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Proc. nº 372/95
1ª Secção Cons: Rel. Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. 1. No Supremo Tribunal de Justiça, o juiz de direito J... interpôs' recurso contencioso dos actos eleitorais relativos aos vogais do Conselho Superior de Magistratura a que se reporta o artigo 137º, nº 1, alínea c), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho' e ' da votação a que se procedeu no (...) dia 17-02-95, no âmbito das eleições a que se refere o aviso do Conselho Superior de Magistratura, publicado no Diário da República, II Série, nº 290, de
17-12-94'. O recorrente suscitou, então, a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 17º, 3º, nº 1, 14º, 21º, 24º, nº 1, 27º, nºs 1, 2 e 3, e 38º do Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura, que confrontou com os artigos 115º, nº 7, e 167º, alínea j), da constituição da República [redacção da Lei da Revisão Constitucional de 1989].
O Supremo Tribunal de Justiça, em acordão de 24 de Fevereiro de
1995, decidiu não tomar conhecimento do recurso. Em três 'questões prévias', o acordão afirmou que: primeiro, não estava devidamente identificada a entidade recorrida, que, em boa verdade, seria a Comissão de Eleições e não o Conselho Superior da Magistratura; segundo, que a votação não constituia, em si mesma, um acto administrativo definitivo e executório; e, terceira, que o recorrente não tinha um interesse directo, pessoal e legítimo na impugnação do acto. E formulou sobre tudo isso a seguinte conclusão: 'Em síntese: o presente recurso contencioso não tem cabimento relativamente à votação que visa anular e o recorrente não possui legitimidade para pedir tal anulação.'
O recorrente arguiu, depois, a nulidade desse acordão, entre outros fundamentos, por omissão de pronúncia. A omissão de pronúncia - dizia - estava em que o Tribunal não o ouvira, a ele mesmo, recorrente, nem ao Ministério Público sobre a questão prévia da ilegitimidade, suscitada pela recorrida.
E foi no requerimento de arguição de nulidade que o recorrente suscitou a seguinte questão:
'(...) Uma vez que foi levantada pelo órgão recorrido questão que obste ao conhecimento do recurso, nunca este podia ser decidido sem a audiência prévia do recorrente e do Ministério Público.
Aliás, tendo o recorrente invocado a inconstitucionalidade do Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura, o Acórdão de 24.2.95, sem curar da questão, assenta a ilegitimidade activa no disposto no artº 20º, nº 2, do mesmo Processo Eleitoral do Conselho Superior de Magistratura.
A audiência prévia do recorrente visa garantir o princípio do contraditório, cuja salvaguarda o Acórdão do Tribunal Constitucional (2ª Secção) nº 222/90, de 20 de Junho, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 398, págs.
224 e seguintes, considera ser 'uma exigência comum, decorrente da garantia do artigo 2º, nº 1, da Constituição, e da noção de um due process of law, ínsita na própria ideia de Estado de direito democrático' - pág.233.
A razão de ser para a preterição do princípio do contraditório parece assentar no prazo de 48 horas previsto no artº 145º da Lei nº 21/85, de
30 de Julho, o que resulta até da circunstância de os prazos assinados ao Conselho Superior da Magistratura e ao Ministério Público o terem sido em horas
- vide despacho inicial.
Daí que se afigure inconstitucional, por violação do disposto no artº 20º, nº 1, da Constituição, a interpretação acolhida no Acórdão de 24.2.95, do segmento constante do artº 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, '[...] decidido, pela secção prevista no artº 168º, nas quarenta e oito horas seguintes
à sua admissão', no sentido de se ter decidido questão nova para o recorrente
(as questões prévias), sem que este tenha tido a possibilidade de contraditar as razões invocadas pelo órgão recorrido, e sem que o Ministério Público sobre as mesmas se tenha pronunciado, de acordo com as competências que lhe são atribuídas pelo artº 221º, nº 1, da Constituição, usando dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo artº 27º, alínea c), d) e e), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, aplicável ao caso sub judice por força do artº 178º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acordão de 3 de Maio de 1995, indeferiu a arguição de nulidade. Sobre o fundamento de omissão de pronúncia que suscitara a questão de constitucionalidade do artigo 145º da Lei nº 21/85, de 30 Julho, disse:
'(...) 3. Quanto àquilo que o recorrente, impropriamente, designa por omissão de pronúncia:
Aplica-se ao caso o disposto no nº 3 do artº 173º da Lei nº 21/85, segundo o qual a questão da legitimidade, como a da extemporaneidade ou da ilegalidade manifesta do recurso, se pode decidir sem prévia audição das partes, contrariamente ao prescrito nos artºs. 54º e 57º do Decreto-Lei nº
267/85 de 16.VII, que aqui é inaplicável, por aquela Lei conter regulamentação própria.
Aliás, o princípio do contraditório foi assegurado, na medida em que, logo na petição, o recorrente focou a sua legitimidade, pretendendo fundá-la na invocada condição de eleitor inscrito e de votante, assim como no direito constitucional de acesso aos tribunais, em termos que o acórdão viria a rejeitar. E o Ministério Público emitiu oportunamente o seu parecer, fazendo expressa referência ao artº 173º da mesma Lei, que precisamente trata das questões prévias' (...).
2. Das duas decisões vem interposto recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O recorrente delimita o objecto do recurso na norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura , e na norma do artigo
145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, com a interpretação do acordão de
24.02.1995 [sobre que arguira nulidades]. A primeira norma confrontou-a com os artigos 115º e 167º, alínea j) da Constituição; a segunda, com os artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 5, da Constituição.
3. A questão de constitucionalidade da norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho da Magistratura não foi suscitada previamente ao acordão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Fevereiro de 1995, aquele mesmo que decidiu não conhecer do recurso interposto pelo recorrente. Mas, na circunstância concreta do processo, também não tinha que sê-lo. É que a questão da legitimidade e a regularidade constitucional da norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral, não fazia parte do debate que se vinha estabelecendo em torno da pretensão do recorrente. O recorrente 'acautelara' por isso, a aplicação das normas que tinha por controversas, que eram as normas convocáveis para a 'solução substantiva' daquela pretensão, mas não acautelara a aplicação de uma norma processual em que, naturalmente, assentara a sua convicção de legitimidade.
Ora, foi precisamente a norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, que o Tribunal Constitucional, no acordão nº 262/97, D.R., II Série, de 1.07.1997, julgou inconstitucional, quando interpretada no sentido de não conceder legitimidade para recorrer aos magistrados judiciais dotados de capacidade eleitoral activa e passiva que não sejam candidatos ou mandatários das listas concorrentes, por violação dos artigos 115º, nº 5, e 167º, alínea j), da Constituição (redacção da Lei de revisão Constitucional de 1989). E é a jurisprudência desse acordão que aqui se reitera.
4. A resposta à questão de constitucionalidade da norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral, bem pode ter-se como prejudicando a análise subsequente da norma do artigo 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, que determina que 'o recurso contencioso dos actos eleitorais é interposto, no prazo de quarenta e oito horas, para o Supremo Tribunal de Justiça e decidido pela secção prevista no artigo 168º, nas quarenta e oito horas seguintes à sua admissão', pois que se liga à questão da legitimidade do recorrente. Esta circunstância torna desnecessário averiguar qual o relevo que para o recurso relativo à mesma norma do artigo 145º da Lei nº 21/85 poderia ter o facto de o Supremo Tribunal de Justiça afirmar que se fundou antes num outro lugar dessa lei, o artigo 173º, nº 3.
III. Nestes termos decide-se:
a) - Julgar inconstitucional a norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, por violação dos artigos 115º, nº 5, e 167º, alínea j), da Constituição (redacção da Lei de Revisão Constitucional de 1989), concedendo provimento ao recurso interposto do acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1995, que deve ser reformado em harmonia com o julgamento da questão de constitucionalidade.
b) - Não conhecer do recurso quanto à norma do artigo 145º da Lei nº
21/85, de 30 de Julho, por inutilidade.
Lisboa, 5 de Março de 1998 Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa