Imprimir acórdão
Proc. nº 815/95
1ª Secção Cons: Rel. Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. No Tribunal de Polícia de Lisboa, a Sociedade E... Lda. impugnou a decisão que em processo de contra-ordenação pendente na Câmara Municipal de Lisboa lhe determinou uma coima de Esc. 840.000$00. Mas fê-lo para além do prazo legal, contado da efectiva notificação daquela decisão, pelo que o recurso não foi admitido, com fundamento de intempestividade.
A E... recorreu, então, para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando a questão de constitucionalidade das 'normas aplicadas no despacho recorrido que sustentam a não aceitação da impugnação da coima', que confrontou com o artigo 32º da Constituição da República. A Relação de Lisboa, em acordão de 12 de Janeiro de 1993, negou provimento ao recurso, e a mesma sociedade pretendeu ainda recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Mas sem êxito, pois que aquela decisão foi julgada para aí inecorrível. O processo foi remetido ao Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa e a E... interpôs, então, um primeiro recurso de constitucionalidade, com invocação do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e delimitou-lhe o objecto na
'interpretação das normas do regime jurídico das notificações postais', feita pela decisão recorrida. Além disso, a E... suscitava, ainda perante o Tribunal de Pequena Instância, outras questões, dentre elas, a da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
E da decisão do Tribunal de Pequena Instância, de 30 de Dezembro de
1994, recorreu de novo para a Relação de Lisboa que, em acordão de 4 de Julho de
1995, não tomou conhecimento do recurso, considerando que a discussão da prescrição do procedimento estava precludida pelo inêxito do recurso jurisdicional. Foi, depois, requerida aclaração desse acordão e indeferida. A E... Lda. interpôs, então, um segundo recurso de constitucionalidade. Desta vez, impugnava as normas do Código de Processo Civil integrantes do instituto do caso julgado, na interpretação da decisão recorrida.
2. No Tribunal Constitucional, o recorrente foi solicitado a dar as indicações a que se refere o artigo 75º-A, da Lei nº 28/
82, de 15 de Novembro. Do primeiro recurso disse que a norma impugnada era a do artigo 59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, 'interpretada como não lhe sendo aplicável o regime jurídico do D.L. 121/76, de 11 de Fevereiro, no caso concreto dos autos'. Do segundo recurso disse que as normas impugnadas eram as 'dos artigos 497º, 498º, 671º e seg. do Código de Processo Civil, ou seja, as regras que regulamentam o instituto do caso julgado em processo civil, interpretadas como sendo de aplicação à decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação', mesmo na pendência de recurso para o Tribunal Constitucional. O recorrente, disse ainda, que esta questão não havia sido suscitada durante o processo, pois que era de todo imprevisível.
Alegaram depois o recorrente e o Ministério Público. O primeiro, mantendo as questões que antes suscitara e o segundo, pronunciando-se no sentido da não procedência dos recursos.
II. A questão de constitucionalidade da norma do artigo 59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Inscrito no Capítulo IV [recurso e processo judiciais], o artigo 59º determina no nº 3 que 'o recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 5 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões'.
No caso, a recorrente foi notificada da decisão administrativa que lhe cominou uma coima, por carta registada com aviso de recepção. O acordão recorrido da Relação de Lisboa considerou aqui que o prazo para impugnar essa decisão se contava da data em que foi assinado aquele aviso e que, assim, não era aplicável ao caso o regime de notificações postais estabelecido no Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro [Este Decreto-Lei prevê como meio de notificação o simples aviso postal registado, sem a exigência de aviso de recepção, pelo que presume feita essa notificação no terceiro dia útil posterior ao do aviso postal].
A questão de constitucionalidade é a de saber se a norma do artigo
59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicada enquanto tal, isto é, fazendo reconhecer que a notificação se tem como feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção - afastando, assim, do caso a presunção do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro - põe por qualquer modo em causa as garantias de defesa do destinatário de decisão administrativa. Ou seja, se aquela norma envolve um 'menos de garantia' relativamente ao regime do Decreto-Lei nº 121/76.
Ora, como é claro, a funcionalidade da presunção estabelecida pelo Decreto-Lei nº 121/76 - que diz que 'é abolida a exigência de avisos de recepção para as notificações' e que 'todas as notificações e avisos efectuados nos termos dos números anteriores se presumem feitos no terceiro dia posteriror ao do registo', é a garantia da certeza de que a notificação se efectivou, ali onde não há aviso de recepção - certeza que está assegurada quando a notificação é feita por esse meio. E é isto que se dá nos pressupostos do artigo 59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, aqui em análise: Como é claramente sugerido pela norma, o que releva é o conhecimento real da notificação pelo arguido - o qual se assegura, neste caso, com o aviso de recepção.
Como lembra o Sr. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional,
'(...) O regime estatuído no nº 3 do artigo 1º [do Decreto-Lei nº
121/76] não se destina, pois, a ampliar os prazos processuais das partes - mas tão-somente - e porque não há nos autos qualquer documento que certifique a data da efectiva recepção do expediente postal pelos seus destinatários - a
'presumir' que, em regra, a demora na sua efectiva entrega não terá excedido três dias.
É evidente que - nos casos em que tiver funcionado um sistema garantístico mais completo, traduzido na exigência de aviso de recepção no expediente postal que incorpora as notificações judiciais, estando consequentemente documentada nos autos e efectiva recepção de tal expediente pelo destinatário e certificada a data em que a mesma teve realmente lugar - se configuraria, pelo menos, como insólito substituir tais datas 'reais' e certificadas pela 'ficção' decorrente da presunção legal e contida no citado nº
3'(...).
E, assim, conclui-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma do artigo 59º, nº 3, com o sentido em que vem impugnada.
III. A segunda questão de constitucionalidade, das normas dos artigos 497º, 498º, 671º e segs. do Código de Processo Civil, sobre o caso julgado, foi suscitada no sentido em que a decisão administrativa não podia ter-se como definitiva ou 'transitada', já que estava pendente um recurso de constitucionalidade do acordão da Relação [que decidira não tomar conhecimento da impugnação daquela decisão, por extemporaneidade da mesma impugnação].
Decidir desta segunda questão de constitucionalidade só seria útil se se respondesse afirmativamente à primeira, isto é, se se julgasse inconstitucional a norma aplicada no acordão da Relação de Lisboa, que confirmou o não conhecimento da impugnação da decisão administrativa.
A verificar-se essa hipótese , então teríamos que discutir o problema da consolidação de uma decisão que está ainda pendente de um recurso jurisdicional. Mas perante a confirmação da regularidade dos pressupostos do não conhecimento da impugnação dessa decisão, induzida pelo julgamento da questão de
constitucionalidade do artigo 59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, ela torna-se mesmo definitiva. Reabri-la, é, agora, impossível. Pelo que não se toma conhecimento do segundo recurso de constitucionalidade, por inútil.
IV. Nestes termos, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma do artigo 59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, assim negando provimento ao primeiro recurso de constitucionalidade.
b) não tomar conhecimento do segundo recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 5 de Março de 1997 Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa