Imprimir acórdão
Processo n.º 168/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão:
«1. O recorrido intentou uma ação contra os ora recorrentes, a qual veio a ser julgada parcialmente procedente por sentença da 1.ª Vara Cível de Lisboa. Esta decisão condenou os réus no pagamento de uma indemnização por conduta ofensiva dos direitos à honra à reputação e à imagem do Autor, não justificada pelo exercício do direito de informação.
Os réus interpuseram recurso desta decisão para a Relação de Lisboa, a qual lhes concedeu parcial provimento, tendo alterado o montante das indemnizações em que foram condenados. Novamente inconformados, interpuseram recurso principal para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o autor deduzido recurso subordinado. Por acórdão de 19 de janeiro de 2012, foi negado provimento às revistas e mantida a decisão proferida pela Relação.
2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
“(…)
A.; B. e C., RR nos autos à margem referenciados vêm os mesmos interpor recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no dia 19.01.2012, nos termos do disposto nos artigos 70º n.º l, alínea b); 71º n.º 1 e 72º n.º l alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional e que se digne a admiti-lo, seguindo-se os demais termos.
Indicam-se de seguida os preceitos cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie e que foram aplicados no Acórdão em recurso:
Código Civil: Arts. 483º, 494º, 496º-3 e 8º-3
Lei de Imprensa: Art.3º
Estatuto do Jornalista: Artº 14º
Segue a lista dos preceitos constitucionais cuja violação material teve lugar por aplicação no Acórdão dos preceitos legais referidos:
– Artº 37º n.ºs 1 e 2 da C.R.P.
– Artº 38º n.º l e 2 da C.R.P.
– Art.º 2º da C.R.P.
– Art.º 20º da C.R.P.
Refere-se ainda que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelas ora recorrentes nas alegações apresentadas no tribunal de 1ª instância no recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa (pag. 25) e nas alegações apresentadas no Tribunal da Relação de Lisboa – Recurso de Revista (cfr. Pag. 31).”
3. O recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), e como tal foi admitido no tribunal a quo. Não pode, no entanto, conhecer-se do seu objeto, uma vez que não se encontram preenchidos os respetivos requisitos.
Nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe recurso de constitucionalidade das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O interessado tem o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do art.º 72.º da LTC).
No caso, verifica-se que os recorrentes não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao contrário do que afirmam no seu requerimento do recurso. Limitaram-se a alegar que a sua conduta se enquadrou dentro dos limites do direito constitucional à informação previsto no artigo 37.º, n.º 1 da Constituição (cfr. n.ºs 120 a 125 da alegação do recurso de revista). Porém, esta mera afirmação de ter agido no exercício de um direito fundamental, não é suficiente para assegurar o recurso para o Tribunal Constitucional em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. Sendo o objeto (material) do controlo de constitucionalidade por parte do Tribunal as normas jurídicas de que as decisões dos demais tribunais façam aplicação e não essas decisões em si mesmas consideradas, é indispensável que se confronte o tribunal de cuja decisão se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional com a pretensão de recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, a um critério normativo claramente identificado. Dito de outro modo, é necessário que o modo como se coloca a questão convoque o tribunal da causa a exercer o poder conferido pelo artigo 204.º da Constituição. Ora, nas alegações do recurso de revista, designadamente nas passagens que os recorrentes referem no requerimento de interposição do presente recurso, não se imputa desconformidade à Constituição por parte de qualquer norma ou interpretação normativa minimamente identificada.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar os recorrentes nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça.»
2. Os recorrentes reclamam nos termos seguintes:
«(…)
Do Direito de Liberdade de expressão e informação e do direito à honra
15. Prescrevem os n.ºs 1 e 2 dos artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa o seguinte:
Art.º 37º da CRP” 1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimento e discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.”
Art.º 38º da CRP” 1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários, bem como a intervenção dos primeiros na orientação ideológica dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas, sem que nenhum outro setor ou grupo de trabalhadores possa censurar ou impedir a sua livre criatividade(..)”
16. Face ao teor do preceito constitucional, artigo 37.º resulta claro que se encontram reconhecidos dois direitos distintos o direito de expressão do pensamento e o direito de informação, por meio do qual é reconhecido a todos os cidadãos o direito de expressar as suas ideias ou opiniões e por outro lado o direito de livremente recolher e transmitir as informações.
17. Porquanto, é constitucionalmente reconhecido o direito de não ser impedido de exprimir-se, o qual representa uma componente da clássica liberdade de pensamento, que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural.
18. Com efeito, aos recorrentes parece que desde o momento em que foi proferida decisão na primeira instância, as instâncias superiores quase que, com o devido respeito, ficaram “espartilhadas” na forma como ajuizaram a conduta dos recorrentes e interpretaram os factos e ainda na forma como subsumiram os factos às normas legais que foram chamadas à colação para resolver o presente lítigio. Ora vejamos,
19. Tal como tem vindo a ser sustentado pelos ora Reclamantes a decisão acerca do presente litígio implicava, com o devido respeito, uma leitura objetiva e desapaixonada dos textos que foram da responsabilidade dos recorrentes e ainda aquando da leitura dos textos teriam de ter sido interpretados sem atender a quem era a pessoa visada pelos mesmos, isto claro está, no momento da interpretação do teor das afirmações.
20. Tal forma de ler e interpretar os textos em causa era quanto aos recorrentes obrigatória, como forma de ser ajuizado o facto apriorístico de toda e qualquer decisão, o qual era, se do teor dos textos resultava ou não qualquer tipo de imputação feitas pelos ora recorrentes.
21. Tal tarefa, no entender dos Reclamantes não se logrou nas diversas instâncias pelas quais os presentes autos foram passando e a ter sucedido essa realidade então os ora Reclamantes entendem que os seus direitos de liberdade de expressão e pensamento foram ofendidos e tem sido sempre esta a posição por estes assumida nestes autos.
22. Por conseguinte, o juízo de valor vertido na conclusão constante da decisão do STJ segundo a qual, passamos a transcrever: “Na verdade, estando em causa o eventual plágio, de uma das obras mais reconhecidas e prestigiadas da literatura portuguesa contemporânea, traduzida em diversos países e com várias edições – o romance Equador – da autoria de um prestigiado e reconhecido escritor além de claramente ilícita, eticamente reprovável, porque contrária a um dever de verdade e de honestidade e lesiva dos direitos autorais, não parece que se possa duvidar que a informação sobre o aludido plágio prosseguia um interesse público e legítimo(...) conduz a uma decisão nula por violar o principio constitucional da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, porquanto;
23. A decisão em si encerra uma das formas pelas quais a censura pode ser exercida, ou seja, reprimindo-se textos jornalísticos desta natureza através de condenações ao pagamento de quantias económicas elevadíssimas como a que foi aplicada aos RR nestes autos, tendo sido o meio de o Autor fez uso para conseguir reprimir e evitar que notícias deste género sejam publicadas Pelos mesmos.
24. Acontece porém que, a conduta a que o Acórdão apelidada de “claramente ilícita, eticamente reprovável, porque contrária a um dever de verdade e de honestidade e lesiva dos direitos autorais “, não foi cometida pelos RR mas sim por terceiros que por se terem refugiando no anonimato, nada lhes foi assacado ou imputado.
25. Ao invés, os RR, ora Reclamantes que não imputaram o plágio ao A., foram utilizados pelo A. como “bodes expiatórios” e os tribunais comuns, com o devido respeito, deixaram-se levar por toda esta “cabala” artístico-intelectual
26. Mais adiante o Acórdão do STJ, diz o seguinte: “Na verdade desde logo qualquer cidadão lendo o título da capa da revista: “Acusações de plágio. Descubra os parágrafos que inspiraram D.”) e o índice da mesma publicação: “Plágio? D. foi acusado de copiar passagens de … para o seu …”, ficaria a suspeita da prática de plágio pelo autor(...)”
27. Ora, tal conclusão acaba também por dar azo a uma decisão ferida de inconstitucionalidade, na medida em que, uma vez mais interpreta mal a realidade e a justiça do caso em concreto por contender com os direitos e liberdades dos Reclamantes, como sejam a liberdade de pensamento; de expressão e de informação.
28. Desde logo por que, a suspeita de o A. ter praticado plágio não foi, volta-se a frisar, da autoria dos RR e por outro lado, nem a frase em questão deve ser interpretada como o foi pelo julgador, mas sim,
29.Que os RR fizeram notícia do facto de alguém ter afirmado que havia sido cometido plágio pelo D., cuja origem por ter sido desconhecida de toda a gente, conduziu a que tivesse sido de todo impossível aos RR revelar qual tinha sido a fonte de tal “boato”, aliás, diga-se em abono da verdade que pela forma como se encontra escrita tal frase, dá mesmo para se depreender e concluir que os RR não se revêem em tal afirmação.
30. E mesmo que assim não fosse existe um diploma legal que protege as “fontes” jornalísticas. Aliás se assim não fosse, muitas das notícias que envolvem figuras de destaque nunca seriam publicadas, uma vez que se as fontes não forem protegidas poucas pessoas, por medo, ousavam revelar verdades inconvenientes.
31. Porquanto, face à ausência do conhecimento do responsável por tal afirmação, deixa de ser lógica a conclusão feita pelo STJ segundo a qual “Atente-se no plural das acusações e omissão da sua origem. No índice, a afirmação de que o autor foi acusado de copiar sem qualquer identificação sobre a proveniência das referidas acusações.)(...)
32. Uma vez mais é passível de se denotar um certo tipo de censura, desajustada e desproporcional quando é feita pelo STJ a referência ao título do artigo “(...) (Esta Noite o Equador) na medida em que tal título foi fruto de um ato de criatividade cujo bom ou mau gosto se pode discutir é certo, e tal é legítimo, por que vivemos numa sociedade onde existe liberdade de escrita de pensamento e num Estado/sociedade onde se é livre para exercitar o espírito e fazer criação artística.
33. Porém, assim não será se sempre que alguém escreva ou fale sobre outrem que já atingiu determinado patamar da “fama”, haja “cobertura” para levar a cabo manobras de censura como as do tipo que o A. usou para com os RR. e que, ao ser proferida a condenação que veio a ser infligida aos RR e confirmada pelo STJ teremos como resultado o estar-se a atingir o objetivo de censurar comentários que sejam feitos acerca de personalidades, limitando-se o direito de divulgar ideias e opiniões que tenham sido tecidas por terceiras pessoas.
34. O tema que girava em tomo das acusações de plágio feitas de forma anónima, eram alimentadas nos meios literários e jornalísticos sem que, no entender dos Recorrentes, tivessem sido dados os ingredientes necessários para que o cidadão médio, conseguisse formular o seu juízo de valor. E o dever dos jornalistas é prestar a informação para que o ouvinte/leitor possa ajuizar – informação subjetiva para um juízo subjetivo.
35. Pelo que, os Recorrentes ao redigirem a reportagem demonstraram que concordavam com o Autor e, como tal, decidiram fornecer os elementos literários necessários a uma análise pelo leitor da Revista “…”, sempre em beneficio do bom jornalismo, sempre em abono da verdade dos factos e em nome da liberdade de imprensa.
36. Com efeito, o texto da autoria dos RR não emite qualquer juízo de valor ou apreciação critica literária acerca da matéria em causa, pois entenderam quando redigiram o artigo em causa, bem ou mal, que tal função não lhes era exigida enquanto jornalistas, chefe de redação e responsável pela Revista “…”.
37. O dever dos jornalistas é o de informar e como tal acerca de determinado tema terão apenas o dever de fornecer os dados de forma objetiva e imparcial e deixar aos destinatários das suas mensagens a tarefa de ajuizar e criticar o conteúdo das mesmas.
A denominada informação objetiva – o que ocorreu no caso concreto. Por conseguinte,
38. O trabalho dos Recorrentes foi realizado com as finalidades supra indicadas, dentro dos limites da liberdade de expressão e no exercício do direito de informar, por conseguinte uma decisão que entenda o contrário extravasa os limites legais e neste caso os limites constitucionais. Estão a ser postos em causa direitos constitucionais, como a liberdade de expressão e o direito à informação.
39. Caso os tribunais Portugueses insistam em decisões que coloquem em causa a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, o direito à informação, como diz o sociólogo Boaventura Sousa Santos, a Democracia em Portugal é de baixa intensidade.
40. Por outro lado, ao ter sido decidido o que foi decidido e nos termos em que o foi, foi atingida a materialidade de um outro direito consagrado constitucionalmente, no art.°38° da CRP corolário daquele outro e que, consiste no direito dos ora Reclamantes à proteção da sua independência e o direito de exigir ao Estado que assegure a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória (...).“
41. Ora, nos presentes autos é fácil concluir que o A. iniciou e levou a cabo uma guerra contra um grupo de imprensa “Impala” em virtude da sua impotência de perseguir os verdadeiros autores das afirmações que segundo aquele foram lesivas do seu bom nome e da sua honra.
42. Não tendo conseguido o A. identificado os autores do blog anónimo, aproveitou-se do facto dos RR terem pegado no tema e “investiu” contra estes, como forma de expurgar a sua alma e “lavá-la”.
43. Acontece porém que, os Reclamantes não aceitam que das palavras por si escritas se queira “fazer justiça” por atos aos quais são totalmente estranhos, dado que a imputação que lhes foi feita de terem acusado o A. de plágio é redondamente falsa e a ter sido praticado foi por outrem.
44. Porquanto, toda e qualquer decisão condenatória proferida contra os RR está eivada de censura por que foram aceites como verdadeiras as imputações feitas pelo A. aos RR, e com tais decisões ferem-se os direitos dos Reclamantes ínsitos na de liberdade de informar e de se expressarem como cidadãos e no exercício da sua profissão de jornalistas.
45. Ora, num Estado de Direito Democrático, como o consagrado na nossa Constituição, a liberdade de expressão é fundamental, tal como o direito de informar e de ser informado.
46. Ao Estado cabe assegurar e zelar pela formação da opinião pública e pelo «debate de ideias e pensamentos». Os jornalistas são os principais servidores do Estado nesta matéria, não podendo dizer: Jornalistas informem é vosso dever e de seguida condenar esses mesmos jornalistas por terem informado.
47. Desta feita é para os ora Reclamantes por demais evidente que a liberdade de expressão só termina onde tenha deixado de haver expressão de ideia ou pensamento para passar a haver ameaça, insulto ou invetiva pessoal.
48. Tais princípios garantísticos de um Estado livre e de direito encontram-se consagrados de igual forma em documentos de direito internacional referentes aos denominados «direitos da pessoa humana» (cfr., v.g., arts. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e 100 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
49. Como muito bem referem os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (in: “Constituição da República Portuguesa Anotada “, 3ª edição, pág. 225) a propósito do «direito de expressão», enquanto direito negativo ou de defesa perante o poder público, implica “o direito de não ser impedido de exprimir-se”, inculcando ainda, na sua dimensão positiva, um direito “de acesso aos meios de expressão” (cfr. aforamentos desta dimensão, segundo os citados autores, no n.º 4 do artigo 37º e nos artigos 40º e 41º, n.º 4), sendo que na vertente de «direito de informação», o direito de informar “consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos”, direito que, no seu atuar positivo, implicará o “direito a meios para informar”.
50. Na verdade, se do n.º 2 do art. 37º se retira inequivocamente que a Constituição não permite que o exercício dos direitos de livre expressão e divulgação do seu pensamento pela palavra, pela imagem, ou por qualquer outro meio, seja, por que forma for, impedido ou limitado por qualquer tipo de censura.
51. A liberdade de informação revela-se, também nas palavras do n.º 1 do art. 37º da CRP, no “direito de informar, de se informar, e de ser informado (...) sem impedimentos nem discriminações”.
52. O exercício da liberdade de expressão e da liberdade de informação “não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura (art.37º n.º 2 da CRP)
53. A liberdade de informação enquanto expressão do pensamento revela-se em toda a atividade humana, designadamente, “em apreender ou dar a apreender factos e notícias”, particularmente por via dos meios de comunicação social (liberdade de comunicação social) – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo 1, 2005, p.429)
54. A liberdade de imprensa em sentido amplo (ou liberdade de comunicação social), como modo qualificado das liberdades de expressão e de informação, acaba por ser o exercício destas (expressão e divulgação de factos e opiniões) por todos os meios de comunicação de massas (art. 38º, n.º 1 da CRP e cfr J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol.I, 2007, p.58l). Em sentido restrito (também denominada de liberdade de comunicação social por alguns autores) visa-se a imprensa escrita por profissionais (jornalistas) no exercício da sua atividade de edição e publicação periódica de informação: aqui se inserindo a liberdade de expressão e criação dos jornalistas, o direito ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais (art. 38º n.º 2 da
CRP)
55. Acresce ainda que no conflito entre a tutela da honra e liberdade de expressão (incluindo a liberdade de imprensa) a jurisprudência do TEDH (relativa ao art. 10º da CEDH) tem feito pender a “balança” no sentido do predomínio da liberdade de expressão.
56 A este propósito é de mencionar os Acórdãos Oberschlick contra Austria (de 01/07/1997), Lopes Gomes da Silva contra Portugal (28/09/2000) e Mestre e SIC contra Portugal (de 26.04.2007) O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem esclarece que: “ a liberdade de expressão vale não somente para as “informações” ou “ideias” favoráveis, inofensivas ou indiferentes mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam”
57. Com efeito, as pessoas tinham o direito de saber que existia um outro livro, o que dizia o outro livro, etc... foi isto que foi feito – tal facto denominação informação objetiva, dever de informar e não pode ser atribuído ao mesmo qualquer outro tipo de qualificação. As decisões proferidas condicionam a liberdade e o dever de informar dos Reclamantes, pelo que existe uma clara, explícita e objetiva violação da Constituição da República Portuguesa.
58. Também um nome de referência nacional nesta matéria, Euclides Dâmaso Simões escreve “Assim o recomendam o plurarismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não há “sociedade democrática” – cfr. O artigo escrito pelo autos acima indicado “A liberdade de Expressão na Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” Rev. MP113, p. 101 e ss.
59. Como tem sido reconhecido no “direito de informação” é possível descortinar ou distinguir a “liberdade de expressão” enquanto direito matricial em relação quer à liberdade de informação, quer à liberdade de imprensa e o “direito de informação” tendo este último por objeto o bem jurídico “informação”.
60. A tal propósito leia-se o que foi escrito pelo Dr. Artur Rodrigues da Costa o qual distingue o “direito de crónica’ afim do “direito de informação “, do “direito de opinião e de crítica “, como expressões desdobradas da “liberdade de expressão” (cfr. “A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes da sua função “, in: “Revista do Ministério Público “, Ano 10, págs. 15 e segs.)
61. Por outro lado, a liberdade de imprensa tem sido, de há muito, considerada como uma forma privilegiada, quer da liberdade de expressão, quer do direito de informação, este, por entre o mais, na dimensão de garantia constitucional de livremente formar a opinião pública (cfr. Profs. Gomes Canotilho e V. Moreira in: ob. cit., pág. 230, os quais chamam-lhe um “modo de ser qualificado” daqueles direito e liberdade).
62. Tem sido objeto de aprofundadas reflexões doutrinais a questão de saber como resolver situações em que, prima facie, se desenha um conflito entre vários direitos constitucionais ou entre direitos e outros bens constitucionais (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976”, págs. 220 e segs.; Prof. J. Gomes Canotilho in: “Direito Constitucional “, 6ª edição, págs. 641 e segs.), naquilo que se tem denominado de “direito constitucional de conflitos”.
63. Aos RR parece-lhes inquestionável ter de aceitar que a liberdade de imprensa pode, constitucionalmente, admitir limites, pelo facto de por princípio nenhum direito ser absoluto nem ilimitado, não constituindo a liberdade de expressão exceção a esse princípio.
64. Por conseguinte a liberdade de expressão, como, de resto, os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto, nem ilimitado.
65. Contudo, do que se acaba de dizer não se pode concluir que os ora Reclamantes ao terem atuado como atuaram tenham excedido os limites de tais direitos ou liberdades e que com tal conduta tenham lesado a honra e o bom nome do A., pois tal não aconteceu, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça ao ter confirmado as decisões anteriores e designadamente a proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, também ela foi contagiada pela argumentação eivada de censura e lesiva dos princípios e liberdades constitucionais acima mencionados.
66. Deste modo, a decisão proferida pelo STJ na parte em que sustenta que o uso das aspas foi para insinuar de que não se trataria de uma simples e verdadeira consulta, é uma interpretação que conduziu à decisão que foi proferida e que por isso viola os direitos dos RR, ora Reclamantes à liberdade de expressão e de informação e conduz ainda a uma forma de “censura” do trabalho levado a cabo pelos RR ao condená-los por terem cometido algo que na realidade não aconteceu, nem tão pouco tal facto alguma vez esteve no espírito dos mesmos.
67. Os Recorrentes agiram no limite do direito a informar, consagrado no n.º 1 do art. 37º da Constituição da República Portuguesa e na Lei de Imprensa, no n.º 2 do art. 1º – cumprindo escrupulosamente os seus deveres e obrigações enquanto profissionais, porquanto a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ao ter decidido como decidiu fê-lo em clara violação dos preceitos supra mencionados.
68. Ao decidir como decidiu o Tribunal STJ “a quo” fez uma errada apreciação da verdade material dos factos, que carece de ser corrigida com vista a obter-se Justiça nestes autos.
69. Tais constatações são obscuras, pelo que, inquinam a decisão final.
70. Donde se conclui que, tanto o resultado da atividade de consulta, quanto o resultado proveniente da inspiração proveniente do contacto de algo ou com alguém, está inequivocamente fora do âmbito da propriedade intelectual, porquanto, a sua atividade é lícita e não viola qualquer direito de Autor, já que é possível repetir ideias, fontes de inspiração ou estados de espírito, aliás se assim não fosse as ideias, as fontes de inspiração ou estados de espírito eram suscetíveis de serem registados e não são.
71. Porquanto, a conduta dos ora Apelantes foi lícita e como tal não é passível de gerar qualquer tipo de responsabilidade civil.
72. Uma vez mais se reafirma que andou mal o Acórdão do STJ com a interpretação que fez do escrito, pois nele se denota falta de objetividade na avaliação dos factos e na forma como os factos foram subsumidos às normas do direito aplicadas.
73. Tal como tem vindo a ser exposto, os Recorrentes reafirmam o entendimento que a sua conduta não é passível de condenação, em virtude de não terem praticado qualquer ato ilícito nem de forma intencional nem com mera culpa, tendo os mesmos agido na convicção de que estavam a informar objetivamente, cumprindo o seu dever, aliás como atrás ficou demonstrado, uma imposição do Estado de Direito.
74. Mais, que a condenação proferida contra os Recorrentes e a final o pagamento das quantias fixadas em último pelo Supremo Tribunal de Justiça são o resultado direto da violação do direito destes à liberdade de expressão.
75. A decisão do STJ não teve em conta o justo equilíbrio entre a necessidade de proteger o direito dos Recorrentes à liberdade de expressão e a proteção dos direitos e a reputação do Recorrido, porquanto o valor da condenação fixada não representa um meio razoavelmente proporcional ao prosseguimento do fim legítimo visado, tendo em conta o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade da imprensa, motivo pelo qual se verifica a existência de violação do artigo 10º da Convenção.
76. Aliás, pertinente para o caso é o de averiguar qual o valor que o Autor lucrou com a publicidade que os RR. lhe proporcionaram.
77. A informação tal qual foi divulgada, com certeza, que permitiu ao Autor aumentar o volume de vendas.
78. Existe uma clara violação do princípio da igualdade, art.13º da CRP, uma vez que a decisão proferida nestes autos não teve em consideração os montantes que o Autor auferiu com a “publicidade” que lhe foi proporcionada pelos RR. com a informação divulgada na Revista “…”.
79. Tendo o Autor D. sido privilegiado nestes autos por tal montante não ter sido tomado em consideração nas decisões proferidas nestes autos.
80. Com efeito, a decisão proferida pelo STJ ao decidir como decidiu violou ainda o direito à liberdade de expressão garantido igualmente pelo artigo 100 da Convenção, o qual dispõe: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras.
81.Tem sido jurisprudencialmente entendido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um.
82. Com efeito os diversos tribunais pelos quais o presente litígio tem vindo a ser analisado, apreciado e julgado era-lhes imposto que tivessem averiguado se a ingerência litigiosa levada a cabo pelo Recorrido correspondia a uma necessidade social imperiosa.
83. É irrefutável que a imprensa desempenha um papel fundamental numa sociedade democrática. Se é verdade que a imprensa não deve ultrapassar certos limites, referentes nomeadamente à proteção a reputação e aos direitos de outrem, não menos é verdade que cabe-lhe, no entanto, divulgar informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. A esta função de divulgação acresce o direito do público, de receber a informação. Se assim não fosse, a imprensa não poderia desempenhar o seu papel indispensável de “cão de guarda” (Thoma c. Luxemburgo, n.° 38432/97, §45, TEDH 2011-III).
84. Porquanto incumbia aos tribunais e em especial a este último, Supremo Tribunal de Justiça, ter determinado se a restrição à liberdade de expressão dos Recorrentes era “proporcional” ao fim legítimo prosseguido e se as razões apresentadas pelo STJ para condenar os Recorrentes eram pertinentes e suficientes a infligir a restrição ao seu direito à liberdade de expressão e de imprensa e ainda se com o comportamento os RR: não contribuíram, ao invés, para a publicidade da obra, fazendo o Autor lucrar.
85. O Acórdão do STJ tendo decidido como decidiu e condenando os Recorrentes pela prática de um ato ilícito, fê-lo em clara violação do preceituado na Constituição.
86. Face a tudo o que tem vindo a ser exposto, resulta para o Reclamantes por demais evidente que a questão da inconstitucionalidade foi por estes suscitada no processo tal como obriga o preceito por meio do qual os habilita a recorrer para o Tribunal Constitucional de molde requerer a fiscalização da constitucionalidade da argumentação e da interpretação das normas jurídicas aplicadas na decisão e que conduziram à condenação dos ora Reclamantes. Por quanto, ao contrário do que foi sustentado na decisão sumária da qual ora se reclama, encontram-se reunidos os requisitos formais para que as Reclamantes sejam notificadas para oferecem as suas alegações do recurso para o Tribunal Constitucional.
87. Acresce ainda alegar que os argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal de Justiça para confirmar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa realçaram ainda mais o caráter ofensivo da liberdade de expressão e de informação de tal modo, que constituíram uma surpresa que não era de todo expectável para os ora Reclamantes.
Termos em que se requer a V.Exa. que ordene o prosseguimento do processo e por conseguinte a notificação dos Reclamantes para apresentar as alegações do recurso interposto e já aceite, tudo nos termos do n.º 5 do art 78°-A da Lei 28/82, de 15/11, na redação da Lei 13-A/98, de 26 de fevereiro.»
O recorrido não respondeu.
3. As extensas considerações dos recorrentes não logram abalar os fundamentos da decisão de que reclamam. Verdadeiramente, passam ao lado daquilo que constitui a ratio decidendi do despacho de que reclamam: não suscitaram perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa.
Efetivamente, no sistema jurídico gizado pela Constituição (artigo 280.º) e concretizado pela LTC (artigo 70.º) cabe ao Tribunal Constitucional a fiscalização da (in)constitucionalidade das normas aplicadas pela decisão judicial de que se recorre ( ou a que tenha sido recusado aplicação com fundamento em inconstitucionalidade). Não cabe nessa competência a censura de inconstitucionalidade diretamente imputada às concretas decisões judiciais, ainda que da violação de direitos fundamentais se trate.
E, para poder aceder ao Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o interessado tem o ónus de suscitar perante esse tribunal uma questão dessa natureza, isto é, tem de ter convocado, com clareza e precisão, o tribunal da causa a decidir uma questão de inconstitucionalidade de uma concreta norma jurídica. O que não obsta a que o façam com referência a uma específica dimensão ou sentido com que o preceito foi tomado na decisão recorrida. Mas tem sempre de recortar a questão como respeitando a um ato do poder normativo público e não a uma decisão judicial.
Assim, não satisfaz essa exigência a alegação de que a decisão recorrida ao ter decidido como decidiu a questão que lhe foi submetida o fez em violação de preceitos constitucionais. Dizer que os recorrentes “agiram no limite do direito a informar, consagrado no n.º 1 do art. 37.º da Constituição da República Portuguesa e na Lei de Imprensa, no n.º 2 do art.º 1º – cumprindo escrupulosamente os seus deveres e obrigações enquanto profissionais” (cfr. n.º 120. das alegações da revista), ou que “ao coligirem o material informativo que publicaram no artigo e ao terem consultado uma pessoa de renome internacional em matéria de propriedade intelectual, fizeram-nos convictos de que (i) estavam a exercer o direito de informar, fazendo-o com isenção e que, com tal conduta, (ii) estavam a dar um contributo com interesse para a avaliação posterior feita pelo próprio leitor – cumprindo com mérito a sua função enquanto jornalistas” (cfr. n.º 122. das mesmas alegações), é imputar a inconstitucionalidade à decisão de que então se recorria, não a uma norma jurídica que pretendam ver afastada com esse fundamento.
Deste modo, os recorrentes ao insistirem em que os tribunais da causa e, em último termo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao condená-los como condenaram, violaram o preceituado na Constituição em matéria de liberdade de expressão e de liberdade imprensa e ao pretenderem que, para corrigir essa alegada violação, o recurso de constitucionalidade prossiga, não têm em atenção o regime de fiscalização concreta de constitucionalidade que o nosso sistema jurídico consagra, designadamente no capítulo do objeto e pressupostos respetivos.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os recorrentes nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça
Lisboa, 14 de maio de 2012.- Vítor Gomes – Ana Guerra Martins – Gil Galvão.