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Procº nº 557/92
1ª Secção Consº VITOR NUNES DE ALMEIDA (Consª ASSUNÇÃO ESTEVES)
Acordam, na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - Em processo emergente de contrato individual de trabalho, T... veio peticionar, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, uma indemnização por despedimento, uma vez que, por processo disciplinar terminado em 12 de Dezembro de 1986, a entidade patronal, a firma 'V...,Lda' decidiu aplicar-lhe tal sanção que, a autora e trabalhadora considera injusta além de o processo dever ser considerado nulo, pelo que tem direito à referida indemnização.
Como a autora estava grávida na data do despedimento e a entidade patronal tinha conhecimento desse facto, a indemnização veio a ser calculada, na 1ª instância, com fundamento no disposto no artigo 118º, nº1, alínea c) e nº3, do Decreto-Lei nº49.408, de 24 de Julho de 1969, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho(adiante, RJCIT).
Interposto recurso da decisão pela Ré, para o Tribunal da Relação do Porto, a recorrente defendeu a tese da revogação (tácita) do artigo 118º do RJCIT pelo Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, pelo que a indemnização deveria ser calculada de acordo com as regras gerais deste diploma. A Relação do Porto, por acórdão de 11 de Março de 1991, concedeu provimento ao recurso, tendo considerado que a norma do artigo 118º do RJICT tinha sido revogada, não pela Lei dos Despedimentos (DL 372-A/75), pois entre estes dois diplomas inexistia incompatibilidade recíproca dos regimes, mas antes pelo Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio (artigo 40º, nº1, alínea a)).
Desta decisão, foi, por sua vez, interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ) pela Autora, T..., tendo suscitado nas suas alegações, a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 40º, nº1, alínea a), do referido diploma, na parte em que expressamente revogou as normas do artigo 118º, nº1, alínea b), e nº3 do RJCIT, por entender que tal norma revogatória era contrária aos artigos 59º, nº2, alínea a) e 68º, nº3, da Constituição da República.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Junho de 1992, negando provimento ao recurso, veio confirmar a decisão da Relação. Como se referiu, esta decidira revogar a decisão de 1ª instância que tinha julgado a acção procedente e condenara a Ré no pagamento da indemnização peticionada.
O STJ, perante esta questão - a da vigência do artigo
118º do RJCIT - que era a única que tinha para decidir, equacionou-a pela forma seguinte:
'O único problema que vem suscitado na revista consiste em saber se, à data do despedimento da Autora (12-12-86) estava ainda em vigor o capítulo VII, integrado pelos artigos 116º a 120º, da L.C.T., sob a rubrica «Trabalho de Mulheres».
É que se assim for, a indemnização a que a recorrida tem direito será a prevista no nº 3 com referência ao nº 1 (alínea b) do artigo 118º daquele diploma, ou seja um total de 578.850$00 e não apenas os 167.500$00, que, pelo mesmo título recebeu da recorrente. No acórdão recorrido chegou-se à conclusão de que aquele preceito, bem como os demais do aludido capítulo III da L.C.T., tinham sido revogados pelo artigo 40º, nº 1 (alínea a) do Dec-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, pelo que a indemnização recebida pela Autora, foi em conformidade com o disposto no artigo 20º do Dec-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, era a devida. Pretende, agora a recorrida afastar tal tese, com o fundamento de que o citado artigo 40º, nº 1 - alínea a) -, na parte em que revogou o artigo 118º, nº 1, alínea b) e nº 3 da L.C.T., é inconstitucional, por violador dos artigos 52º, nº
1, alínea a) e 68º nº 3, da Constituição da República, de 25 de Abril de 1976. Vejamos: Antes de mais, aquele artigo 118º, bem como todo o articulado que integra o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Dec-Lei nº
49.408, de 24-11-69, e, como se sabe, muito anterior à entrada em vigor da actual Constituição (25-4-76). Consequentemente o problema devia antes ter sido posto em termos de saber, se a Lei nº 4/84, de 5 de Abril e o Dec-Lei nº 132/85, de 3 de Maio - que veio regulamentar aquela Lei estariam ou não em conformidade com a Constituição. Estabelecem estas:
1) No seu artigo 59º, 1, alínea a) que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; e,
2) No nº 3 do seu artigo 68º: «As mulheres trabalhadoras, têm direito a um período de dispensa do trabalho, antes e depois do parto, sem perda da retribuição e de quaisquer regalias». Face a estes princípios constitucionais, o legislador ordinário entendeu dever dar-lhe o adequado e necessário desenvolvimento, publicando, em primeiro lugar, a Lei nº 4/84, de 5 de Abril, subordinada à rubrica «Protecção da Maternidade e da Paternidade», e, a seguir, o Dec-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, regulamentar daquela. Pode ler-se no relatório deste diploma:
«A Lei nº 4/84, de 5 de Abril, veio estabelecer o regime jurídico para a protecção da maternidade e da paternidade, reconhecidas no nº 1 do artigo 1º, como valores sociais eminentes. Na referida lei consagram-se direitos de vária índole que visam garantir às mães e aos pais a protecção da sociedade e do Estado na realização da sua acção em relação aos filhos. Integrando esse conjunto de direitos encontram-se os que se referem à protecção das mães e dos pais trabalhadores, abrangidos pelo contrato individual da trabalho,.................». Porém, para que se possa exercer em pleno o referido conjunto de direitos importa que se regulamentem as condições para o seu exercício, as correlativas obrigações das entidades empregadoras e as formas de intervenção da Segurança Social, para a garantia da continuidade da protecção social devida aos trabalhadores nas situações abrangidas, pela Lei nº 4/84». Quer dizer: Após o legislador constitucional ter definido às bases gerais em matéria de
«Protecção à Maternidade e à Paternidade», veio o legislador ordinário, primeiro, definir o respectivo estatuto jurídico, e a seguir, assegurar condições ao cumprimento deste. Assim, alcançada uma nova e diferente regulamentação da matéria, de harmonia com os respectivos parâmetros consagrados na Lei Fundamental, deixara de se justificar o tratamento que à mesma havia sido dado no capítulo VII da LCT, impondo-se, por isso, a sua revogação, como veio a acontecer (artigo 40º do citado Dec-Lei nº 136/85). Postas as coisas nestes termos, é evidente que não faz sentido coimar-se este artigo 41º de inconstitucional, por ter revogado um regime jurídico que havia sido criado muito antes da existência da lei constitucional, dita, como violada.'
De novo inconformada com o assim decidido, a autora e trabalhadora interpôs recurso para o Tribunal Constitucional invocando a inconstitucionalidade normativa já acima definida.
2. - Neste Tribunal apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
'O recurso cinge-se à questão da inconstitucionalidade do art. 40º, nº 1, alínea a) do Dec-Lei nº 136/85 de 13 de Maio, na parte em que revogou o art. 118º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Dec-Lei
49.408 de 24 de Novembro de 1969.
Se bem que o Dec-Lei nº 136/85 regulamenta matéria sobre os direitos especiais da mulher grávida, o facto é que o legislador apenas se debruçou sobre o regime de licença de maternidade e da paternidade, aprofundado-o e adaptando-o
às novas exigências dos valores sociais e culturais.
O art. 118º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Dec-Lei 49.408, consagrava uma especial protecção do trabalho à mulher grávida, conferindo-lhe, em caso de despedimento sem justa causa, caso não pretendesse ser reintegrada, uma indemnização pelo montante das retribuições até um ano após o parto, excepto se a calculada segundo o regime geral, no caso concreto, fosse superior. Era este o entendimento da doutrina e jurisprudência quanto ao alcance do referido normativo, na vigência do Dec-Lei nº 112/76 de 7 de Fevereiro.
O art. 40º, nº 1, alínea a) do Dec-Lei 136/85, ao revogar o referido art. 118º, nº 1, alínea b) e nº 3, veio uniformizar o regime da indemnização por despedimento, retirando à mulher grávida o direito especial que ali lhe era assegurado.
Não se acautelou, por outro lado, uma protecção adequada nesta matéria à mulher grávida, em conformidade com os arts. 59º, nº 2, alínea c) e
68º, nº 3 da Constituição.
E se a Constituição por um lado, estabelece um direito das mulheres a uma protecção especial e adequada durante a gravidez e após o parto, por outro, consagra uma imposição ao legislador no sentido de ser criada uma disciplina que dê satisfação, nos diversos planos do seu exercício, a esse direito.
Em conclusão
O art. 40º, nº 1, alínea a) do Dec-Lei nº 136/85 de 13 Maio é inconstitucional na parte em que revogou o art. 118º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Dec-Lei nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969, por violar os arts. 59º, nº 2, alínea c) e 68º, nº 3 da Constituição'.
Também a entidade patronal recorrida alegou, tendo concluído as suas alegações pela forma seguinte:
'1ªA alínea a) do nº 1 do artº 40º do DL 136/85, ao revogar a alínea b) do nº 1 do artº 118º da LCT, por estar implícita na matéria que revoga, não o faz por regular directamente a matéria dessa norma, pois que era versada no DL
372-A/75 e na actual LCCT, constante do DL 64-A/89;
2ª Essa revogação não atenta contra a alínea c) do nº 2 do artº 59º e contra o nº 3 do artº 68º, da CR, não só porque se trata de âmbitos diferentes (estas normas constitucionais não versam matéria da cessação do contrato de trabalho), como porque a Lei 4/84 e o DL 136/85 contêm em si um regime mais favorável à mãe trabalhadora, inclusive mulher grávida, do que o regime anterior, nomeadamente o constante do artº 118º da LCT;
3ª E esse regime visa, ao contrário da pretensão da recorrente, dar cumprimento ao comando constitucional que se diz infringido;
4ª Não existe, pois, violação constitucional.'
Corridos que foram os vistos legais, o processo foi inscrito em tabela e, após a discussão, verificou-se a necessidade de mudança de relator.
II. FUNDAMENTOS:
3. - A questão de constitucionalidade que vem suscitada nos presentes autos é a de saber se a norma do artigo 40º, nº1, alínea a) do decreto-lei nº 136/85, de 3 de Maio, na parte em que revoga o artigo 118º, nº1, alínea b), e nº3, do RJCIT está ou não em contradição com a Constituição da República. Segundo a recorrente, tal norma violaria os artigos 59º, nº2, alínea c) e 68º, nº3 da Constituição.
Adiante-se desde já que o Tribunal não está impedido de considerar que a norma é inconstitucional por violar normas ou princípios constitucionais diversos dos que a recorrente invoca.
4. - Vejamos as normas em causa.
O artigo 118º, nº1, alínea b) e nº3 do RJCIT estabelecem o seguinte:
'Artigo 118º
(Direitos especiais)
1.São designadamente, assegurados às mulheres os seguintes direitos: a)[...]; b)Não ser despedida, salvo com justa causa, durante a gravidez e até um ano após o parto, desde que aquela e este sejam conhecidos da entidade patronal;
...........................................................
3. A entidade patronal que não observar o disposto na alínea b) do nº1 deste artigo ficará obrigada a pagar à trabalhadora despedida uma indemnização equivalente à retribuição que venceria até ao fim do período previsto na mesma alínea b) do nº1, se outra maior não lhe for devida.'
Pelo seu lado o artigo 40º, nº1, alínea a), do Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, estabelece que:
'1 - São revogados: a. Os artigos 116º a 120º, integradores do capítulo VII «Trabalho de mulheres» do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969;'
5. - Importa essencialmente fixar o sentido que a norma do artigo 118º, nº1, alínea a) e nº3 têm no quadro legal em que se inserem.
O artigo 118º corresponde, com algumas modificações, ao artigo 115º da anterior Lei de contrato individual de trabalho e, desde sempre se entendeu entre os juslaboralistas da época (cf. 'Lei do Contrato de Trabalho Anotada', de Almeida Policarpo e Monteiro Fernandes, Coimbra, 1970, pág. 246) que tal norma consagra um direito especial atribuído à mulher trabalhadora na suas qualidades de mulher e de mãe, pois, os direitos e garantias gerais correspondentes à particular qualidade de trabalhadora subordinada constam dos artigos 19º e 21º do diploma (RJCIT).
A norma complexa constituída pela alínea b) e pelo nº 3
- que, na verdade correspondem à hipótese legal e à respectiva consequência - não é, mesmo hoje, uma forma 'anacrónica'. Com efeito, o entendimento que dela fazem os comentadores do Direito do Trabalho mostra como a norma antecipa o que, mais tarde, veio a ser parcialmente consagrado na Constituição de 1976.
Na verdade, a norma na sua versão de 1969 (Decreto-Lei nº 49.408) estabelece pela primeira vez a proibição de despedir um trabalhador - que, no caso, tinha de ser mulher e de estar grávida -, e para que a proibição fosse totalmente eficaz, a gravidez e o parto deviam ser conhecidos da entidade patronal.
Efectivamente, no domínio do RJCIT, sempre se entendeu que, após a alteração introduzida no nº3 da norma, no caso de uma trabalhadora grávida, a única forma lícita de despedimento era o despedimento como justa causa. Na verdade, a redacção do artigo 115 da LCT - que desapareceu com o Decreto-Lei nº 49.408 - permitia que, para além da indemnização devida até um ano após o parto, a trabalhadora despedida acumulasse também a indemnização geral resultante de denúncia sem pré-aviso e sem justa causa, formulação que facilitava a ilação de que era possível, na hipótese, existir cessação unilateral mediante aviso. Na redacção do RJCIT tal formulação desapareceu e a indemnização geral apenas seria devida se, feitas as contas, se revelasse de quantitativo mais elevado do que a prevista no preceito.
A norma da alínea b) do nº1 do artigo 118º do RJCIT em conexão com o nº3 do mesmo preceito tem o claro sentido de proibir o despedimento sem justa causa da trabalhadora subordinada que se encontre grávida, fixando para o caso de tal despedimento vir a ocorrer uma indemnização por assim dizer decorrente e «medida» pela natureza das coisas: direito aos salários enquanto durar a gravidez e até um ano após o parto, se não for devida outra maior pelos critérios legais em vigor.
Uma vez fixado o sentido a dar à norma e definido o quadro legal em que a norma se insere, não pode deixar de se salientar que a norma (nos aspectos questionados) manteve integralmente a sua vigência quando, após a Revolução de Abril, se reformulou de forma completa o capítulo da cessação das relações de trabalho, eliminando o despedimento mediante aviso prévio e determinando a motivação de todas as decisões de despedimento, motivação essa demonstrada através de procedimento disciplinar em que o trabalhador pudesse organizar a sua defesa.
De facto, alínea b) do nº1 e o nº3 do artigo 118º, sendo um direito especial de protecção à maternidade, não deixa também de ser um regime especial de garantia da estabilidade no emprego. Assim, de acordo com o novo regime da cessação das relações de trabalho (Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, a trabalhadora despedida em contravenção às normas em causa, se não pretender ser reintegrada ao abrigo do artigo 12º, nº2, da Lei dos despedimentos
(Decreto-Lei nº 372-A/75), à indemnização calculada nos termos do nº3, a não ser que a calculada de acordo com o artigo 20 da Lei dos Despedimentos, for, no caso em apreço, de valor superior (veja-se, neste sentido, Barros Mouro, 'Compilação de Direito do Trabalho sistematizada e Anotada', pág. 224).
A norma do artigo 118º do RJCIT sofreu, entretanto, alterações (a primeira parte da alínea c) do nº1 e o nº2) por força do Decreto-Lei nº 121/76, de 7 de Fevereiro, em aspectos relacionados com a protecção da maternidade.
As sucessivas modificações a que foi sujeito o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho (Decreto-Lei nº
372-A/75; Decreto-Lei nº 84/76, de 28 de Janeiro; Decreto-Lei nº 841-C/76, de 7 de Dezembro e Lei nº 48/77, de 11 de Julho) não alteraram o entendimento no sentido de que a norma do artigo 118º, nº1, alínea b) e nº3, do RJCIT continuasse a ser aplicada e em plena vigência, salvo no que respeita ao despedimento colectivo (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Março de 1983, in 'Boletim do Ministério da Justiça', nº
325,pág. 477).
Mas, a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, terá imposto, nesta matéria, uma mudança radical de entendimento?
A resposta não pode deixar de ser negativa, no caso concreto em apreço. É certo que a regulamentação geral do despedimento, ou melhor, da cessação do contrato individual de trabalho tal como estava prevista no RJCIT (aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408) estava em nítida oposição ao princípio constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Porém, no caso dos despedimentos de trabalhadoras grávidas, o princípio era já também o da proibição do despedimento sem justa causa. E não pode esquecer-se que a legislação sobre cessação dos contratos de trabalho depois do 25 de Abril de 1974 passou a estar subordinada ao princípio da proibição dos despedimentos que, mais tarde, veio a ser adoptado pelo texto constitucional.
De qualquer modo, a norma questionada atravessou todas as modificações legislativas relativas à cessação do contrato de trabalho e à fixação da respectiva indemnização, até que o Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, através do artigo 40º, nº1, alínea a), veio revogar expressamente os artigos 116º a 120º, integradores do capítulo VII do RJCIT. O fundamento da revogação assentou, certamente, no facto de a Lei nº 4/84, de 5 de Abril ter vindo definir um programa de protecção da maternidade e da paternidade, que veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, criando assim uma nova ordem de coisas que tornaria legítima a revogação em causa.
6. - A norma revogatória será inconstitucional?
Vejamos.
Independentemente de se poder discutir se a norma questionada está ou não efectivamente revogada (cf. no sentido de que ela deve considerar-se ainda em vigor apesar do que se dispõe no artigo 40º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 136/85, a posição explanada pelo Procurador-Geral adjunto no STJ no próprio processo), e mesmo de averiguar se tal norma sofre de inconstitucionalidade material, tal como vem suscitado pela recorrente, um outro aspecto importa considerar.
Vejamos qual o conteúdo da norma complexa em causa, após o DL nº 372-A/75 (norma revogada): às mulheres trabalhadoras, durante a gravidez e até um ano após o parto, desde que aquela e este sejam conhecidos da entidade patronal, no caso de despedimento ilícito e de não optarem pela reintegração, é assegurada uma indemnização equivalente à retribuição que venceriam até ao fim do período previsto, se outra maior lhes não for devida.
O Tribunal entende que o direito assim conferido é não só constitucionalmente adequado como a sua revogação pela norma do artigo 40º, nº1, alínea a), do Decreto-Lei nº 136/85, para além de não se integrar numa possível «revogação de sistema» afecta uma garantia específica da mulher trabalhadora grávida, garantia essa que tem a natureza de um direito, liberdade e garantia e que só podia ter sido retirada através de diploma emanado da Assembleia da República ou pelo Governo devidamente autorizado.
Na verdade, não nos parece que no caso em apreço se possa falar de uma «revogação de sistema» nem sequer de uma revogação global. De facto, as normas dos artigos 116º a 120º do RJCIT reporta-se ao 'trabalho de mulheres' e parte das suas normas foi revogada que pelo Decreto-Lei nº 112/76, de 7 de Fevereiro (alínea c) do nº1 do artigo 118 e nº2), que pela própria Constituição (artigo 117º - artigos 13º e 36º, nº3, CRP) ou pelo Código Civil
(nº2 do artigo 117º - artigo 1677º-D, CC)). Dos preceitos que ainda estavam em vigor em 1985, uma parte (artigo 116º 118º nº 1, alíneas a) e d), 119º e 120º) foram efectivamente derrogadas pela Lei nº 4/84, de 5 de Abril e pelo Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio: as disposições directamente respeitantes à protecção da maternidade.
Porém, quer a Lei relativa à 'Licença de maternidade e paternidade' quer o respectivo regulamento são inteiramente omissos na regulação da questão da cessação do contrato individual de trabalho de trabalhadora subordinada grávida. E a norma complexa aqui em causa regula apenas este preciso aspecto, que não foi objecto de qualquer normação da Lei nº 4/84 ou do Decreto-Lei nº 136/85. Não pode, assim, considerar-se ter havido «revogação de sistema» quanto a tal matéria, dada a sua essencialidade no âmbito do trabalho subordinado das mulheres.
O facto de o RJCIT não prever a reintegração do trabalhador(a) ilicitamente despedido - sendo certo que após o Decreto-Lei nº
372-A/75, de 16 de Julho é essa a consequência normal de um despedimento nulo - não obsta à vigência da norma do artigo 118º, nº1, alínea b) e nº3 do RJCIT sempre que se tratar de uma trabalhadora grávida e se fizer a opção pelo direito
à indemnização. O quadro legal é inteiramente compatível: ocorrido um despedimento nulo, a consequência será a da reintegração do trabalhador despedido; se se fizer a opção por uma indemnização - direito este totalmente livre do trabalhador - se a vítima do despedimento for uma trabalhadora grávida, o montante da indemnização será o previsto na norma decorrente da conjugação da alínea b) do nº1 com o nº3 do artigo 118º do RJCIT, a não ser que pela aplicação do regime geral a indemnização seja de valor mais elevado.
Acresce, que o direito à indemnização em caso de despedimento sem justa causa no caso de trabalhadora grávida sempre tratado como um direito especial da mulher grávida não pode deixar de ser considerado um direito fundamental integrador dos direitos, liberdades e garantias, pelo que a sua eliminação só poderia ser da iniciativa da Assembleia da República ou do Governo se credenciado por aquela. Ora, a Lei nº 4/84, de 5 de Abril não contém qualquer norma revogatória e o Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio é um diploma regulamentar emitido apenas pelo Governo sem ter sido pedida qualquer autorização legislativa, pelo que a norma revogatória na parte relativa ao despedimento de trabalhadoras grávidas é organicamente inconstitucional, por falta de adequada credencial legislativa.
De facto, de acordo com o preceituado no artigo 165º, nº1, alínea b) da Constituição da República, é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo legislar sobre 'direitos, liberdades e garantias'. Assim, não tendo havido autorização da Assembleia ao Governo para proceder à revogação da norma do artigo 118º, nº1, alínea b) e nº3, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, não podia o Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio ter procedido a tal revogação, sofrendo a norma do artigo 40º, nº1, alínea a) deste diploma, nesta parte, de inconstitucionalidade orgânica.
Alcançada esta conclusão, torna-se desnecessário avançar para a averiguação de outras possíveis formas de inconstitucionalidade, designadamente, o saber se a norma em causa sofre também de inconstitucionalidade material por violação das normas invocadas pela recorrente.
Pelo exposto, conclui-se que a norma do artigo 40º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, na parte em que determinou a revogação do artigo 118º, nº1, alínea b) e nº3 do RJCIT é organicamente inconstitucional, tendo por isso de se conceder provimento ao recurso. III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional, por violação da norma do artigo 168º, nº1, alínea b) da Constituição, na versão da Lei Constitucional nº 1/82, o artigo 40º, nº1, alínea a), do Decreto-Lei nº 136/85, de 3 de Maio, na parte em que determinou a revogação do artigo 118º, nº 1, alínea b), e nº 3, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Julho de 1969, concedendo provimento ao recurso e determinando, em consequência, a reformulação da decisão recorrida de acordo com o presente julgamento de inconstitucionalidade.
Lisboa, 1998.03.04 Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa