Imprimir acórdão
Procº nº 373/95 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Por sentença proferida, em 20 de Julho de 1990, pelo Mmº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, foi fixado em 45.616.500$00 o montante a pagar, a título de indemnização por expropriação, pela entidade expropriante - o Estado, através da Direcção Regional de Educação do Norte - aos expropriados, F... e Outros.
Daquela sentença não recorreu o expropriante, mas o Município de Felgueiras, através da respectiva Câmara Municipal, invocando a qualidade de pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão, por força de um protocolo celebrado entre ele e o expropriante, recurso esse que foi admitido e recebido como de apelação e com efeito devolutivo. Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Junho de 1991, foi confirmada a sentença recorrida.
Da mesma sentença recorreram também os expropriados, mas o acórdão acabado de referir negou igualmente provimento a esse recurso.
Em 26 de Novembro de 1991, foi a entidade expropriante notificada para efeitos do disposto no artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, isto é, para depositar na Caixa Geral de Depósitos no prazo de dez dias o valor da indemnização.
2. Em 7 de Julho de 1992, os expropriados intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras uma acção de execução de sentença contra o Estado, visando a cobrança coerciva do montante que, a título de indemnização por expropriação, fora fixado pela sentença daquele tribunal de 20 de Julho de
1990, bem como dos respectivos juros de mora, à taxa de 15%, a que acresceria a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil.
A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, em representação da entidade expropriante, deduziu embargos à execução da sentença, alegando, em síntese, que o processo utilizado na liquidação dos juros não era correcto, já que não só deverão os mesmos ser contados desde o termo do prazo a que alude o artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, ou seja, após o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, como ainda, para o efeito, deverá ser utilizada a taxa indicada no artigo 86º, nº 2, do mesmo Código, e solicitando a improcedência, e consequente extinção, na parte em causa, da acção executiva.
Por sentença de 23 de Novembro de 1992, o Mmº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras julgou os embargos improcedentes, ordenando, consequentemente, a prossecução da execução. Considerou, para o efeito, que a sentença de 20 de Julho de 1990 tinha transitado em julgado relativamente à entidade expropriante e que, tendo os recursos interpostos pelo Município de Felgueiras e pelos expropriados efeito meramente devolutivo (artigo 83º, nº 4, do Código das Expropriações de 1976), poderia desde logo a sentença ser dada em execução, porque desde logo era exigível o cumprimento da obrigação fixada.
3. Da mencionada sentença interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este, por Acórdão de 21 de Abril de 1994, concedido provimento parcial ao recurso, alterando a decisão no respeitante ao início da constituição em mora, sendo os juros devidos apenas após o termo do prazo a que alude o nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976.
Inconformados, interpuseram os exequentes recurso deste aresto para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, por sua vez, o Ministério Público interposto recurso subordinado.
Nas suas alegações, os exequentes invocaram, inter alia, a inconstitucionalidade da norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, na interpretação dada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ou seja, a de que a indemnização fixada por sentença só vence juros moratórios após o termo do prazo a que alude o mesmo preceito, imputando-lhe a violação do artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental.
O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 30 de Maio de 1995, negou a revista ao recurso dos exequentes, mas concedeu-a ao recurso subordinado, julgando procedentes os embargos de executado e absolvendo, consequentemente, o réu Estado da instância. Esta segunda parte da decisão alicerçou-a o Supremo Tribunal de Justiça no disposto no artigo 74º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de
16 de Julho, nos termos do qual 'a instauração, no tribunal judicial, de execução, por quantia certa, de decisão condenatória de pessoa colectiva de direito público só pode ter lugar no caso de impossibilidade de cobrança através da requisição prevista no nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho' - disposição segundo a qual as dotações obrigatoriamente inscritas no orçamento das pessoas colectivas de direito público destinadas ao pagamento de encargos resultantes de sentença de quaisquer tribunais ficam à ordem do Conselho Superior da Magistratura, que emitirá a favor dos respectivos credores as ordens de pagamento que lhes forem requisitadas pelos tribunais.
4. É deste aresto que vem o presente recurso para este Tribunal, interposto por F... e Outros, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b), e nº 4, da Constituição e do artigo 70º, nº 1, alínea b), e nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), tendo como objecto a questão da constitucionalidade da norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, 'na interpretação de que a indemnização fixada por sentença exarada num processo de expropriação litigiosa só vence juros moratórios após o termo do prazo de 10 dias, subsequente à notificação a que esse mesmo preceito alude (interpretação esta que foi subscrita pela decisão da
2ª instância e a que o Acórdão ora em recurso acabou por aderir)'.
No óptica dos recorrentes, a mencionada norma infringe os seguintes preceitos da Constituição: o artigo 2º, que consagra o princípio fundamental do Estado de direito, concretizado nos subprincípios da justiça e da juridicidade e no da proporcionalidade; o artigo 13º, que condensa o princípio fundamental da igualdade; o artigo 62º, nº 1, que encerra o direito fundamental
à propriedade privada; e o artigo 62º, nº 2, que consagra o direito fundamental
à justa indemnização por expropriação.
5. Os recorrentes concluem as alegações produzidas neste Tribunal do seguinte modo:
1. A sentença do Tribunal da Comarca de Felgueiras, que fixou em Esc. 45.616.500$00 o valor da indemnização devida aos expropriados e ora recorrentes, transitou logo em julgado para a entidade expropriante e ora recorrida, já que a mesma acatou na íntegra o decidido na 1ª instância e não lhe aproveita nem o recurso interposto pelos expropriados (com fundamento em omissão de pronúncia quanto à actualização do pedido), nem o recurso interposto por uma entidade estranha ao processo - a Câmara Municipal de Felgueiras (que invocou a qualidade de terceiro directa e efectivamente prejudicado pela decisão);
2. O mesmo é dizer que a entidade expropriante ficou constituída em mora em relação aos expropriados e ora recorrentes logo que para ela transitou em julgado a sentença do Tribunal da Comarca de Felgueiras (dada a natureza urgente do processo de expropriação, o prazo de oito dias para interpor o competente recurso de apelação correu aos Sábados,Domingos, feriados e durante as férias judiciais, sendo de 31-7-90 a data do respectivo trânsito em julgado relativamente àquela);
3. Na verdade, e contrariamente àquilo que se defende no douto aresto ora impugnado, têm os recorrentes como certo que a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Felgueiras, que fixou o valor da indemnização a pagar pela entidade expropriante, é uma verdadeira sentença condenatória e, consequentemente, tem eficácia de título executivo;
4. E isto porque, tendo a expropriação como consequência directa e necessária a perda do direito de propriedade até aí inscrito no património dos expropriados, é por demais evidente que a indemnização que lhes é devida tem obrigatoriamente de ingressar nesse mesmo património logo que se mostre judicialmente fixado o respectivo montante;
5. Se dúvidas houver a este respeito, basta atentar no regime dos recursos em processo de expropriação, para dissipá-las de uma vez por todas, pois o art. 83º, nº 4 do CExp. de 1976 (tal como o art. 64º, nº 2 do actual) atribui efeito meramente devolutivo ao recurso interposto da sentença que fixa o montante da indemnização devida aos expropriados;
6.Pois se o recurso não suspende os efeitos da decisão recorrida, então é porque a cifra indemnizatória nela fixada é imediatamente exigível pelos expropriados, podendo eles lançar logo mão da competente execução de sentença, independentemente de qualquer outra formalidade, v. g. da prolação do despacho a que alude o art. 100º, nº 1 do CExp. de 1976;
7. Daí que a única conclusão possível à face do art.100º, nº 1 do CExp. de 1976 é a de que o prazo de dez dias aí estabelecido e a notificação a que o mesmo alude - como bem decidiu a 1ª instância - são meramente ordenadores do processado e não beliscam, por qualquer forma, o direito dos expropriados à indemnização fixada em momento anterior;
8. De resto, a interpretação dada pelo S.T.J. (e que já havia sido sufragada pela 2ª instância) ao art. 100º, nº 1 do CExp. de 1976, ou seja, a de que a indemnização fixada por sentença só vence juros moratórios após o termo do prazo a que alude o mesmo preceito, é claramente inconstitucional, porquanto viola de modo frontal os arts. 2º, 13º e 62º, nºs. 1 e 2 da nossa Lei Fundamental;
9. Com efeito, decorre do princípio fundamental do Estado de Direito, concretizado no subprincípio da justiça e da juridicidade e no da proporcionalidade ou da proibição do excesso (art. 2º C.R.P.), que a indemnização devida aos expropriados deve ser justa e não meramente irrisória ou aparente, por forma a garantir-lhes um valor equivalente ou adequado ao do bem de que se viram privados por força do acto expropriativo;
10.Ora, a interpretação que o S.T.J. faz do art. 100º, nº 1 do CExp. de 1976 colide frontalmente com esses princípios, na medida em que dá cobertura jurídica ao pagamento de uma indemnização desvalorizada (em montante superior a Esc. 12.000.000$00!), transformando-a numa indemnização verdadeiramente injusta;
11. Por outro lado, um dos corolários lógicos do princípio consagrado no artº 13º da C.R.P. é o da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, que também foi desrespeitado com a interpretação dada pelo S.T.J. ao art. 100º, nº 1 do CExp. de 1976, pois faz recair unicamente sobre os ombros dos expropriados o encargo de suportar o custo (superior a Esc.
12.000.000$00!) da demora no pagamento da indemnização que lhes era devida pela privação de um bem do seu património, ocorrida em momento muito anterior;
12. Acresce que, no art. 62º, nº 1 da C.R.P., consagra-se o direito fundamental do cidadão à propriedade privada, direito esse que vincula não apenas o legislador, mas também a Administração e o poder jurisdicional (art.
18º, nº 1 da C.R.P.), sendo certo que, a ter-se como boa a tese defendida no Acórdão aqui em recurso, então estaria o poder judicial a dar cobertura a uma manifesta violação do direito fundamental dos expropriados à propriedade privada, permitindo a subtracção de um bem ao respectivo património sem a devida contrapartida ou mediante uma contrapartida claramente desajustada (em montante superior a Esc. 12.000.000$00!);
13. Por último, e no que concerne ao direito fundamental à justa indemnização, da própria letra do art. 62º, nº 2 da C.R.P. resulta um verdadeiro compromisso com o carácter prévio ou ao menos simultâneo da atribuição da indemnização e do efeito privativo da propriedade, do mesmo passo que dele emana a ideia de que a indemnização não é um mero efeito ou consequência do poder de expropriação, mas antes um pressuposto de legitimidade do seu exercício ou um elemento integrante do próprio conceito de expropriação;
14. Também esse direito resulta claramente violado com a interpretação que o S.T.J. fez do art. 100º, nº 1 do CExp. de 1976, pois o pagamento desfasado de uma indemnização cujo valor foi fixado cerca de ano e meio antes, sem qualquer acréscimo por força da mora e da rebeldia da expropriante no pagamento do devido, transforma essa indemnização supostamente justa numa indemnização manifestamente injusta, porque desvalorizada (em montante superior a Esc. 12.000.000$00).
Por sua vez, o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções no Tribunal Constitucional propugna nas suas alegações pela confirmação do juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo acórdão recorrido e pela negação do provimento ao recurso e remata-as com o seguinte quadro de conclusões:
1. O princípio da 'justa indemnização', consagrado no artigo 62º, nº
2, da Constituição da República Portuguesa, implica que:
a) o expropriado não pode ser discriminado relativamente aos outros titulares de créditos indemnizatórios, através da atribuição de um capital indemnizatório que não consinta - no essencial, em termos análogos aos que decorreriam da aplicação da 'teoria da diferença' (artigo 566º, nº 2 do Código Civil), temperada pela ponderação adequada do interesse público subjacente à expropriação - um integral ressarcimento do dano efectivamente sofrido com a privação do bem expropriado;
b) aos expropriados devem ser facultados mecanismos processuais adequados para possibilitar a correcção monetária da indemnização arbitrada, permitindo-se-lhes a ampliação do pedido, com vista à actualização do respectivo valor à data da decisão final do processo - sendo, porém, de imputar à auto-responsabilidade das partes o não exercício tempestivo de tal faculdade processual.
2. Não pode, porém, inferir-se do princípio constitucional da 'justa indemnização' qual o momento a partir do qual ocorre mora no cumprimento da obrigação de indemnizar - passando a ser, consequentemente, devidos os respectivos juros - devendo para tal atender-se ao regime geral em vigor no direito civil 'comum'.
3. Não constitui solução legislativa arbitrária ou discricionária, violadora do princípio constitucional da igualdade, a que se traduz em considerar - por interpretação do disposto no nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976 - que a mora apenas ocorre a partir do momento da liquidação do débito indemnizatório, em consequência do seu reconhecimento por decisão judicial transitada em julgado, já que:
a) a obrigação de indemnizar consequente ao acto expropriativo decorre de um acto lícito da Administração, não podendo qualificar-se como integrando responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, para os efeitos previstos na parte final do nº 3 do artigo 805º do Código Civil;
b) o lesado não alegou, nem demonstrou, que a falta de liquidez era imputável ao devedor da indemnização.
6. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir se a norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, na interpretação do acórdão recorrido é, ou não, inconstitucional.
A referida norma está inserida no Capítulo II (Do Processo) do Título VI (Do Pagamento das Indemnizações) do Código das Expropriações de 1976 e dispõe como se segue:
'Fixado por trânsito em julgado o valor da indemnização a pagar pelo expropriante, será este notificado para o depositar na Caixa Geral de Depósitos no prazo de dez dias, excepto se já tiver sido decidido, ainda que sem trânsito em julgado, o pagamento em prestações'.
II - Fundamentos.
7. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Abril de 1994 considerou que a decisão que fixou o valor da indemnização por expropriação só transitou em julgado após a prolação do Acórdão da Relação de 25 de Junho de
1991 e entendeu, por isso, que a entidade expropriante só entrou em mora, após o termo do prazo a que alude o artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de
1976.
Idêntico foi o entendimento sufragado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1995, no tocante ao recurso dos exequentes, embora tenha posto o acento tónico da fundamentação do momento da constituição em mora na iliquidez do valor da indemnização por expropriação antes da prolação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Junho de 1991. Vale a pena transcrever o seguinte trecho do aresto aqui sub judicio:
'A sentença transita em julgado para ambas as partes do processo, nos termos do artigo 677º do Código de Processo Civil. Não é pelo facto de uma ou alguma das partes não ter recorrido que a decisão transita logo para os não recorrentes.
Nos embargos de executado deduzidos pelo Ministério Público discute-se a liquidação dos juros.
Com efeito, os expropriados pretendem o vencimento de juros desde a data da sentença da 1ª instância, independentemente do recurso por eles interposto.
E nesse sentido formulam as conclusões 1ª a 4ª da sua alegação de recurso.
Não é verdade que, como os recorrentes afirmam na conclusão 3ª, a sentença que fixar a indemnização em 1ª instância seja título executivo contra o Estado, como melhor veremos adiante, isto para já.
É um princípio jurídico secular, que já vem do Direito Romano, a regra 'in illiquidis non fit mora', e que é correctamente justificada porque o devedor não pode cumprir enquanto não sabe quanto deve, ou seja, o objecto da prestação (Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», II, 3ª ed., p. 65).
Só recentemente o Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, dando nova redacção ao nº 3 do artigo 805º do Código Civil, veio alterar a regra quando a responsabilidade do devedor deriva de facto ilícito ou pelo risco.
No caso ora em apreço, foram até os recorrentes que interpuseram recurso sem êxito, demorando desse modo a liquidação da indemnização a pagar pelo expropriante.
O facto de o recurso interposto da sentença de 1ª instância ter efeito meramente devolutivo nada tem a ver com o efeito substantivo da constituição em mora do devedor.
A atribuição do efeito meramente devolutivo apenas permite a instauração da execução provisória (quando a execução é possível), a prosseguir com a cautela referida no nº 3 do artigo 47º do Código de Processo Civil. E compreende-se bem porquê. É que, em princípio, a sentença só constitui título executivo depois de transitar em julgado; a execução provisória arrisca-se a ser injusta ou contrária ao direito, podendo acontecer até que a decisão do recurso tenha como consequência a extinção da execução, por se reconhecer, então, que o executado nada deve (nº 2 daquele artigo 47º).
O que é certo é que o credor tem sempre à sua disposição o disposto na primeira parte do nº 3 do artigo 805º, onde se diz que há mora quando a falta de liquidez for imputável ao devedor, o que não é o caso.
Portanto, a indemnização a pagar pela expropriante foi tornada líquida com a decisão do recurso. E a expropriante só teve conhecimento do seu montante com a notificação que lhe foi feita.
Não há qualquer inconstitucionalidade na fixação da indemnização nesses termos.
O nº 2 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, ao falar de justa indemnização, remete, como é óbvio, para a lei ordinária.
Os recorrentes, na sua alegação, seguem um critério economicista
(conclusão 11ª)para se verem indemnizados, mas que nada tem a ver com o critério jurídico, que já ficou indicado.
Já vimos como obviar ao inconveniente referido na conclusão 12ª da alegação dos exequentes - o abuso faria incorrer o devedor em mora.
Pelo que se expõe, se vê que o recurso dos exequentes não merece provimento'.
8. Violará a norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976 os preceitos constitucionais acima indicados, como pretendem os recorrentes. O Tribunal entende que não, pelas razões que, de seguida, sucintamente, se indicam.
8.1. Importa, antes de mais, enquadrar correctamente a questão de constitucionalidade suscitada pelos recorrentes.
Como se viu, foram discutidas, ao longo dos autos, e resolvidas pelas instâncias várias questões, tais como as respeitantes às seguintes matérias:
- se a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras de 20 de Julho de
1990 é uma verdadeira sentença condenatória e se tem eficácia de título constitutivo;
- se tal decisão transitou logo em julgado para a entidade expropriante, em consequência de esta não ter interposto recurso, mas somente o Município de Felgueiras e os expropriados; e
- se a entidade expropriante ficou constituída em mora a partir da decisão judicial de primeira instância ou tão-só a partir do termo do prazo de dez dias referido no artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976, constante da notificação dirigida ao expropriante para depositar na Caixa Geral de Depósitos o valor da indemnização, notificação que teve lugar em 26 de Novembro de 1991, isto é, após o trânsito em julgado de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
25 de Junho de 1991.
Tais matérias têm a ver, como sublinha o Exmº Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, unicamente com a interpretação e aplicação dos artigos 677º, 684º, nº 4, e 47º do Código de Processo Civil e do artigo 805º do Código Civil, pelo que carece o Tribunal Constitucional de competência para sindicar a interpretação que lhe foi dada na ordem dos tribunais judiciais que intervieram na discussão e julgamento da questão controvertida.
Em face do exposto, não pode o Tribunal Constitucional deixar de tomar como ponto de partida da sua análise as soluções que o acórdão recorrido deu àquelas questões, designadamente à do momento em que se considerou fixado por trânsito em julgado o valor da indemnização a pagar pela entidade expropriante - esse momento foi o do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Junho de 1991 - e, relacionada com ela, à do quando da constituição em mora da entidade expropriante - e que foi o termo do prazo a que alude o nº 1 do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976.
8.2. Segundo os recorrentes, a obrigação por parte da entidade expropriante do pagamento de juros de mora após a prolação da sentença da primeira instância que fixou o montante da indemnização (estando fora do âmbito do presente recurso de constitucionalidade a norma que determina qual o montante de juros a pagar pela entidade expropriante, já que não foi suscitada a inconstitucionalidade nem da norma do artigo 86º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976, nem da norma do artigo 806º, nº 2, do Código Civil) constitui um elemento indispensável para que lhe seja atribuída uma justa indemnização e, consequentemente, respeitados os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição. Por isso, na prespectiva dos mesmos, tendo o acórdão recorrido entendido que os juros moratórios só eram devidos após o decurso do prazo de dez dias sobre a data da notificação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu em última instância do quantum indemnizatório, fez uma interpretação inconstitucional da norma do nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976, interpretação essa violadora dos artigos 2º, 13º e 62º, nºs 1 e 2, da Constituição.
Colocando nos termos que vêm de ser referidos a questão de constitucionalidade daquela norma do Código das Expropriações anterior ao actualmente em vigor, os recorrentes misturam e confundem quatro questões distintas conexionadas com a indemnização por expropriação: a da extensão da indemnização, do seu valor ou do seu quantum; a do modo como deve ser satisfeita a indemnização ou, se se preferir, a da forma ou formas do seu pagamento; a do momento a que deve reportar-se o cálculo do montante da indemnização e, conexionada com ela, a da actualização do quantitativo indemnizatório à data da decisão final do processo; e, finalmente, a da constituição em mora da entidade expropriante se, notificada para depositar na Caixa Geral de Depósitos o valor da indemnização por decisão judicial transitada em julgado, não o fizer no prazo de dez dias, de harmonia com o disposto no artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976.
As referidas questões situam-se em níveis completamente diferentes: as três primeiras têm a ver com o regime da indemnização por expropriação, relacionam-se com o cálculo do seu montante e repercutem-se directa ou indirectamente no valor da indemnização a atribuir ao expropriado, sendo as normas legais que regulam aquelas matérias confrontáveis com os princípios constitucionais que disciplinam a indemnização por expropriação, designadamente os constantes dos artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Lei Fundamental; a última situa-se fora ou para além da problemática da justa indemnização por expropriação, uma vez que pressupõe uma anterior fixação do montante da indemnização. Ela reporta-se às 'sanções' correspondentes ao não pagamento pontual do capital indemnizatório e visa ressarcir não os danos suportados pelo expropriado com o acto expropriativo, mas os prejuízos que lhe são causados com o atraso culposo no pagamento do quantitativo da indemnização.
A norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações, tal como foi interpretada pelo acórdão recorrido, situa-se, assim, fora do núcleo do conceito constitucional de justa indemnização por expropriação, condensado no artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental.
8.3. Não necessita, por isso, o Tribunal de se debruçar sobre aquelas três primeiras vertentes da indemnização por expropriação, dado que as normas que regulam aquelas matérias não fazem parte do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Parece útil, no entanto, alinhar aqui algumas ideias sobre aquelas questões, recorrendo fundamentalmente à jurisprudência do Tribunal Constitucional.
8.3.1. A problemática da extensão ou do montante da indemnização tem a ver com o conceito de 'justa indemnização', referido no artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental. Seguindo de perto o Acórdão deste Tribunal nº 452/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1995), por 'justa indemnização', para efeitos de expropriação, deve entender-se, de acordo com a doutrina, uma indemnização total ou integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado ou uma compensação plena da perda patrimonial suportada, que respeite o princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, não apenas dos expropriados entre si, mas também destes com os não expropriados. Uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos [cfr. F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, p.127 ss., O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, p. 528 ss., Formas de Pagamento da Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública,Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia» - 1984, Coimbra, 1991, p. 16-20, Código das Expropriações e Outra Legislação sobre Expropriações por Utilidade Pública
(Introdução), Lisboa, Aequitas/Diário de Notícias, 1992, p. 20-25, e As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português, Coimbra, Almedina,
1993, p. 68-70; J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, Coimbra, Editora, 1993, p. 336; J. Osvaldo Gomes, Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 341/86, in Revista da Ordem dos Advogados, 47 (1987), p. 121 ss.; e J. Oliveira Ascensão, A Caducidade da Expropriação no Âmbito da Reforma Agrária, in Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações, cit., p. 70 ss., e O Urbanismo e o Direito de Propriedade, in Direito do Urbanismo, coord. D. Freitas do Amaral, Lisboa, INA, 1989, p. 333 ss.]. Na mesma linha do exposto tem caminhado a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, em vários arestos, vem densificando o conceito de 'justa indemnização' do artigo 62º, nº 2, da Constituição.
Assim, no Acórdão nº 131/88 (publicado no Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988) - no qual foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 30º do Código das Expropriações de 1976, depois de esta mesma norma ter sido julgada inconsti- tucional, em quatro casos concretos, pelos Acórdãos nºs. 341/86, 442/87, 3/88 e
5/88 -, escreveu-se que 'a Constituição [...], embora estabelecendo que a indemnização há-de ser justa, não define um concreto critério indemnizatório, mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., revista e ampliada, 1º vol., p. 331)'.
Por sua vez, no Acórdão nº 52/90 (publicado no Diário da República, I Série, de 30 de Março de 1990) - aresto que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do nº 2 do artigo 30º do Código das Expropriações de 1976, em processo de repetição do julgado, após a mesma norma ter sido julgada inconstitucional, em três casos concretos, através dos Acórdãos nºs 109/88,
381/89 e 420/89 -, ponderou o Tribunal:
'Em termos gerais, deve entender-se que a justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação'.
E um pouco mais adiante:
'O pagamento da justa indemnização, para além de ser uma exigência constitucional da expropriação, é também a concretização do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direitos ou causadores de danos.
Tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação. E, se esta indemnização
`não pode estar sujeita ou condicionada por factores especulativos, por, muitas vezes, artificialmente criados, sempre deverá representar e traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (v. o Acórdão nº 381/89)'. Cfr. ainda, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 108/92, 184/92 e 210/93, publicados no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1992, 18 de Setembro de 1992 e 28 de Maio de 1993, respectivamente.
8.3.2. No que concerne ao modo como deve ser satisfeita a indemnização ou à forma ou formas do seu pagamento, o artigo 62º, nº 2, da Constituição impõe que a indemnização por expropriação seja paga em dinheiro e de uma só vez e que o montante pecuniário seja entregue ao expropriado pelo menos contemporaneamente ou imediatamente após a produção dos efeitos privativo e apropriativo que, em regra, anda associados ao acto expropriativo, sendo, por isso, inconstitucionais as normas que estabeleçam, sem o acordo do expropriado, o pagamento da indemnização em espécie ou in natura ou o pagamento da quantia pecuniária em várias prestações, durante um período mais ou menos longo, ainda que as prestações em dívida vençam juros, pagáveis anual ou semestralmente, de acordo com a taxa de juro praticada pela Caixa Geral de Depósitos, relativamente aos depósitos a prazo por períodos correspondentes, ou com a taxa de juro que couber aos títulos da dívida pública, se for caso disso, como sucedia com as normas dos artigos 84º e 85º do Código das Expropriações de 1976 (cfr. o Acórdão nº 108/92, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de
1992, e F. Alves Correia, Formas de Pagamento, cit., p. 40 e segs. Sobre as soluções constantes do actual Código das Expropriações, cfr. F. Alves Correia, Código das Expropriações (Introdução), cit., p. 26, 27).
8.3.3. No que toca à actualização do quantum indemnizatório arbitrado aos expropriados, a doutrina vinha afirmando, no domínio do Código das Expropriações de 1976, que aquela questão está intimamente ligada ao problema mais geral do momento do cálculo do montante da indemnização, devendo esse momento ser aquele em que se procede à avaliação e não qualquer outro: a arbitragem e, no caso de haver recurso desta, a avaliação feita pelos peritos. E isto porque o princípio constitucional da 'justa indemnização' impõe que esta, fixada com base na ponderação de uma vasta gama de factores, esteja o mais actualizada possível em relação ao valor do bem (cfr. F. Alves Correia, o Plano Urbanístico, cit., p. 556, nota 159). Ainda segundo este mesmo autor, tendo a indemnização por expropriação 'como fim colocar o expropriado numa situação que lhe permita adquirir um bem semelhante, deve considerar-se decisivo um momento que fique próximo do pagamento da indemnização. Por conseguinte, o valor da coisa deve ser reportado ao momento em que se procede à sua avaliação e não ao momento da declaração de utilidade pública. De facto, deve ser concedida ao expropriado uma indemnização o mais actualizada possível, pelo que deve considerar-se errónea a opinião que defende que a declaração de utilidade pública congela o valor do bem' (cfr. As Garantias do Particular, cit., p. 151).
A actualização do capital indemnizatório arbitrado aos expropriados efectiva-se, como salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, processualmente através da faculdade de ampliação do pedido como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, consentida pelo nº 2 do artigo 273º do Código de Processo Civil - cumprindo salientar que alguma jurisprudência dos tribunais judiciais, editada a propósito de situações de responsabilidade civil extra-contratual, vem admitindo, com base na qualificação da obrigação de indemnizar com 'dívida de valor' e não propriamente como 'obrigação pecuniária':
- que o tribunal considere oficiosamente as taxas de inflação verificadas durante a pendência da causa, qualificadas como 'facto notório', com vista à correcção monetária do pedido indemnizatório;
- que a própria Relação, na apreciação do recurso de apelação interposto da sentença proferida em 1ª instância, possa ter em consideração a desvalorização monetária ocorrida entre os momentos do encerramento da discussão da causa e do julgamento do recurso [cfr., designadamente, o Acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Janeiro de 1987 (in Colectânea de Jurisprudência, 1/87, pág.
91) e o Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Junho de 1991 e o respectivo comentário, in Revista do Ministério Público, Ano 14º, 1993, Nº 53, págs. 143 e segs.].
Sucede, porém, que, no caso dos autos, o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 25 de Junho de 1991, entendeu que o expropriado não lançou mão, de modo processualmente adequado, de tal faculdade de actualização, por sua iniciativa, do valor do capital indemnizatório a que tinha direito e, por isso, rejeitou o pedido de actualização, nos seguintes termos (cfr. fls. 102-103 dos autos):
'Resta apreciar a questão suscitada na última conclusão dos apelantes, respeitante à actualização da indemnização atenta a desvalorização da moeda, tendo em conta a variação anual do índice de preços ao consumidor fornecida pelo Instituto Nacional de Estatística e a data da decisão final.
Trata-se aqui de uma questão levantada pela primeira vez na alegação do recurso de apelação.
Com efeito, nem na alegação do recurso de arbitragem, nem em qualquer requerimento apresentado até ao momento da junção do resultado da avaliação dos peritos - que, como vimos nestes processos corresponde o encerramento da discussão em 1ª instância -, os expropriados pediram que o valor determinado para a justa indemnização fosse corrigido em função da desvalorização da moeda que, entretanto, se viesse a verificar.
Ora, é bem conhecido o entendimento, que cremos unânime, segundo o qual os recursos se destinam à reapreciação de questões já discutidas na decisão que se pretende seja alterada ou revogada, mas não à criação de decisões sobre questões novas, com a ressalva de que assim não será, tratando-se de questões de conhecimento oficioso do Tribunal de recurso.
Se a inflação é um facto notório, pois é do conhecimento geral que a moeda está a sofrer, entre nós, uma desvalorização, não carecendo, por isso, esses factos de prova, nem de alegação (artigo 514º, nº 1, do Código de Processo Civil), já o mesmo se não pode dizer a respeito das taxas de inflação, que vão mudando constantemente e a respeito das quais há até divergências entre o Governo, os partidos e os chamados parceiros sociais.
É certo que essa desvalorização poderá ser aferida através dos
índices de preços no consumidor, que, com referência a cada ano civil, o Instituto Nacional de Estatística vem publicando.
Todavia, nem essa publicação ocorre tão cedo como seria desejável, nem é fácil e indiscutível a sua aplicação às fracções de cada ano.
Escapa, pois, tal questão à excepção do conhecimento oficioso'.
Deste modo - e segundo o entendimento expresso no citado aresto do Tribunal da Relação do Porto -, a eventual não actualização do capital indemnizatório arbitrado aos expropriados, compensando-os do efeito corrosivo do fenómeno da desvalorização monetária, não radica na restrição enunciada pela norma legal questionada no presente recurso, sendo antes imputável à própria actuação processual dos expropriados, que não curaram de suscitar atempadamente tal questão, requerendo, no momento adequado, a correcção monetária do montante da indemnização arbitrada e produzindo prova sobre as taxas de inflação efectivamente verificadas durante os períodos temporais a que o seu possível requerimento se reportasse (de salientar que o Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, presentemente em vigor, tem o cuidado de conferir expressamente ao expropriado - em termos não inovatórios, já que tal solução se podia alcançar, no mbito do Código de 1976, nos termos acima referidos - a actualização do montante indemnizatório à data da decisão final do processo, 'de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação' (cfr. os artigos 23º e 66º, nº 3).
8.4. A mora da entidade expropriante é o atraso (demora ou dilatação) culposo no pagamento da indemnização. A entidade expropriante incorre em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não deposita na Caixa Geral de Depósitos o valor da indemnização, no termo do prazo referido no artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976 (de salientar que o Código das expropriações de 1991 contém uma norma idêntica a esta, a norma do artigo 68º, nº 1).
À mora da entidade expropriante são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os artigos 804º, 805º e 806º do Código Civil. Para que haja mora, além da culpa da entidade expropriante (e, consequentemente, da ilicitude do ratardamento do pagamento da indemnização), é necessário, tal como sucede na mora do devedor em direito civil, que a indemnização por expropriação seja ou se tenha tomado certa,exigível e líquida (cfr. J.M. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral,Vol. II, 6ª ed., Coimbra, Almedina, 1995, p. 114-116; M.J. de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, p. 894,895; e J.L.A. Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, Coimbra, Almedina,
1990, p. 442-444).
A constituição em mora da entidade expropriante ocorre quando se completar o prazo de dez dias referido no artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976. Estamos aqui perante uma obrigação da entidade expropriante de prazo certo, pelo que esta incorre automaticamente em mora com o decurso daquele prazo. A consequência principal da mora do expropriante é a obrigação de reparação dos danos moratórios, nos termos do artigo 804º,nº 1, do Código Civil. Traduzindo-se, para os efeitos que estamos a considerar, a indemnização por expropriação numa obrigação pecuniária, a lei presume (iuris et de jure) que há sempre danos causados pela mora e fixa, à forfait, o montante desses danos. Por um lado, garante-se uma indemnização efectiva ao expropriado a partir do dia da constituição da mora (cfr. o artigo 806º, nº 1, do Código Civil). Por outro lado, identifica-se a indemnização com os juros legais da soma devida, nos termos do artigo 806º, nº 2, do Código Civil (cfr. J.M. Antunes Varela, ob. cit., p. 121; M.J. de Almeida Costa, ob. cit., p. 896,897; e J.L.A. Ribeiro de Faria, ob. cit., p. 451,452).
8.5. Tendo a mora da entidade expropriante no pagamento atempado da indemnização como finalidade o ressarcimento dos danos suportados pelo expropriado em consequência do atraso na percepção do montante da indemnização, nada tem a ver a norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações de
1976, que determina o momento a partir do qual aquela fica constituída em mora, com as normas do Código das Expropriações respeitantes à determinação do quantum indemnizatur e com o princípio constitucional da 'justa indemnização' por expropriação.
O problema do ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado em consequência do atraso do pagamento da indemnização por parte da entidade expropriante não apresenta quaisquer especificidades relativamente às consequências jurídicas do não cumprimento pontual de qualquer outra obrigação de conteúdo patrimonial. Não se vê, na realidade, qualquer razão válida para, com fundamento nos princípios constitucionais da 'justa indemnização' por expropriação e da igualdade, privilegiar o expropriado no que toca ao eventual atraso na satisfação pontual da indemnização relativamente ao regime que, no direito civil, vigora relativamente a qualquer outra pretensão creditória insatisfeita.
Ao contrário do que supõem os recorrentes, os artigos 62º, nº 2, e
13º, nº 1, da Constituição não impõem que, por eles no caso dos autos, ocorresse a constituição em mora da entidade expropriante com a simples prolação da decisão da primeira instância. O acórdão recorrido (tal como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Abril de 1994) entendeu que, com o recurso interposto daquela decisão pelo Município de Felgueiras e pelos expropriados, a mesma não tinha ainda transitado em julgado, acrescentando o mesmo acórdão que a indemnização apenas se tornou líquida com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Junho de 1991, pelo que antes disso não podia a entidade expropriante ser constituída em mora.
Fez apelo o acórdão aqui sub judicio à regra constante da primeira parte do nº 3 do artigo 805º do Código Civil, segundo a qual 'se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor'. Ou seja: aplicou aquele aresto o princípio
'in illiquidis non fit mora', temperado embora pela possibilidade de o credor alegar e provar que a falta de liquidez se deve a comportamento (acção ou omissão) imputável ao devedor - o que, manifestamente, nestes autos, o recorrente não curou de fazer.
Aquele preceito da lei civil sempre foi unanimemente entendido na doutrina e jurisprudência como significando que só existe mora depois de fixado, em definitivo, pelo tribunal o quantitativo da indemnização: enquanto durar a acção, não há liquidação da dívida, já que - embora o pedido formulado fosse eventualmente líquido - não o é a indemnização.
Assim sendo - e em face da regra constante da primeira parte do nº 3 do artigo 805º do Código Civil -, a interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma do nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976 não traduz a fixação de qualquer regime excepcional em desfavor do expropriado: tal como qualquer outro credor, ele só vê o seu devedor constituir--se em mora quando se tornar certo e líquido, por decisão judicial definitiva, o montante indemnizatório em litígio.
Eis, pois, as razões pelas quais a norma do artigo 100º, nº 1, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, não viola os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição, nem qualquer outra norma ou princípio constitucional.
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido, na parte impugnada.
Lisboa, 05 de Março de 1998 Fernando Alves Correia Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida