Imprimir acórdão
Proc. nº 80/96
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O Tribunal Cível da Comarca de Lisboa julgou improcedente a acção de simples apreciação que A. e B. intentaram contra C. e outros, no sentido de aos primeiros ser reconhecido contrato de arrendamento para habitação de prédio urbano da propriedade dos segundos.
Os autores recorreram da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, não havendo, em nenhum momento das alegações, suscitado qualquer questão de constitucionalidade.
O Tribunal da Relação de Lisboa condenou os recorrentes por litigância de má fé e negou provimento ao recurso.
Os autores interpuseram, então, simultaneamente, dois recursos: um, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça; e outro, de constitucionalidade, para o Tribunal Constitucional.
Em despacho de 18 de Abril de 1995, o Desembargador Relator não recebeu o recurso de revista, que considerou inadmissível em razão do valor da acção. E, quanto ao recurso de constitucionalidade, convidou os recorrentes a indicarem o fundamento por que recorriam.
A. disse, em resposta, que o recurso 'assenta na violação do disposto nos artigos 2º, 661º e 668º do C.P.C. e artigos 2º, 3º, 13º, 18º, 20º,
22º e 65º todos da Constituição da República'. Ao mesmo tempo, juntou alegações que concluiu assim:
'
1ª
Se a sentença recorrida, para além da injustiça, cometeu erros de direito, o douto acórdão recorrido cometeu violações da Constituição, cuja reparação se impõe.
2ª
O direito de acesso aos tribunais, é um direito fundamental, assim como todos os cidadãos têm igual dignidade (...). Pelo menos constitucional.
3ª
O direito de habitação é um direito fundamental, e a sua negação não pode ser feita com violação de comandos constitucionais.
4ª
O douto acórdão recorrido violou o comando dos artºs 2º, 661º e 668º do CPC. Violou o comando 2º, 3º, 13º, 18º, 20º e 22º, todos da CRP.
5ª
Pelo que se requer a declaração de inconstitucionalidade do acórdão recorrido'.
O requerimento de interposição do recurso foi indeferido, em despacho de 7 de Junho de 1995:
'1 - A fls. 194 veio a Apelante A. apresentar 'recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional por denegação do direito à Justiça' (sic)
Tendo sido convidada a indicar o fundamento porque pretendia recorrer para o Tribunal Constitucional, veio, em requerimento de 28 de Abril, a Apelante indicar que os fundamentos do seu recurso assentavam na 'violação do disposto nos arts. 2º, 661º e 668º do CPC e dos arts. 2º, 3º, 13º, 18º, 20º, 22º e 65º da Constituição da República Portuguesa'.
2 - Nos termos do nº 1 do art. 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o recurso para o Tribunal Constitucional é interposto por
'requerimento, no qual indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie'.
Do exposto em 1 resulta que a Recorrente A. não satisfez os requisitos da indicação daquela alínea, bem como da (ou das) norma que reputa de inconstitucional (sendo, de resto, visível das alegações que já juntou, que ela apenas visa uma reapreciação da questão julgada).
Além disso, parecendo-nos que ao caso em apreço só poderiam caber as situações previstas nas alíneas b) e f) do nº 1 daquele art. 70º, a Recorrente também não indicava as peças processuais em que teria suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de qualquer uma das normas aplicadas na sentença (verifica-se, pela análise dos autos, que nem nas alegações para este Tribunal, nem noutra peça processual, se suscita a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica).
Ora exigindo-se no nº 2 do mencionado art. 75º-A da Lei nº 28/82 citada que, no caso de o recurso se fundar nas mencionadas als. b) ou f), se indiquem as peças processuais em que a questão é suscitada, constata-se que também esta exigência não foi respeitada pela Recorrente'.
Deste despacho vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional. Em conclusões, a reclamante sintetiza-a assim:
'
1ª
O douto despacho reclamado por violador do direito constitucional de recorrer, é susceptível de reclamação, nos termos do nº 4 do artº 76 da Lei
28/82.
2ª
O direito de acesso aos tribunais, é um direito fundamental, assim como todos os cidadãos têm igual dignidade Constitucional. Pelo menos Constitucional.
3ª
O direito de acção e anulação de comando ilegal, é um direito constitucional, e o douto despacho reclamado viola a CRP e a lei 28/82 invocando fundamentos não previstos na lei para indeferir o recurso.
4ª
O douto despacho recorrido violou o comando dos artºs. 2º, 3º, 13º,
18º, 20º e 22º todos da CRP e artº 70 e 76 da Lei 28/82.
5ª
Pelo que se requer a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, devendo o recurso ser aceite, nos termos do previsto nos artºs 70, 76 nº 2 e 4 da Lei 28/82'.
O Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
II - É manifesto que o recurso de constitucionalidade que se pretende interpor não pode ser admitido.
Desde logo, a reclamante não suscitou nunca no processo, antes e depois do acórdão da Relação de Lisboa, uma qualquer questão de constitucionalidade normativa.
A questão de constitucionalidade - que verdadeiramente o não é, pois que não vem articulada por forma adequada e compreensível - é referida tão-só ao acórdão recorrido, da Relação de Lisboa.
Isso é suficiente para que se não admita o recurso de constitucionalidade. É que o Tribunal Constitucional tem a própria competência confinada ao controlo de normas que não de decisões. No enunciado do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, está expressa a delimitação dos seus poderes de controlo: são as normas e não as decisões que estão aptas à fiscalização de constitucionalidade (cf. os acórdãos nº. 442/91 e nº 2/96, D.R., II Série, de
2-4-1992, e de 17-4-1996, respectivamente).
Como bem observa o Sr. Desembargador Relator no despacho que não admitiu o recurso, verdadeiramente o que se pretende é 'uma reapreciação da questão julgada' e não um controlo de norma ou normas.
Para mais, a reclamante, convidada a aperfeiçoar o requerimento por que pretendia interpor recurso, não observou o que se determina no artigo 75º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
A reclamação é, pois, manifestamente improcedente.
III - Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta.
Lisboa, 17 de Abril de 1997 Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Luís Nunes de Almeida