabou mais tarde por até ser admitido como Recorrente, tal a confusão processual ocorrida nos autos. Mas de qualquer modo o Expropriado só poderia litigar no sentido de não ver diminuída a sua indemnização, e nunca também no sentido de conseguir elevá-la; e isto porque, como já dissemos, se conformou com a indemnização que lhe foi fixada pela decisão arbitral, que assim nessa parte transitou em julgado. Também não consideramos exacto dizer-se - como o faz o Acórdão recorrido - que o Expropriado pode aproveitar-se do recurso do Rendeiro; e não consideramos porque, fundamental e decisivamente, os seus interesses são antagónicos. Efectivamente, na decisão arbitral englobou-se na quantia de 2 286 120$00 quer o valor do prédio expropriado, quer o valor das benfeitorias nele existentes; e como o Rendeiro defendia que o valor dessas benfeitorias lhe pertencia - e devia portanto ser--lhe atribuído - o vingar dessa pretensão sempre se traduziria numa diminuição do valor indemnizatório atribuído ao Expropriado. Ora o recurso interposto por uma das Partes aproveita aos outros apenas nas hipóteses previstas no artº 683º do C.P.C., que nenhuma ocorre no caso presente: nem há litisconsórcio necessário, nem existe qualquer interesse comum, nem o interesse do Expropriado depende minimamente do interesse do Rendeiro, nem é hipótese de condenação solidária. Muito pelo contrário; no caso concreto os interesses do Expropriado e do Rendeiro são antagónicos, na medida em que a procedência do pedido indemnizatório do segundo deveria traduzir-se em diminuição da indemnização do primeiro.
Para a avaliação ser inteiramente correcta, devia ter-se cingido apenas aos pontos colocados em crise pelo recurso do Rendeiro, ou seja, o valor das benfeitorias e da seara, e a sua atribuição ao dito Rendeiro. Consequentemente nem os Peritos nem o Tribunal deviam ter voltado a pronunciar-se sobre o valor do prédio do Expropriado. Daí que em termos verdadeiramente exactos todo o valor indemnizatório atribuído ao Rendeiro devesse ser deduzido na indemnização do expro-priado.
Acontece porém que: como já dissemos, o Expropriado não recorreu da decisão arbitral, e dela também não recorreu o Expropriante, pelo que a mesma se tem de considerar como definitivamente assente; e o Expropriante igualmente não recorreu da parte relativa à indemnização fixada em Tribunal ao Rendeiro, a qual assim do mesmo modo se tornou definitiva. Consequentemente razão tem o Recorrente-Expro-priante, o que afinal implica que se tenha de dar como assente para o valor da indemnização ao Expropriado aquela que foi fixada na decisão arbitral.
É verdadeiramente impressionante a grande diferença dos valores atribuídos ao prédio expropriado pela arbitragem e pela avaliação, e se o valor desta última for o que corresponde melhor à realidade, então o caso torna-se verdadeiramente chocante e lamentável. Mas neste Tribunal apenas podemos constatar o facto'.
8. De harmonia com o disposto no artigo 280º, nº 6, da Constituição e do artigo 71º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade), pelo que escapa à competência deste Tribunal a formulação de qualquer juízo sobre o mérito do acórdão aqui sub judicio, sobre o modo como as instâncias interpretarem a aplicarem as normas do direito ordinário e, bem assim, sobre as vicissitudes processuais ocorridas nos autos. No caso concreto, apenas compete a este Tribunal a apreciação e a decisão sobre a compatibilidade com a Constituição da norma do artigo 671º, nº
1, do Código de processo Civil, tal como foi aplicada pelo acórdão recorrido.
8.1. A questão da constitucionalidade desta norma, aplicada à decisão arbitral no processo de discussão litigiosa do valor da indemnização por expropriação, prende-se com a natureza daquela decisão: deverá ela ser qualificada como decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, tradicionalmente instituído pelos Códigos das Expropriações que têm vigorado entre nós?
A resposta a este problema foi dada por este Tribunal no Acórdão nº
757/95, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1996. Neste aresto, depois de se afirmar que quer face ao texto primitivo da Constituição, quer agora, face à disposição expressa do artigo 212º, nº 2, se haviam e hão-de considerar admissíveis os tribunais arbitrais necessários e de se abordar a problemática da definição do conteúdo essencial da função jurisdicional, salienta-se:
'Posto isto, e encurtando razões teoréticas, há que retomar a análise sobre a intervenção dos árbitros, no processo de expropriação: se há-de ou não reclamar-se de jurisdicional, ou se é antes um tipo de 'intervenção da Administração'. E se, tratando-se de função jurisdicional, os árbitros gozam de independência e de imparcialidade, como ficou já dito. Não restam dúvidas de que os árbitros, dispondo de independência funcional (eles são de facto designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários: cfr. artigos 43º, nº 2, do Código das Expropriações, 2º e 3º do Decreto-Lei nº 44/94, de 29 de Fevereiro, e 1º do Decreto Regulamentar nº 21/93, de 15 de Julho) intervêm in casu para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa. Eles compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do montante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tornar certos um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento. Tal intervenção, traduzida no recurso à arbitragem obrigatória, quanto à fixação do valor global da indemnização, como primeiro passo nessa fixação, imposto pelos artigos 42º a 49º do Código citado, cabe, pois, no âmbito da acção de um qualquer tribunal arbitral, que o nº 2 do artigo 211º da Constituição admite, como se viu já, quando prevê as categorias de tribunais (conquanto não defina o que são tribunais arbitrais, há-de 'entender-se que foi recebido o conceito decorrente da tradição jurídica vigente no direito infraconstitucional', como dizem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., pág. 808; cfr. o citado acórdão deste Tribunal Constitucional nº 33/88). Com efeito, podem ver-se aqui presentes, em geral, as 'características fundamentais dos tribunais arbitrais' de que falam aqueles autores: 'a) são normalmente formados ad hoc para o julgamento de determinado litígio, esgotando-se nessa tarefa, podendo, porém, existir tribunais arbitrais permanentes, a que podem ser diferidos os litígios emergentes de determinado tipo de relações jurídicas; b) são formados por iniciativa das partes ou por iniciativa de instituições representativas dos eventuais litigantes
(associações comerciais, etc); c) não têm competência própria, julgando litígios que, na falta deles, são da competência normal de outros tribunais; d) os juízes (árbitros) são leigos escolhidos segundo certas regras estabelecidas na lei.' (loc. cit. pág. 808). Enfim: a referida intervenção dos árbitros, no processo de expropriação, não atenta contra a atribuição da reserva da função jurisdicional aos tribunais, nem contra a garantia de acesso aos mesmos, princípios integradores do princípio do Estado de direito democrático, defluindo dos artigos 2º, 20º, nº 1, e 205º da Lei Fundamental, assim se respondendo à questão principal do juízo positivo ou negativo da constitucionalidade, na perspectiva da interpretação feita no acórdão recorrido' (no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 259/97, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 1997).
Sendo a decisão dos árbitros no processo de expropriação por utilidade pública uma verdadeira decisão judicial, é ela susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expropriado, se não for por este adequada e tempestivamente impugnada.
Nada tem, por isso, de inconstitucional a norma do artigo 671º do Código de Processo Civil, enquanto aplicável à decisão arbitral no processo expropriativo, já que a mesma consagra um valor constitucionalmente tutelado: o valor de caso julgado, ou seja, o valor da certeza e segurança jurídicas, o qual constitui uma das dimensões do princípio do Estado de direito, consagrado nos artigos 2º e 9º, alínea b), da Lei Fundamental.
8.2. Importa, por último, realçar que a eventual 'injustiça' da indemnização atribuída ao recorrente, enquanto proprietário do prédio expropriado, na sequência da prolação do acórdão sub judicio, não tem a sua origem na aplicação de qualquer norma jurídica inconstitucional pelo tribunal a quo, mas antes na solução por este adoptada de que a decisão arbitral tinha transitado em julgado - questão que, como já foi acentuado, é insindicável por este Tribunal. Mas ela é, sobretudo, como sublinha o Exmº Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, uma consequência da 'inércia do expropriado, que negligentemente não tratou de impugnar a decisão arbitral, deixando-a, pelo contrário, consolidar-se e transitar em julgado', permitindo, desse modo, que o valor da indemnização recebida seja, porventura, inferior àquele a que poderia ter direito se, usando da diligência devida, tivesse interposto tempestivamente recurso e obtido legitimamente decisão revogatória da inicialmente proferida pelos árbitros.
Há, assim, que concluir que a norma do nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil, enquanto aplicável à decisão dos árbitros no processo de discussão litigiosa do valor da indemnização por expropriação, não viola qualquer norma ou princípio constitucional.
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido, na parte impugnada.
Lisboa, 05 de Março de 1998 Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Bravo Serra (De harmonia com a declaração de voto que apus no Acórdão nº 52/91, continuo a perfilhar o entendimento da inconstitucionalidade da existência dos tribunais arbitrais necessários. Porém, não decorre assim a inconstitucionalidade da norma ora sub judicio, na medida em que a decisão tomada pelos arbitros, logo que constituindo cso resolvido, sempre haveria que se impôr) Luis Nunes de Almeida (com declaração idêntica à do Exmº Cons. Bravo Serra, a cuja posição sobre a admissibilidade constitucional dos deniminados 'tribunais arbitrais necessários' passei a aderir).