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Proc.Nº 472/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente J... e recorrida B..., SA., pelo essencial dos fundamentos constantes da exposição do relator de fls. 183 a 193, e não tendo respondido nem o recorrente nem a recorrida, e ainda porque o recorrente se limitou a interpor recurso subordinado ao da Ré, de modo que tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido confirmar a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso da Ré, ficou sem conteúdo o recurso subordinado, pelo que as normas em causa nunca poderiam ter sido aplicadas na decisão recorrida.
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em .6 UC's.
Lisboa, 1998.02.10 Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa Proc.Nº 472/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. - J... intentou, pelo Tribunal do Trabalho da Comarca de Matosinhos, contra a firma 'B...,S.A.' uma acção emergente de contrato individual de trabalho, para haver dela a quantia de 916.414$00.
Por decisão de 12 de Dezembro de 1995, a acção foi julgada parcialmente procedente e a ré condenada no pagamento de 624.666$00, por diferenças salariais nas férias, subsídio de Natal e de férias e diferenças salariais vencidas e vincendas e respectivos juros de mora.
A Ré, não se conformando com o assim decidido, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o Autor recorrido subordinadamente e, nas respectivas alegações, suscitado a questão da violação do artigo 59º, nº1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (adiante, CRP).
A Relação, por acórdão de 16 de Junho de 1997, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, remetendo a respectiva fundamentação para a fundamentação daquela decisão de 1ª instância, nos termos do que se dispõe actualmente no artigo 713º, nº5, do Código de Processo Civil
(adiante, CPC).
Desta decisão interpôs recurso o Autor e trabalhador para o Supremo tribunal de Justiça e simultaneamente para este Tribunal, para o caso de aquele não vir a ser admitido, o que, de facto, aconteceu.
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não respeitava as exigências da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que o recorrrente foi convidado a completar tal requerimento, o que fez nos termos seguintes:
'O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, porquanto a decisão Recorrida aplicou normas contratruais do
âmbito do Dec.Lei 519 - C1/79 de 29 de Dezembro que violaram o princípio constitucional consagrado no art. 59º nº 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, A decisão Recorrida embora tenha entendido que a natureza do trabalho, a sua complexidade e duração eram iguais para todos os trabalhadores, o certo é que deu prevalência em aplicar convenção colectiva diferente, que previa formas de remuneração diferentes, assim defendendo diferentes remunerações para trabalhadores com as mesmas funções laborais e o mesmo horário de trabalho. Esta decisão viola o princípio constitucional consagrado no art. 59º nº 1 alínea a) da C.R.P. que estabelece que o trabalho igual entre os trabalhadores de uma entidade patronal deve ser remunerado de igual modo.'
2. - Entende o relator que não pode tomar-se conhecimento do recurso.
Vejamos porquê.
O recurso vem interposto ao abrigo da alínea b), do nº 1 do artigo
280º da CRP e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de
7 de Setembro).
A admissibilidade deste tipo de recursos pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- que a inconstitucionalidade da norma tenha sido previamente suscitada pelo recorrente durante o processo;
- que essa norma venha a ser efectivamente aplicada na decisão, constituindo um dos seus fundamentos normativos.
- que a decisão recorrida não admita a interposição de recurso ordinário, quer por que a lei o não prevê quer por já haverem sido esgotados todos os recursos que no caso cabiam.
Pode desde já adiantar-se que este último requisito se mostra verififcado nos presentes autos. De facto, o recorrente pretendeu interpor recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso este que não foi admitido por despacho transitado, tendo entretanto o recorrente interposto o presente recurso de constitucionalidade.
Todavia, os restantes requisitos não podem dar-se como verificados.
Este Tribunal vem entendendo o primeiro dos mencionados requisitos - suscitação «durante o processo» - por forma a que ele deva ser tomado não num sentido puramente formal - tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância -, mas num sentido funcional - tal que a arguição de inconstitucionalidade deverá ocorrer num momento em que o tribunal recorrido ainda pudesse conhecer da questão. Deve, portanto, a questão de constitucionalidade ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, na medida em que se está perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal
«a quo» sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso.
Uma vez que, em regra, o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença e dado que a eventual aplicação de norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a torna obscura ou ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de constitucionalidade.
De facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita «durante o processo» quando tal questão se coloca perante o tribunal «a quo» por forma tal que ele não possa deixar de saber que tem de resolver tal questão e em ocasião processualmente adequada para o poder fazer, não podendo o Tribunal Constitucional intervir para conhecer de tal questão «ex novo» em vez de o fazer para reapreciar o decidido.
Como se escreveu no Acórdão nº 560/94, deste Tribunal (in 'Diário da República', IIª Série, de 10 de Janeiro de 1995) : 'A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois, contrariamente ao que dizem os recorrentes -, uma «mera questão de forma secundária». É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão'
Só em casos muito particulares, em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar tal questão ou em que por força de preceito específico o poder jurisdicional não se esgote com a decisão final, é que será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido (cf. por último, sobre esta matéria, o acórdão nº 640/94, de 12 de Dezembro de 1994, ainda inédito e a exposição preliminar que confirmou).
No caso concreto em apreço, constata-se que o recorrente, nas suas alegações para a Relação, não suscita qualquer inconstitucionalidade de uma norma ou de uma interpretação normativa feita na decisão de que recorre. Com efeito, o recorrente imputa à própria decisão a violação do princípio constitucional de salário igual para trabalho igual.
Outra não pode deixar de ser a inferência que se extrai do teor da conclusão 7ª dessas alegações :'A sentença recorrida violou os artºs 59º, nº1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (...)'.
Por outro lado, o recorrente não identifica qualquer norma como violadora do referido princípio constitucional.
Ora, como se referiu atrás, no que ao segundo requisito acima identificado respeita, importa referir que a norma cuja inconstitucionalidade for suscitada durante o processo terá de ser fundamento da decisão, aplicada, em regra, na sequência do não atendimento da arguição de inconstitucionalidade.
Acresce que o Tribunal tem vindo a reafirmar o entendimento de que o controlo de constitucionalidade que a Constituição lhe atribui é apenas um controlo de actos normativos, não podendo ter como objecto a apreciação da constitucionalidade de actos de outra natureza, designadamente, decisões judiciais ou actos administrativos
De facto, legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional o conceito de norma jurídica (cf. artigos 278º, nºs 1 e 2, 280º e 281º da Constituição).
Em jurisprudência reiterada, este Tribunal tem vindo a entender que, assentando o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade no conceito de «norma jurídica», este conceito deve ser tomado num sentido «funcional», de modo que dele sejam excluídos os puros actos administrativos, as decisões judiciais e os actos políticos, mas já não os preceitos legais de conteúdo individual e concreto.
No acórdão nº 26/85 (in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 5º V.,pg. 7) em que se desenvolveu o conceito de «norma» na perspectiva do sistema de controlo de constitucionalidade escreveu-se :
'Onde, porém, um acto de poder público for mais do que isso [refere-se a 'actos de aplicação, execução ou simples utilização de «normas»'] e contiver uma regra de conduta para os particulares ou para a Administração, ou um critério de decisão para esta última ou para o juiz, aí estaremos perante um acto
«normativo», cujas injunções ficam sujeitas ao controlo de constitucionalidade.'
Sendo as normas o objecto do controlo de constitucionalidade, o Tribunal tem também vindo a aceitar que a apreciação constitucional possa incidir apenas sobre um ou outro segmento do preceito ou até sobre uma determinada interpretação da norma.
Com efeito, segundo tal jurisprudência, sendo os recursos de constitucionalidade interpostos das decisões (ou de uma certa interpretação) de outros tribunais com eles não se visa impugnar estas decisões em si mesmas, mas tão só o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas (ou de uma certa interpretação) relevantes para o julgamento da causa.
Não pode, porém, considerar-se como sendo a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa o referir-se que 'a decisão recorrida embora tenha entendido que a natureza do trabalho, a sua complexidade e duração eram iguais para todos os trabalhadores, o certo é que deu prevalência em aplicar uma convenção colectiva diferente, que previa formas de remuneração diferente, assim defendendo diferentes remunerações para trabalhadores com as mesmas funções laborais e o mesmo horário de trabalho'.
3. - No caso em apreço, entende-se que não se deve tomar conhecimento do recurso interposto pois não estão verificados os pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso de constitucionalidade.
Conforme já ficou referido, o recorrente, nas suas alegações para a Relação, não suscita qualquer inconstitucionalidade de uma norma ou de uma interpretação normativa feita na decisão de que recorre. Manifestamente, o recorrente imputa à própria decisão a violação do princípio constitucional de salário igual para trabalho igual.
Por outro lado, o recorrente não identifica qualquer norma como violadora do referido princípio constitucional: é a própria decisão, ao não considerar como atendível o princípio de que 'a trabalho igual corresponde salário igual', que ele considera violadora do princípio constitucional do artigo 59º, nº1, alínea a).
Acresce ainda que o recorrente no seu requerimento de interposição do recurso refere que 'a decisão recorrida aplicou normas do âmbito do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro que violaram o princípio constitucional referido. Porém, não identifica qualquer dessas normas em concreto, não sendo por isso possível saber-se a que normas pretende reportar-se.
Ora, o Tribunal entende que recai sobre os recorrentes a obrigação de suscitar durante o processo a questão da inconstitucionalidade das normas utilizadas pela decisão, devendo fazê-lo por forma directa, explícita e perceptível, com indicação das disposições legais que se consideram afectadas de inconstitucionalidade, uma vez que só há recurso para o Tribunal Constitucional quando o tribunal recorrido tenha decidido expressa ou implicitamente uma questão de constitucionalidade.
Não se verificam, por consequência, no caso dos autos nem o requisito de ter sido suscitada durante o processo uma questão de inconstitucionalidade normativa nem o de a norma considerada inconstitucional ter sido aplicada na decisão recorrida como seu fundamento decisório, pelo que se propõe que se não conheça do presente recurso. XXXXXXX
Notifiquem-se as partes para, querendo, responder à presente exposição, nos termos legais.
Lisboa,