Imprimir acórdão
Proc.Nº 664/95 Acórdão Nº 326/97
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I- RELATÓRIO:
1. - A. invocando a qualidade de advogado em causa própria, veio propor contra B. uma acção de condenação com processo ordinário que corre termos pelo tribunal Cível da Comarca de Lisboa, em que, para além do pedido de apoio judiciário, pedia a condenação do réu, pelos fundamentos que relata, no pagamento de uma indemnização no valor de Esc.s: 5.348.870$00, acrescida dos juros legais desde a citação.
Apresentada a petição inicial, o juiz do processo determinou que se pedisse ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados
'informação sobre a actual situação do A. relativamente à Ordem, nomeadamente se está inscrito e em condições de patrocinar acções judiciais'.
Antes mesmo de qualquer resposta da Ordem, o Autor apresentou um requerimento em que alegou ter-se licenciado em 1982, altura em que estava em vigor o Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44 278, de 14 de Abril de 1962, nos termos do qual (artigo 542º, nº3) aqueles licenciados podiam exercer a advocacia em causa própria, o que passou a não ser possível, a partir do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, que aprovou o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, exigindo a inscrição naquela organismo, mas que ressalva os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior
(artigo 74º). Mais refere o Autor que 'terminou o seu estágio em 1985, e por não haver imediatamente requerido a sua inscrição como advogado esta veio a ser-lhe suspensa como advogado estagiário, de harmonia com o disposto no 'Regulamento da inscrição de Advogados e Candidatos' aprovado em 7 de Janeiro de 1943', Regulamento esse que, segundo o Autor, é inconstitucional por afrontar os artigos 46º e 51º da Constituição da República Portuguesa, por 'proibir a liberdade do direito de associação'.
Recebida a resposta da Ordem dos Advogados, no sentido de que o 'Exmo. licenciado A. não tem nem nunca teve a qualidade de Advogado até
à presente data (...)', foi proferido despacho concedendo ao autor o prazo de 10 dias para constituir advogado, sob pena de o réu ser absolvido da instância
(artigo 33º do Código de Processo Civil - CPC).
Notificado deste despacho, o Autor veio requerer que o Tribunal se pronunciasse sobre o anterior requerimento, o que ainda não tinha acontecido e, no mesmo requerimento, além de renovar a questão da inconstitucionalidade do Regulamento de Inscrição de Advogados e Candidatos', suscita a 'inconformidade constitucional [d]os termos do artigo 53º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na parte em que é entendido obrigar os licenciados em Direito a inscrever-se naquele organismo forense, a fim de poderem advogar em situações que lhe são inerentes, sem fazer disso profissão'.
Sobre este requerimento recaiu um despacho a absolver o réu da instância e a indeferir liminarmente o pedido de apoio judiciário formulado pelo Autor.
2. - Notificado deste despacho, o autor interpôs recurso para a Relação de Lisboa, pretendendo que a sua situação se considere abrangida pelo artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados e que, assim, fosse admitido a advogar em causa própria ao abrigo dos direitos adquiridos à face da legislação em vigor à data da sua licenciatura; caso assim se não considere, então, o Autor pretende que se declare a inconstitucionalidade do nº1 do artigo
53º do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março e bem assim a inconstitucionalidade da interpretação do nº2 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, concedendo provimento ao recurso.
A Relação, por acórdão de 21 de Outubro de 1993, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Ainda inconformado, o Autor interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), aí formulando as seguintes conclusões:
'1º - Nos autos em análise o recorrente pode advogar em causa própria, sem carecer de inscrição na Ordem dos Advogados, visto ter concluido a sua licenciatura em Direito quando se encontrava em vigor o estabelecido no nº 3 do art. 542º do anterior Estatuto Judiciário que consagrava essa prerrogativa.
2º - Porém, com a vigência do novo Estatuto, aprovado pelo D.L. nº 84/84 de
16.03, foram criados novos impedimentos e entre os quais, face ao disposto no nº
1 do seu art. 52º, é entendido no acórdão impugnado, que os licenciados em Direito para se patrocinarem nos processos seus, devem estar registados naquele organismo forense.
3º - Ora, no aresto recorrido não foi levado em linha de conta a situação concreta do impetrante, já que, nos termos do art. 74º do mesmo diploma, as incompatibilidades e impedimentos ali observados não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior.
4º - Por isso, ao interpretar-se aquele normativo com a ideia que lhe é consignada, estamos em crer que foi violado o que se preconiza nos arts. 53º, nº
1 e 74º, uma vez que ali se exige o registo na Ordem apenas para quem pretenda exercer a advocacia em regime de profissão liberal remunerada (cfr. acord. nº
497/89, do Tribunal Constitucional, publicado no D.R.II série de 1.02.90).
5º - De resto, quando assim não for julgado e se considere em conformidade o sentido veiculado no douto acórdão, então facilmente se vê que o preceituado no nº 1 daquele art. 53º contende frontalmente com os termos dos arts. 18º, nº 2 e
20º, nº 1.
6º - Porquanto restringe àqueles licenciados o exercício dos direitos, liberdades e garantias, recusando-lhes dessa forma a exercitação das funções jurídicas.
7º - Para defesa dos seus interesses pessoais, forçando-os ao recurso e despesa com terceiros, quando afinal o cerceamento não visa salvaguardar quaisquer outros direitos constitucionalmente protegidos.
8º - Vedando-se por essa via o acesso aos tribunais e, especialmente em matéria penal, contraria ainda os direitos do arguido postulados no nº 3 do art.
32º, bem como as disposições da al.c) do nº 3 do art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, 23.10, na qual se consagra o direito a defender-se a si próprio.
9º - Não obstante o que vem de ser dito quanto à inconstitucionalidade material, a verdade é que o referido inciso se mostra também formalmente inconstitucional.
10º - Visto a autorização legislativa dada pela Lei nº 1/84, 15.02, apenas conceder ao Governo competência para legislar sobre a deontologia e, como consequência rever o mecanismo disciplinar, redefinir as incompatibilidades e impedimentos, com o objectivo confesso de assegurar uma maior independência no exercício da advocacia.
..11º - Todavia, para além disso, o Governo veio revogar o preconizado no nº 3 do art.542º do Estatuto Judiciário, aprovado pelo D.L. nº 44.278, de 14 de Abril de 1962, retirando aos licenciados em Direito a possibilidade de se patrocinarem a si mesmos, bem como aos cônjuges, descendentes e ascendentes.
12º - Aproveitando também essa autorização legislativa para ligar as novas incompatibilidades ao âmbito e por causa da função pública, vindo a definir na al. a) do seu art. 69º, a impossibilidade dos funcionários juristas se poderem inscrever naquela Ordem, quando não estejam providos em cargos com funções de mera consulta jurídica (vide nº 2 do art.69º).
..13º - Em qualquer dos casos observados, o Governo carecia manifestamente de legitimidade legiferante, face à competência observada.
14º - Pelo que, não dispondo dessa autorização legislativa, devem as normas do nº 1 do art.53º e da al.a) do nº 1 do art.69º do Estatuto da Ordem ser consideradas formalmente inconstitucionais, por violarem o disposto na alínea b) e u) do nº 1 do art. 168º da CRP (versão de 1982).
15º - Já no que impende sobre o apoio judiciário recusado, por certo que não acompanharemos a decisão proferida, porquanto o nº 2 do art. 26º do D.L. nº
387B/87.29.12, tão-somente refere que este será liminarmente desatendido quando se mostre evidente que o pedido da causa não pode proceder.
16º - Pois bem, nos autos sub especie nem sequer foi discutida a questão de fundo e a absolvição do R. na Instância deveu-se à excepção dilatória prevista na al. c) do nº 1 do art.494º do CPC.
17º - Posto que ao subsumir-se este caso à letra do nº 2 daquele preceito pugnou-se por uma interpretação que a lei não autoriza e cujo sentido colide de sobremaneira com o determinado na segunda parte do nº 1 do art. 20º da Lei Fundamental.
18º - Em virtude do qual não pode ser denegado o acesso à justiça por falta de suficiência económica.
19º - Sendo certo que da prova produzida resulta claro a ausência de meios susceptíveis do recorrente fazer face às despesas do pleito, considerando não ser exacto que o mesmo em qualquer tempo haja trabalhado no Ministério das Finanças, aliás como se alcança do documento que se anexa.'
O STJ apreciou o recurso e através do Acórdão de 17 de Outubro de 1995, decidiu negar-lhe provimento quer quanto à questão da extinção da instância da acção proposta quer quanto à questão do indeferimento do pedido de apoio judiciário.
A decisão assim tirada partiu da apreciação dos diversos fundamentos do recurso: violação da lei ordinária por as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados (artigos 53º, nº1 e 74º) não respeitarem os direitos adquiridos pelo Autor ao abrigo do preceituado no artigo 542º do Estatuto Judiciário; violação da Constituição, quer por inconstitucionalidade material
(artigos 18º, nº2, 20º, nº1 e 32º,nº3), quer por inconstitucionalidade formal, decorrente de excesso de autorização legislativa (alíneas b) e u) do nº1 do artigo 168º), quer por violação do direito internacional vinculativo (alínea a) do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
O fundamento da violação de lei ordinária foi afastado com base não só em que 'o 'facto' constitutivo do direito do advogar em causa própria - a licenciatura em direito - perdera já essa eficácia constitutiva' na data da propositura da acção (5.2.1991), pela expressa revogação pelo artigo 2º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, como também pelo facto de não ser possível invocar, a este respeito, o artigo 74º do Estatuto de
1984, que ressalva os direitos adquiridos ao abrigo da legislação anterior, mas cujo âmbito se restringe a 'incompatibilidades e impedimentos', não abrangendo o exercício da 'advocacia em causa própria', tendo assim, de se concluir que actualmente, este tipo de advocacia é proibida pelo actual Estatuto, pelo que não foi violada a lei ordinária.
No que se refere às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo Autor, o STJ entende que a proibição de advogar em causa própria de licenciados em Direito não inscritos na Ordem dos Advogados (sempre que seja exigida a constituição de advogado) não constitui uma restrição a qualquer direito, liberdade ou garantia (artigo 18º, nº1) nem constitui qualquer limitação do direito de acesso aos tribunais, não sendo o artigo 32º- respeitante ao processo penal - norma que tenha a ver com a questão suscitada.
No respeitante à inconstitucionalidade formal, o STJ entende que a revogação do artigo 542º do Estatuto Judiciário pela norma do artigo 2º do novo Estatuto da Ordem dos Advogados, 'de que resultou, em conjugação com o artigo 53º daquele, o regime eliminatório do direito de advogar em causa própria', não excede a autorizada reestruturação do exercício da advocacia, contida na alínea a) do artigo 2º da Lei nº 1/84, inexistindo também qualquer violação do direito internacional.
Contra o acórdão do STJ, interpôs o Autor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
3. - De acordo com o requerimento de interposição, o recorrente pretende que o Tribunal aprecie a conformidade constitucional do nº1 do artigo 53º do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação das alíneas b) e u) do nº1 e do nº2 do artigo 168º e dos artigos 20º, nº1 e 37º da Constituição e, bem assim, a conformidade da interpretação da última parte da alínea d) do nº1 do artigo 668º e do nº2 do artigo 772º do Código de Processo Civil (adiante, CPC), por violação do nº1 do artigo 20º da Constituição.
No mesmo requerimento, o recorrente refere que as questões de inconstitucionalidade tinham sido 'requeridas nas alegações de fls.
101 a 114'.
Notificado para produzir as suas alegações, o recorrente veio a terminar as que apresentou, formulando as seguintes conclusões:
'I
a)- Que na qualidade de advogado em causa própria podia subscrever a petição inicial na acção ordinária, instaurada contra o Réu B., porquanto havendo concluído o seu curso de Direito em 1982, vigorava na ordem jurídica portuguesa, o Estatuto Judiciário, aprovado pelo D.L. nº 4278.14.04.1962, por força do que lhe era permitido advogar em causa própria, cônjuge descendentes e ascendentes.
b)- Tanto mais que, desde 1984, passando esta matéria a disciplinar-se pelo novo Estatuto, criado pelo D.L. nº 84/84,03.16, o seu art.74º fez consagrar, em forma de lei a manutenção dos direitos legalmente adquiridos ao abrigo do estatuto anterior.
c)- Adiantando-se, porém, que quando assim não fosse considerado, sempre deveria sindicar-se a inconstitucionalidade da norma do nº 1 do art. 53º do referido Estatuto, quer por ofensa à ordem formal quer ainda porque a mesma viola os termos do art.18º, 20º da CRP.
d)- Do mesmo passo que a interpretação conseguida face ao art. 26º do D.L. nº
387-B/87, contendia com o acesso ao direito e aos tribunais sufragado na Lei fundamental. Sucede que o Tribunal reconheceu que o sentido interpretativo do preceituado naquele art. 26º, não podia compaginar-se com o que lhe foi atribuído pelo tribunal a quo. A despeito disso, veio, no arrepio do disposto na al. d) do nº 1 do art. 668º e do nº 2 do art. 722º que, por lapso se indicou como art.772º do CPC, conhecer da matéria de facto, para assim, negar o apoio judiciário, acabando ao cabo e ao resto, por desta forma, afrontar o disposto no art. 206º e art.20º, ambos da CRP.
II
Dando sentido à ordem pela qual vem enumeradas as situações trazidas este Venerando Tribunal, vejamos em primeiro lugar a questão suscitada sobre os direitos do recorrente legalmente adquiridos à sombra do Estatuto Judiciário e que, a seu ver, foram acautelados pela disposição do art. 74º do novo Estatuto. Como flui em sede de matéria de facto, o impetrante conclui a sua licenciatura em Direito na vigência do Estatuto Judiciário que, no nº 3 do seu art. 542º permitia que aqueles licenciados pudessem advogar em causa própria, cônjuge, ascendentes e descendentes.
Acontece que, pelo D.L. nº 84/84, foi publicado o novo Estatuto da Ordem dos Advogados que, revogando os artigos 538º a 672º do título V, veio através do nº
1 do seu art. 53º dizer que:
'Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional...'praticar actos próprios da profissão..'..
Isto é, a nova lei, relativamente à legislação anterior, criou ao quadro jurídico um novo impedimento ao exercício dos actos próprios da profissão de advogado. Pois, enquanto ao velho Estatuto, aos licenciados em Direito era consentido pleitear nas causas pessoais, sem que isso consistisse no exercício de advocacia nova legislação para prática dos mesmos actos exige a inscrição na respectiva Ordem dos Advogados, acabando por, assim, criar uma impossibilidade só dirimida pela via da inscrição naquele organismo forense. Daí que, a bem dizer, o legislador, tivesse em conta os direitos adquiridos dos licenciados em direito e resolvesse salvaguardar esta situação por via do disposto naquele art. 74º do referido Estatuto que, a esse propósito estipula:
'As incompatibilidades e impedimentos criadas pelo presente Estatuto não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior'.
Porém, como vem de ver-se, o acórdão sob censura considerou não se ter violado as disposições apontadas pelo recorrente. Sem embargo de melhor entendimento, pensamos que a interpretação observada no aresto impugnado, não só contende com os normativos referenciados, como afronta ainda os princípios da confiança e do respeito pelos direitos legalmente protegidos dos cidadãos. Por outro lado, quando assim não deva entender-se, então sempre se dirá que o normativo do nº 1 do art. 53º sofre de inconstitucionalidade orgânica, porquanto, tendo a Assembleia da República, através da Lei nº 1/84, de 15 de Fevereiro concedido autorização legislativa ao governo, a qual no dizer do seu art. 2º, tem como o objectivo essencial o de:
a) Restruturar o exercício de advocacia de modo à completa satisfação das disposições constitucionais, nomeadamente para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos;
b) .............................................
c) Implementar regras de deontologia profissional que assegurem a função social de advogado como pleno servidor da justiça e do direito, com a consequente garantia da sua aplicação através da revisão do mecanismo disciplinar e do elenco de medidas disciplinares aplicáveis;
d) Redefinir o âmbito das incompatibilidades e impedimentos como objectivo de assegurar a maior independência;
e) .............................................
f) .............................................
Embora em sentido genérico, o governo estivesse autorizado a revogar o capitulo V do vestuto diploma da Ordem dos Advogados, a verdade é que face ao disposto no nº 2 do art.168º da CRP.
'As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada'.
Ora bem, daqui resulta que as autorizações legislativas devem indicar a matéria sobre que o governo fica autorizado a legislar (é o seu objecto), a amplitude com que o poderá fazer (é o seu alcance), bem como as orientações que futuramente hão-de estar subjacentes à elaboração do decreto-lei a publicar (é o sentido da autorização concedida). Por isso, de harmonia com o quadro traçado pela autorização legislativa não se vê que o governo houvesse respeitado os limites normativos fixados na respectiva concessão, visto que em parte alguma se alcança minimamente o sentido revogatório da norma que concedia aos licenciados em Direito a faculdade de poder patrocinar-se nos autos que directamente são parte interessada. Nem a sua auto-representação, leva implícita a colisão da satisfação das disposições constitucionais, respeitantes à defesa dos direitos e interesses protegidos. Antes bem pelo contrário, uma vez que a eliminação pura e simples daquele preceito retirou a um significativo extracto da população portuguesa o poder de, perante os tribunais, poder fazer valer com eficácia a defesa dos seus direitos. Assim sendo, havemos de convir que o governo extravasou a fronteira que a priori lhe foi demarcada pela Assembleia da República.
III
Mas a norma do nº 1 do art. 53º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não enferma apenas da inconformidade orgânica acabada de arguir, em virtude de a mesma comportar também ofensa ao acesso ao direito, liberdade de expressão, e ao princípio da proporcionalidade e da igualdade.
De facto, o preceituado do nº 1 do art. 53º, ao sujeitar os licenciados em direito à inscrição na Ordem dos Advogados, de modo a poderem auto-representar-se, restringe de sobremaneira o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus legítimos interesses, sendo certo que nos casos onde o registo naquela organização não seja possível, face às incompatibilidades avistadas no art.69º do seu Estatuto, logo o exercício desse direito se vê substancialmente reduzido pelo encargo dos custos dos honorários na contratação de um advogado e que nem sempre são susceptíveis de equacionar-se com a carência do apoio judiciário. Posto que, será irrazoável que indivíduos habilitados com curso de direito, e muitas vezes de reconhecido mérito, como professores e ex-juizes, se vejam privados de bastar-se a si mesmos, precisamente numa área técnica, cuja especialidade é o seu métier. Ou seja, é como um licenciado em medicina, quando doente não possa auto-medicar-se, ou como um engenheiro que não pode proceder aos cálculos das obras da sua casa. Por outro lado, a proibição de um licenciado em direito autodefender-se em juízo ou accionar os mecanismos processuais tendo em vista a protecção e defesa e dos direitos, consubstancia para ele uma forma inibitória da liberdade de expressão, já que socorrendo-se de terceiros fica impedido de ser ele próprio a exprimir a pureza do seu pensamento e a verdade material das razões que lhe assistem, porquanto se vê coagido a revelar a outrém as suas angústias e motivações, e através do qual, muitas vezes, estas podem não obter a eficácia pretendida ou o efeito desejado, sendo sabido que a lide directa dos interesses aguça o engenho e estimula a combatividade, de molde a que a sua mensagem seja eficazmente compreendida. Mas a inconstitucionalidade material do inciso ínsito no nº 1 do art. 53º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, dimensiona-se ao nível do sentido daquilo que na sociedade portuguesa deve ter-se como razoável no domínio dos factos normais. E não podendo pensar-se que por via daquela supressão normativa se pretendeu a protecção jurídica imanente a quaisquer valores de interesse público, certo sendo que a auto-representação apenas pode beneficiar ou prejudicar o sujeito que a protagoniza, logo é bom de ver que aquela revogação visou tão-só privilegiar a classe dos advogados, assegurando-lhe os lucros nos processos que, por essa forma, vieram a ser subtraídos ao patrocínio dos licenciados em Direito. Ora, a situação de tal vantagem, relativamente aos restantes cidadãos e sobretudo de outras profissões liberais, não pode ser juridicamente tutelada, sob pena de envolver ofensa ao princípio da proporcionalidade e da igualdade.
IV
Finalmente atente-se, na interpretação assumida pelo acórdão recorrido, face à doutrina do nº 2 do art. 722º, aplicada ao recurso de revista por força do nº 2 e 3 do art. 729º, ambos do CPC. Isto para dizer que, solicitado nos autos o apoio judiciário, foi este desatendido, por se considerar que, absolvendo-se o réu da instância, por falta de constituição de advogado, imediatamente acarretava consigo o indeferimento liminar daquele pedido, face aos termos do nº 2 do art. 26º do D.L. nº
287-B/87.29.12. Pois bem, este fundamento, não só serviu de base à decisão da primeira instância, como nele se estribou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Contudo aqui, pretendendo-se emprestar ênfase à motivação decisória, acrescentou-se que mesmo que aquela razão não existisse sempre a pretensão seria negada dado que:
'...,embora o A. prove que lhe foi concedida 'licença sem vencimento de longa duração' (por despacho de 15.1.91, oriundo do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações), não juntou idêntica prova quanto ao Ministério das Finanças (para onde foi em regime de requisição a partir de 90-05-21 (fls.21) - ou que aí tenha deixado de trabalhar, ou mesmo em outro local (face aos números de telefone, manuscritos, constantes de fls.60 e 67, em requerimentos seus). Este conjunto de factos também podia levar à mesma conclusão de indeferimento liminar, mesmo sem realização de outras diligências'.
Não obstante o que vem dito, a verdade é que os motivos, em ordem aos quais o pedido de apoio judiciário não logrou vencimento, prenderam-se, como já se disse, com a absolvição do réu na instância. No entanto, o Tribunal da Relação, ao servir-se do documento de fls.21 que, no processo de destinava a provar a situação fáctica sobre a questão de fundo e ao extrapolá-lo como elemento provativo da suficiência económica do requerente ao Apoio Judiciário, pretendeu mostrar que os elementos fornecidos no processo lhe permitiam concluir por uma resposta diversa, mesmo assim convergente na denegação daquele pedido. Porém, diga-se de passagem, que tal presunção não será de todo sustentável. E isto porque, o documento de fls. 21 traduz, em 21 de Maio de 1990, apenas a vontade da ADSE (Ministério das Finanças) em requisitar o recorrente para a sua unidade orgânica e, a manifestação de concordância pelo Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, (serviço do requisitado). Por sua vez e, face ao documento de fls.38 coligido ao mencionado acórdão, diz-se: Que relativamente ao requerimento dirigido ao Ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações, a requerer 'licença sem vencimento de longa duração' informa-se o impetrante 'que a mesma foi autorizada por despacho de 15.1.1991.'
Sabendo-se que, mercê do nº 2 do art. 78º do D.L. nº 497/88. 30.12, tal 'licença
é concedida mediante despacho do membro do governo de que depende o funcionário'. E não podendo este encontrar-se simultaneamente em dois locais de trabalho, logo também não pode haver margem para dúvidas que o recorrente, no momento do pedido de apoio judiciário se mantinha na situação de licença sem vencimento de longa duração, já que a havia solicitado e esta foi concedida pelo membro do governo de quem dependia. E esse não era, por certo, o Ministro das Finanças, mas sim o das Obras Públicas Transportes e Comunicações que, legal e competentemente a autorizou. Daí que não tivesse de fazer prova de factos, cuja existência é juridicamente impossível. De resto, como foi salientado, o documento de fls. 21, foi trazido aos autos por forma a substanciar a matéria factual arrimada ao número 40 da petição inicial e, por conseguinte, o valor do seu conteúdo não podia ser valorado fora do contexto daquela afirmação, ou pelo menos inferisse dele uma interpretação que o direito não consente. Por assim ser, o Tribunal da Relação ao produzir aquelas considerações, não levou em conta as datas dos documentos, nem o regime jurídico que suporta o seu teor. Mas se porventura, esse lapso não serviu àquela instância para ajuizar da bondade do apoio judiciário instado pelo recorrente, certo é que tratando-se de matéria superveniente conhecida pela Relação, o recorrente, à cautela, juntou o documento de fls.115, tendo vista repor a verdade material dos factos alegados. Não obstante essa certeza, o Supremo Tribunal, embora reconhecendo a errada interpretação extraída daqueles elementos e corroborada pelo documento de fls.
115, acabou precisamente por caucionar nisso o indeferimento do pedido formulado. Em ordem a tais vicissitudes, importa, por isso, considerar dois aspectos da mesma questão, para seguidamente referir que:
1º- Segundos os Acórdãos do STJ de 11.7.1972 e 8.2.1984, publicados respectivamente no BMJ, 219º-168 e 334º-267. 'Cumpre ao Supremo Tribunal de Justiça censurar o uso que a 2ª instância faça da faculdade concedida no art.712º' e 'cabe-lhe também ordenar ampliação da matéria de facto, nos termos do nº 3 do art.729º, ambos do CPC'.
2º- Diga-se em abono da verdade, que essa não foi, certamente, o sentido acolhido no aresto impugnado. Mas se o Tribunal da Relação, só colateralmente suscitou o problema do documento de fls.21, já o Supremo na sua revista e, a despeito de lhe ser vedado conhecer da matéria de facto, veio, ao fim e ao cabo, credibilizar o erro do Tribunal da Relação, assumindo como verdadeiro um facto que disse não o ser, negando-lhe, desse modo, o apoio requerido. Salvo devido respeito, não podemos acompanhar tal decisão que, nos parece contrariar o direito legalmente aplicável e sobretudo se afigura injusta à luz da realidade dos factos que, nos autos, sobejamente se demonstram.
RESUMINDO E EM CONCLUSÃO
1º- A interpretação observada pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao art. 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo D.L. nº 84/84.16.03.,
é, no caso do impetrante, susceptível de o tornar inconstitucional, pois tal entendimento do preceito, contraria o sentido da protecção da confiança decorrente do princípio do Estado de direito democrático e recusa a protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos que modelam a nossa estrutura constitucional e se avistam, designadamente no art. 2º, al.b) do art.9º e nº 1 do art.266º CRP.
2º- Uma vez, que ao tempo da conclusão da sua licenciatura, vigorava o Estatuto Judiciário, aprovado pelo D.L. nº 4278 de 14 de Abril de 1962 e que, por via do nº 3 do seu art.542º, conferia aos licenciados em Direito, poder advogar em causa própria, cônjuge, ascendentes e descendentes.
3º- Contudo, havendo este preceito sido revogado pelo diploma que originou o novo quadro jurídico daquele organismo forense, o seu art. 74º, estabeleceu que as 'incompatibilidades e impedimentos criados pelo presente Estatuto não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior'.
4º- Ora, no novo texto, através do seu art. 53º, preconiza-se que 'só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem podem'...'praticar actos próprios da profissão'.
5º- Ou seja, em relação à lei anterior, o direito vigente gerou um novo impedimento que consiste em obrigar os licenciados em Direito, que queiram auto-representar-se em juízo, a inscreverem-se na respectiva Ordem dos Advogados. Vicissitude essa que, a nosso ver, deve aplicar-se apenas aos licenciados que, a partir da entrada em vigor daquele diploma terminaram o seu curso de direito, sendo que os anteriores o poderão fazer por força do avistado no art.74º do novo Estatuto.
6º- Porém, quando dificilmente assim não venha a ser considerado, sempre o nº 1 do art.53º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aplicável ao caso dos autos, a fim de obstar o recorrente, de neles auto-patrocinar-se, haveria de ter-se como organicamente ofensivo, face à Constituição Portuguesa.
7º- Porquanto, sendo pela Lei nº 1/84.15.02., concedida autorização legislativa ao governo por forma a legislar sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados, já que dizendo-se no seu artº 2º, que a mesma se destina a 'restruturar o exercício da advocacia de modo à completa satisfação das disposições constitucionais, nomeadamente para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos'.
8º- 'Implementar regras de deontologia profissional'... através da revisão do mecanismo disciplinar' ..e 'redefinir o âmbito das incompatibilidades e impedimentos como objectivo a assegurar a maior independência'.
9º- Se é verdade que o governo estivesse autorizado a revogar o capitulo V do pegresso Estatuto, já de harmonia com o nº 2 do art.168º da CRP 'as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, extensão...'. Por isso, não basta que genericamente se pudesse derrogar todo o capitulo relativo ao 'Mandato'. Para além disso, torna-se inconstitucionalmente necessário que seja explicitado claramente o objecto, alcance e o sentido da autorização concedida.
10º- E ao fazê-lo, jamais se declarou ali a vontade de revogar a norma face à qual os licenciados em Direito, podiam advogar em causa própria, nem da sua extensão ou alcance se extrai implícita ou explicitamente o sentido ou as razões da sua motivação. Como não se vê que a sua auto-representação brigue com as disposições constitucionais atinentes à defesa dos direitos e interesses protegidos, tendo em vista que só eles poderão beneficiados ou lesados com a sua actuação jurídica em tribunal.
11º- Sendo assim, a norma do nº 1 do art. 53º do actual Estatuto da Ordem dos Advogados, tem-se por organicamente inconstitucional, na medida em que o governo excedeu o âmbito da autorização legislativa ao extravasar os limites nela fixados pela Assembleia da República, violando desta feita, o disposto na al.c) do art. 168º da CRP.
12º- Todavia, quando isso não venha a ser reconhecido, também haverá de dizer-se que aquele preceito padece ainda de inconstitucionalidade material, visto indirectamente postergar os direitos fundamentais, de acesso aos tribunais, liberdade de expressão e ofender o princípio da igualdade e da proporcionalidade.
13º- Com efeito, nos casos onde o registo na Ordem não seja possível, em razão das incompatibilidades elencadas no art.69º do seu Estatuto, logo o direito de acesso aos tribunais fica objectiva e subjectivamente reduzido, porquanto o mesmo se vê onerado com os encargos respeitantes ao advogado, os quais podem não ser compatíveis com o pedido de apoio judiciário. Daí que tal preceituado, contenda necessariamente com a previsão estipulada no nº 2 do art. 20º da Lei Fundamental.
14º- Donde igualmente, o texto do nº 1 daquele art. 53º, venha a colidir de fronte com o direito de, perante os tribunais, poder exprimir-se e divulgar livremente o seu pensamento. Pois tendo, para o efeito de servir-se de um mediador, é óbvio que a partir daí fica refém da sua estratégia profissional que, muitas das vezes obedece a conveniência de interesses, nem sempre coincidentes com os prosseguidos, por quem como ele tem os mesmos conhecimentos técnicos sobre a matéria.
15º-De resto, não visando a natureza jurídica daquele normativo acautelar qualquer valor de interesse público, é bom de ver que objectivamente o mesmo se destina a proteger os lucros dos causídicos, assegurando-lhes a certeza de um patrocínio que, pela redacção do nº 3 do art. 542º do velho diploma, lhes era subtraído. Daí pois, que o inciso sob censura se revele ofensivo dos princípios constitucionais que enformam a ordem jurídica portuguesa, expressados no respeito pela igualdade e proporcionalidade, colhidos observados no nº 2 do art.
266º da Constituição.
16º - Para de caminho, transigir directamente com as disposições do nº 2 do art.
13º daquele mesmo diploma, já que, em ordem à categoria social ou instrução, discrimina positivamente a classe de advogados, perante outras profissões liberais, em prejuízo dos licenciados em Direito, ex-juízes e outros jurisconsultos. Sendo que por outro lado, ao limitar o acesso aos tribunais e liberdade de expressão na vertente sub judice, não tem em vista salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, desrespeitando, deste modo, nº 2 do art.18º da Lei Fundamental.
17º - Por último, diga-se que o STJ, ao atribuir nos termos do nº 2 do art.722º, conjugados com as disposições do art.729º, ambos do CPC o sentido interpretativo que se avista no acórdão, objecto de recurso, fez recair sobre ele um juízo de inconformidade constitucional, visto com tal interpretação, aquele preceituado violenta não só a doutrina do art.207º da CRP, como, recusando, com base nisso a concessão do apoio judiciário desprezou o comando constitucional do seu art.
20º.
18º - Quando é certo que, em desobediência ao postulado naquele art.729º, simultaneamente se absteve de sindicar o uso que o tribunal da Relação fez da faculdade conferida pelo nº 2 do art.722º e, em contravenção ao nº 729º, decidiu, não com fundamento na interpretação de direito, como se pronunciou a 2ª instância, mas com base numa matéria de facto, sabendo, como no aresto se afirma, erradamente interpretada.
Pelo que vem exposto, e pelo muito que Vossas Excelências, doutamente, por certo, hão-de suprir, deve declarar-se a inconstitucionalidade interpretativa dada ao art. 74º do D.L.nº 84/84.16.03, a inconstitucionalidade orgânica do nº 1 do art.53º do mesmo texto legislativo, ou quando assim não haja de entender-se, seja declarada a inconstitucionalidade material do mesmo inciso, bem assim como a inconstitucionalidade da interpretação atribuída ao nº 2 do art. 722º, equacionado com a disciplina emergente das disposições do art.729º, ambos do CPC.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
4. - Importa, antes de mais, delimitar o objecto do presente recurso.
Efectivamente, o recorrente, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, indicou com clareza e sem margem para dúvidas, quais as normas cuja conformidade constitucional pretendia que o Tribunal apreciasse: a norma do nº1 do artigo 53º do Estatuto da Ordem dos Advogados e a dos artigos 668º, nº1, alínea d), última parte e do nº2 do artigo
772º, ambos do CPC.
Porém, nas alegações de recurso que apresentou, o recorrente pretende alterar esta indicação e, agora, refere como normas a apreciar também a interpretação do artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados e a interpretação do nº2 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro.
Nos termos do que se dispõe no nº1 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro - adiante, LTC), 'o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do nº1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie', pelo que não pode o âmbito de recurso de constitucionalidade definido no requerimento de interposição ser, depois, alargado através das alegações que vierem a ser apresentadas.
De acordo com o exposto, não podem integrar o objecto do presente recurso as normas do artigo 74º, nº1, qualquer que seja a interpretação que o recorrente também não identifica, nem a norma do artigo 26º, nº2, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, uma vez que não foram identificadas no requerimento de interposição do recurso.
5. - Relativamente às normas identificadas pelo recorrente naquele requerimento, importa ainda apurar se relativamente a todas elas se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Adiante-se, desde já, que se considera não estarem verificados tais requisitos relativamente à questão da inconstitucionalidade interpretativa das normas da última parte da alínea d) do nº1 do artigo 668º e do nº2 do artigo 772º do CPC [a norma que se quer efectivamente atacar não pode ser a deste artigo, mas sim do artigo 722º, como depois se corrige nas alegações] que o recorrente pretende ver apreciada.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b) e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
Os recursos interpostos ao abrigo da referida alínea b)
- como é o caso do presente recurso - apenas são admissíveis se, juntamente com outros requisitos, estiverem cumpridos os dois a seguir identificados:
- que a inconstitucionalidade da norma tenha sido previamente suscitada pelo recorrente durante o processo, isto é, num momento em que o tribunal ainda possa conhecer de tal questão;
- que essa norma terá de vir a ser aplicada na decisão, constituindo um dos seus fundamentos normativos.
O recorrente não suscitou nas respectivas alegações para o STJ qualquer questão de constitucionalidade relativamente a estas normas.
Por um lado, o artigo 668º do CPC enumera as causas de nulidade da sentença, estabelecendo que 'é nula a sentença (...) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento'.
Por outro lado, o nº 2 do artigo 722º do CPC, determina que 'o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova'.
Como decorre claramente da transcrição das conclusões das alegações de recurso para o STJ, o recorrente não suscita nestas alegações , quanto a esta normas, qualquer questão de constitucionalidade. Tanto basta para considerar tal questão - apenas levantada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade - como não tendo sido suscitada durante o processo, pois o tribunal recorrido não podia já pronunciar-se sobre essa matéria.
Acresce que, o que recorrente pretende ver apreciado pelo Tribunal é, afinal, uma certa interpretação destas normas, pois sustenta que o STJ, no acórdão recorrido, apreciou matéria de facto de que não podia conhecer.
Ora, defender um tal entendimento é, afinal considerar que o STJ com a decisão que proferiu violou as normas em questão, o que não suscita qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Assim, não tendo o recorrente suscitado durante o processo qualquer questão de constitucionalidade relativamente às normas do artigo 668º, nº1, alínea d), última parte, e do artigo 722º, nº2, ambos do Código de Processo Civil, não se verifica um dos pressupostos de admissibilidade do recurso pelo que, nesta parte, se não conhece do objecto do recurso.
6. - Como questão a apreciar, resta, assim, a questão da constitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 53º do Estatuto da Ordem dos Advogados (adiante,E.O.A. ou, apenas 'Estatuto'), aprovado pelo Decreto-Lei nº
84/84, de 16 de Março.
O recorrente, relativamente a esta norma suscita duas questões de constitucionalidade: a sua inconstitucionalidade orgânica por desrespeito, pelo diploma autorizado - o Decreto-Lei nº 84/84 - do sentido fixado pela Lei de Autorização Legislativa e a questão da sua inconstitucionalidade material por 'ofensa do acesso ao direito, à liberdade de expressão e ao princípio da proporcionalidade e da igualdade'.
7. - O Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, foi editado ao abrigo da Lei nº 1/84, de 15 de Fevereiro. Através desta lei, foi concedida autorização ao Governo para proceder à revisão da matéria constante do capítulo V do Estatuto Judiciário «Do mandato judicial» (artigo 1º).
De acordo com o artigo 2º desta Lei de Autorização, 'o sentido essencial da legislação a criar, ao abrigo da presente lei, será o de:
(a) reestruturar o exercício da advocacia, de modo à completa satisfação das disposições constitucionais, nomeadamente para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos; (b) consolidar o sistema democrático para as eleições dos corpos directivos da Ordem dos Advogados, com base no carácter directo das mesmas; (c) implantar regras de deontologia profissional que assegurem a função social do advogado como pleno servidor da justiça e do direito, com a consequente garantia da sua aplicação, através da revisão do mecanismo disciplinar e do elenco das medidas disciplinares aplicáveis; (d) redefinir o âmbito das incompatibilidades e impedimentos, com o objectivo de assegurar a maior independência no exercício da advocacia (...).'
A norma cuja conformidade constitucional o recorrente questiona, imputando ao diploma de que ela faz parte violação da lei de autorização, tem o seguinte teor:
'Artigo 53º
(Do exercício da advocacia em território nacional)
1. -- Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial em regime de profissão liberal remunerada.'
Segundo o recorrente, o desrespeito, por parte do Governo ao elaborar o diploma autorizado resulta do facto de que 'em parte alguma se alcança minimamente o sentido revogatório da norma que concedia aos licenciados em Direito a faculdade de poder patrocinar-se nos autos que directamente são partes interessadas'.
Esta questão da inconstitucionalidade orgânica desta norma do nº1 do artigo 53º do E.O.A. foi já tratada pelo Tribunal no Acórdão nº
252/97, de 18 de Março de 1997, ainda inédito e tirado no Processo nº 656/95, em que o recorrente é o mesmo dos presentes autos.
Sobre esta questão, escreveu-se nesse aresto:
'Acontece, porém, que a norma do artigo 53º, nº1, do E.O.A., na estrita medida em que revoga implicitamente a norma anteriormente contida no artigo 524º, nº3, do Estatuto Judiciário de 1962, não constitui matéria da competência reservada da Assembleia da República.
À Assembleia da República está, obviamente reservada a matéria relativa
às associações públicas, incluindo a referente à obrigatoriedade da inscrição
(artigo 168º, nº1, alínea u), da Constituição), bem como a relativa à liberdade de escolha da profissão (artigo 168º, nº1, alínea b), da Constituição).Mas esta reserva não abrange a eliminação da faculdade concedida, em certas circunstâncias, de se exercer, de forma não profissional, uma actividade, em princípio reservada por lei a quem se encontrar inscrito numa associação pública.
Assim sendo, por se encontrar, na dimensão questionada, fora do âmbito da reserva de competência legislativa parlamentar, a norma em causa nunca poderá violar o artigo 168º, nº2, da Lei Fundamental.'
É esta posição que aqui se reitera, pelo que, quanto a este aspecto não pode deixar de improceder o recurso.
8. - No que respeita à alegada inconstitucionalidade material, o recorrente sustenta que a norma do nº1 do artigo 53º do Estatuto ofende o direito de acesso ao direito, a liberdade de expressão e o princípio da proporcionalidade e da igualdade.
Segundo o entendimento do recorrente, o nº1 do artigo
53º 'ao sujeitar os licenciados em Direito à inscrição na Ordem dos Advogados, de modo a poderem auto-representar-se, restringe de sobremaneira o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus legítimos interesses, sendo certo que nos casos onde o registo naquela organização não seja possível, face às incompatibilidades no artº 69º do seu Estatuto, logo o exercício desse direito se vê substancialmente reduzido pelo encargo dos custos dos honorários na contratação de um advogado e que nem sempre são susceptíveis de equacionar-se com a carência do apoio judiciário'.
Mais adiante, o recorrente considera que 'a proibição de um licenciado em direito auto-defender-se em juízo ou accionar os mecanismos processuais tendo em vista a protecção e defesa dos direitos, consubstancia para ele uma forma inibitória da liberdade de expressão, já que socorrendo-se de terceiros fica impedido de ser ele próprio exprimir a pureza do seu pensamento e a verdade material das razões que lhe assistem (..)'.
Portanto, constata-se que o recorrente questiona a norma do nº1 do artigo 53º do Estatuto, enquanto impede que os licenciados em direito que, ao abrigo do Estatuto Judiciário podiam representar-se em juízo - bem como ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes possam continuar a usufruir na vigência do E.O.A. de tal protecção, mesmo nas causas em que é obrigatória a constituição de advogado, assim se violando aqueles princípios constitucionais.
Mas, existirá, na verdade, violação dos referidos princípios?
A garantia da protecção jurídica é, com efeito, uma das garantias fundamentais do Estado de Direito: neste sentido, o artigo 20º da Constituição assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, impondo que a justiça não possa ser denegada por insuficiência de meios económicos (nº1), estabelecendo-se no nº2 do preceito que 'todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário'.
Determinando o nº 1 do artigo 53º do Estatuto que só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem podem praticar os actos próprios da profissão de advogado, não se descortina em que medida tal norma possa constituir qualquer restrição ao acesso ao direito e aos tribunais por parte dos licenciados em direito ali não inscritos.
É que tal medida visa garantir a prática desta actividade apenas por profissionais devidamente qualificados, após conclusão de um estágio, sob a direcção e orientação de um patrono e da própria Ordem, assegurando a devida preparação técnica e o respeito pelos princípios deontológicos da profissão.
A razão ou fundamento 'constitucional' que legitima a reserva de exercício da advocacia e do patrocínio judiciário a advogados inscritos numa ordem profissional - na qual se comportam no plano do exercício do patrocínio exigências diversas relativas à deontologia e à disciplina profissional - ,razão essa que tem a ver com o adequado funcionamento das instâncias judiciárias e, portanto, com o próprio exercício, tanto do direito á justiça, como da função judicial - é também suficiente para legitimar uma solução legal que não concede a alguém, só pelo simples facto de possuir exactamente a qualificação académica necessária à inscrição na dita Ordem, o direito de exercer a advocacia, ainda que em causa própria.
A norma do artigo 53º, nº1, do E.O.A. não contém nem uma medida restritiva nem uma limitação desproporcionada não atingindo «direitos adquiridos» que mereçam especial tutela.
A este respeito, escreveu-se no Acórdão nº 497/89 (in
'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 14º vol., pág. 241), referido no Acórdão nº 252/97, já citado e aqui seguido, de perto:
'Em primeiro lugar, não pode recusar-se que, pela sua natureza, e pela sua directa inserção no «processo» social e institucional da realização e da administração da justiça, a advocacia é uma profissão cujo exercício não dispensa uma apurada regulamentação, no tocante, quer às condições e requisitos exigidos para esse mesmo exercício, quer ao controlo da sua verificação, quer à necessidade de obediência, por parte dos respectivos profissionais, a um estrito código deontológico, quer ainda, finalmente, à tutela disciplinar da observância de tal código'
[...]
É a própria Constituição, portanto, que directamente faculta ao legislador a possibilidade de impor condições ou limites ao exercício de certas profissões - e entre tais condições, requisitos ou limites não se vê que não possa estar justamente o da inscrição obrigatória dos profissionais em causa numa associação pública «representativa» de todos eles.'
Não pode sequer considerar-se excessiva uma tal exigência, mesmo relativamente a licenciados em Direito, pois não praticando com regularidade a advocacia, não é desrazoável pensar que para uma defesa judicial eficaz dos seus direitos e interesses devam eles, também, fazer-se assistir por profissionais do foro, por si escolhidos ou nomeados em regime de apoio judiciário, para que, com a necessária competência e serenidade pratiquem os actos judiciais tendentes à boa administração da justiça. Com efeito, mesmo relativamente aos licenciados em direito (enquanto parte) se pode afirmar, com Manuel de Andrade (in 'Noções Elementares de Processo Civil', pg.85) que 'às partes faltaria a serenidade desinteressada (fundamento psicológico) [...] que se fazem mister para a boa condução do pleito'.
O acesso ao direito e aos tribunais está, assim, inteiramente garantido: o primeiro, através do direito ao patrocínio judiciário, consagrado no nº2 do artigo 20º da Constituição e que integra e constitui uma dimensão da garantia de protecção jurídica; o segundo, sempre que as leis de processo assim o imponham, através da constituição de mandatário judicial, o qual pode também ser obtido, caso as circunstâncias económicas o justifiquem, através do expediente do apoio judiciário, que como vimos é constitucionalmente garantido e está regulado na nossa lei por forma muito generosa.
Assim, a exigência de inscrição na Ordem dos Advogados dos licenciados em Direito que quiserem auto-representar-se, em causas para as quais se exija a constituição de advogado, decorrente do nº1 do artigo 53º do respectivo Estatuto, não podendo situar-se quaisquer eventuais expectativas de auto-patrocínio em plano superior ao dos interesses que se visa garantir com a inscrição obrigatória na respectiva Ordem, pelo que não viola o artigo 20º da Constituição.
9. - A norma questionada vem também acusada de violar a liberdade de expressão por, ao não permitir que os licenciados em direito se auto-representem em tribunal para defesa dos seus direitos, a não ser que estejam inscritos na Ordem dos Advogados, impedir que seja o próprio 'a exprimir a pureza do seu pensamento e a verdade material das razões que lhe assistem', tendo de se socorrer de terceiros, sem a necessária eficácia.
Se é certo que o artigo 37º da Constituição consagra o direito à liberdade de expressão e informação: todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, não é menos certo que não se vê um fundamento válido para, nesta perspectiva, tratar os licenciados em direito de forma diferente da de qualquer outro cidadão que tenha de recorrer a um advogado para o representar em juízo.
Ainda que alguém possa sustentar que o facto de a parte, num processo em que é obrigatória a constituição de advogado, ter de se exprimir através deste, constitua alguma constrição da sua originária liberdade de expressão, porém, nem esta liberdade é violada nem sequer se pode falar de qualquer restrição.
Desde logo, não pode deixar de se reconhecer que se está perante um caso em que o exercício do direito de exprimir e divulgar o respectivo pensamento tem de verificar-se em termos institucionais. Com efeito, num processo judicial o uso da liberdade de expressão não pode deixar de estar orientada para a finalidade última do próprio processo: a realização da justiça e não para dar satisfação a 'angústias e motivações pessoais' das partes. A boa administração da justiça é certamente mais eficazmente realizada sempre que as partes dispõem para intervir em tribunal de representantes profissionais do foro, qualificados, competentes e com experiência, não sendo aqui relevante - e sendo até mais do que compensado - o facto de a parte ter de transmitir ao mandatário as suas ideias e os factos essenciais ao processo em vez de as poder expressar ela própria, sempre que seja obrigatória a constituição de advogado.
Assim, a admitir-se que o artigo 37º da Constituição pode ser aqui fundadamente invocado, não ocorre, por efeito do º1 do artigo 53º, do E.O.A. qualquer violação ou restrição relevante do direito à liberdade de expressão.
10. - Por último, decorre de tudo quanto fica exposto que a solução constante da norma questionada não viola o princípio da proporcionalidade - não é uma solução nem excessiva nem arbitrária nem desrazoável -, não violando também o princípio da igualdade, porquanto na dimensão normativa questionada nos autos - causas em que é obrigatória a constituição de advogado - todas as partes estão em igualdade de circunstâncias, quer se trate de licenciados em direito não inscritos na Ordem quer de qualquer outro cidadão, não ocorrendo também qualquer situação de privilégio de uma classe, pois apenas se procura alcançar pela forma mais eficaz e completa os interesses da realização e da administração da justiça.
Assim, não existindo, no caso, violação de qualquer norma ou princípio constitucional,o presente recurso não pode proceder.
III - DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso na parte relativa
às normas dos artigos 668º, nº1, alínea d), última parte e 722º, nº 2, ambas do Código de Processo Civil;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.
Lisboa, 1997.o4.17 Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma (com declaração de voto) Declaração de voto
Acompanhando a decisão constante deste Acórdão, tenho algumas reservas quanto à respectiva solução. É duvidoso que a Constituição admita entraves ao exercício em causa própria das funções correspondentes ao patrocínio judiciário, pelos licenciados em Direito. Na verdade, entendo que do artigo 20º, nº 1, da Constituição, deriva um direito de defesa que não permite, liminarmente, excluir a auto-defesa nem impor o patrocínio judiciário por advogado.
Todas as restrições ao exercício da advocacia se baseiam no interesse público num procedimento técnica e moralmente adequado à realização da justiça e não perturbador do funcionamento dos tribunais. Ora, é discutível que tal interesse não se realize quando um cidadão com os conhecimentos técnicos e dos valores do Direito derivados de uma licenciatura de cinco anos, ou eventualmente portador de um grau académico superior, mas não inscrito na Ordem, exerça em causa própria a advocacia. E isto torna-se mais claro se tivermos em consideração que não é vedado o exercício da advocacia em causa própria a certas profissões jurídicas, dispensando-se, então, a inscrição na Ordem dos Advogados.
Assim, a proibição do exercício da advocacia em causa própria por um licenciado em Direito não inscrito na Ordem dos Advogados dificilmente será sustentada num indiscutível interesse público material. As Faculdades de Direito têm um papel preponderante na transmissão das leges artis, englobando-se nestas não só os conhecimentos técnicos como também os conhecimentos valorativos de que depende o adequado exercício futuro da advocacia. No essencial, a exigência de inscrição na Ordem, precedida de um processo de formação e estágio, visa assegurar um correcto desenvolvimento da relação entre o advogado e o cliente que está fora de causa no exercício em causa própria.
É claro que se pode ainda acrescentar que a exigência de inscrição na Ordem dos Advogados tem também por finalidade assegurar uma correcta inserção do advogado no sistema de administração de justiça. Por isso, acompanhei a decisão deste Acórdão. As minhas dúvidas resultam, no entanto, do carácter pontual do exercício da advocacia em causa própria por um licenciado em Direito, que não põe em causa, globalmente, a dignidade do sistema.
José Manuel Cardoso da Costa